Virgulino Ferreira da Silva morreu na Gruta do Angico, no atual município de Poço Redondo, em 28 de julho de 1938, mas tem memória viva em todo o Estado de Sergipe, por onde circulou, anos seguidos, com seus “rapazes”, também conhecidos como “cabras”, desde que entrou em território sergipano, em Carira, provavelmente em 1º de março de 1929. Foi uma entrada curta e logo o cangaceiro retornou à Bahia. Voltaria no mesmo mês de março, e no dia 29 passava por Ribeirópolis, depois por Pinhão e finalmente chegava ao Alagadiço, no município de Frei Paulo, parecendo que procurava alguém. Frei Paulo passou a contabilizar outras entradas, fornecer gêneros, incluindo peças de cutelaria, e enfrentar Zé Baiano com seu ferro quente, marcando as suas vítimas, até vencê-lo pelas mãos do grupo de Antonio de Chiquinho, no Alagadiço. Virgulino Ferreira da Silva – apelidado de Lampeão
A visita do dia 19 de abril, logo pela manhã cedinho, pegou desprevenida a pequena povoação de Poço Redondo, onde assistiu Missa, celebrada pelo padre Artur Passos, vigário de Porto da Folha. Foi um encontro marcante. De um lado, Lampeão deixando no papel pautado a lista dos integrantes do seu grupo – nome, apelido e idade, e alguma informação de parentesco -, de outro lado o padre, refeito do susto, guardando a impressão que teve, levando-a para pequenos jornais do interior de Sergipe e de Alagoas.
Lampeão entraria em Capela e tornaria o ano de 1929 a marca cronológica de sua presença, freqüente, em Sergipe, fazendo amizades, criando uma rede de coiteiros, durante 9 anos, até tombar na Gruta do Angico, ao lado da mulher e de alguns dos seus companheiros de cangaço. A fama de Lampeão espalhou-se rapidamente, e já em 1930 apareciam, em Porto da Folha, algumas pessoas que se diziam emissários do capitão e de Corisco, recolhendo dinheiro de pessoas incautas. Em janeiro de 1931 Manuel Luiz de Jesus, antes conhecido como Manuel dos Cajueiros, nascido no Cágado, município de Frei Paulo. “Corisco Preto” ou “Corisco Negro”, como passou a ser identificado, formou com irmãos e amigos um grupo que roubava.em Frei Paulo, até ser preso na Penitenciária de Aracaju, de lá fugindo e voltando ao crime, sendo novamente preso em Simão Dias, em 1935, e mandado de volta ao xadrex, até a década de 1940. O próprio Virgulino Ferreira da Silva, em setembro de 1931, foi denunciado em processo, tendo sua prisão decretada, pelo Juiz Municipal de Nossa Senhora das Dores, e confirmada pelo Juiz de Direito interino de Japaratuba, Carlos Vieira Sobral, acusado de matar o lavrador José Elpídio dos Santos, em Cruzeiro das Moças, e ter seqüestrado duas mulheres, como ato de vingança.
As andanças de Lampeão em Sergipe, seu trânsito livre em certas e determinadas áreas, suas amizades, seus companheiros recrutados em Poço Redondo e em outros lugares sergipanos, ainda provocam interesse dos pesquisadores e estudiosos do País, notadamente do Nordeste, onde a saga dos cangaceiros vive no imaginário popular, incorporada à memória social. O Encontro Cultural de Alagadiço (Frei Paulo), reunindo alguns estudiosos, capitaneados por Frederico Pernambucano de Melo, a família de Lampeão, especialmente Expedita Ferreira e Vera Ferreira, filha e neta do Capitão Virgulino, e outros interessados, bem demonstra a atualidade do ciclo.
Com 69 anos de morto, Virgulino Ferreira de Silva ainda é um personagem essencial à compreensão da sociologia e da cultura do Nordeste. È preciso que o contexto nordestino seja melhor conhecido e entendido, antes que se avolumem os clichês que fazem da imagem do cangaceiro um pêndulo, entre o heroísmo e a maldade, como se não fosse possível retratá-lo, com suas contradições, como alguém que transitou entre a natureza e a cultura, entre o passado e o futuro, entre o poder delegado e o mando próprio, insurgente, ilegal. Ao cobrar vingança, Lampeão estava estribado numa velha pena portuguesa, ao marcar, com suas iniciais JB, o rosto de mulheres de cabelo curto ou de vestido curto, Zé Baiano também valia-se de outra pena portuguesa, constante das Ordenações do Reino, aplicada comumente contra os mouros, banida pelo Rei D. João III, conhecido como O Piedoso, por Alvará de 27 de fevereiro de 1523, mas que voltou a vigorar com as Ordenações Filipinas, conjunto de leis e penas utilizadas durante o domínio espanhol em Portugal. Diz a lei:
“Mandamos que nenhum cristão, que fosse convertido da Lei dos Mouros à
nossa, sendo forro, nem mouro forro, de quaisquer partes que sejam, venha
nem entre nestes Reinos e Senhorios, posto que diga, com vem com intenção
de negociar, sob pena de, sendo eles achado das arraias (limites) para dentro,
ser cativo de quem o acusar, publicamente açoitado, e ferrado no rosto, para
se saber como é cativo, e perderá sua fazenda ( seus bens).”