Leis Mortas (II)

O intencionário de valorização dos sentimentos sergipanos, e da exaltação das grandes figuras locais, fica fora de dúvida, quando a reflexão busca registrar as tentativas, que não prosperaram, de proteção da história e da cultura de Sergipe. Os constituintes de 1935, que elaboraram a Carta Constitucional de 16 de julho, no capítulo das Disposições Transitórias, artigo 12, diz claramente:

 

         “O Estado mandará coligir e publicar as obras esparsas de Fausto Cardoso, Gumercindo Bessa e de outros sergipanos ilustres, já falecidos.”

 

O Estado não mandou coligir e nem publicar nada do que havia aprovado e posto na sua mais alta lei. A obra filosófica de Fausto Cardoso, parte da qual permanece esparsa, em revistas, como o ensaio sobre “a ciência da história” continua desconhecida do público leitor.  Há exatos 100 anos o jornalista e intelectual alagoano Moreno Brandão publicou Fausto Cardoso: escorso biográfico (Penedo/AL: Tipografia de Carvalho Filho, 1909). J. Pires Wynne publicou a plaqueta Fausto Cardoso e os rumos filosóficos do seu pensamento (Aracaju: Livraria Regina, 1957). J. Duarte escreveu A Tragédia de Sergipe e outras narrativas (Belo Horizonte: LEMI, 1970) Duas Antologias de textos de Fausto Cardoso foram organizadas por Jackson da Silva Lima e Luiz Antonio Barreto, contando com patrocínio do Governo do Estado. A primeira, em 1980, reunindo Esparsos e Inéditos, publicação da SUCA, na gestão de Luiz Eduardo Costa, a segunda, em 2006, uma Antologia, publicada pela Secretaria de Estado da Cultura, na gestão de José Carlos Teixeira.

Graças ao esforço hercúleo do deputado federal e senador Francisco Guimarães Rollemberg, Fausto Cardoso teve o seu Perfil Parlamentar (nº 31) publicado pela Câmara Federal, com antologia de muitos dos seus textos políticos, e uma biografia ampla, publicada em Separata, em 1987, produto de uma exaustiva pesquisa. A vida e a obra de Fausto Cardoso continua despertando interesse de estudiosos das universidades brasileiras,  como Terezinha Oliva, que fez Mestrado em Pernambuco e fez da sua Dissertação um livro correto, de análise dos fatos envolvendo a figura do revolucionário de 1906: Impasses do federalismo brasileiro: Sergipe e a revolta de Fausto Cardoso (Rio de Janeiro: Paz e Terra/Universidade Federal de Sergipe, 1985)

O artigo 12 das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de Sergipe, de 1935, virou lei morta, mas os parlamentares, sempre que tinham oportunidades, voltavam a insistir no assunto das publicações das obras dos intelectuais sergipanos. E não só trataram de edições de livros. O artigo 167 da Constituição estadual de 16 de junho de 1947 diz o seguinte:

 

         “O Estado velará não só pelas obras, monumentos e documentos de valor artístico, senão pelos monumentos naturais, pelas paisagens e locais dotados de particular beleza, fixando anualmente verba destinada a conservação e restauração do seu patrimônio histórico e artístico.”

 

Outra lei morta, mais uma Constituição descumprida. A questão do patrimônio histórico e artístico jamais mereceu atenção dos Governos estaduais. O pouco que é feito, no Conselho Estadual de Cultura, encarregado dos tombamentos, não tem desdobramentos. Os bens tombados tombam, freqüentemente, aos olhos dos transeuntes, que são testemunhas do descaso. O organismo executivo não dispõe de verbas para proteger os bens tombados, que dependem de ação federal, como são exemplos o Programa de Restauração das Cidades Históricas para fins turísticos, da década de 1970, e mais recentemente o Projeto Monumenta. Nos dois casos São Cristóvão e Laranjeiras são sempre beneficiados. As intervenções bancadas pelo Governo do Estado são, geralmente, de pequena monta e restritas a reformas de Igrejas e um ou outro prédio público, e quase nada mais. Os agentes do Governo, por mais diligentes que sejam, terminam derrotados pela falta de condições para operar um patrimônio que está mais para a categoria abandonado, do que para a de mostruário do zelo e da responsabilidade que com esse tipo de riqueza pública.

Todas as pessoas que dirigiram a cultura do Estado passaram e deixaram ações merecedoras dos aplausos públicos, mas todas, invariavelmente, tiveram problemas de falta de recursos e de estrutura para tratar com questão tão sensível como a arte e a cultura. O atual Governo criou um organismo especial para tratar do patrimônio artístico, histórico e cultural, confiando a gestão a um quadro preparado e experiente, o professor Luiz Alberto dos Santos, que exerceu recentemente a Secretaria de Estado da Cultura e teve, dentre outros méritos, a atenção de auscultar os diversos segmentos opinativos, promovendo reflexões e debates proveitosos.

 

 

Legenda:

         Perfis Parlamentares 31 – Fausto Cardoso, organização de Francisco Rollemberg

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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