A distância pode ser um bálsamo ou um inferno, depende do ponto de vista escolhido. Ninguém é totalmente uma coisa só. Só os chatos são aquilo pra sempre, amém. A maior delícia em visitar amigos que resolveram morar distante é poder levar o carinho que só um conterrâneo pode proporcionar.
Fora os jantares, a vida passada a limpo em conversas regadas aos melhores drinks, claro; existe a cumplicidade que só uma boa amizade é capaz. E as baixarias quando falamos mal dos que não estão presentes, tem coisa mais malignamente prazerosa? Quem falar que tem, puritanamente está mentindo (Deus nos livre dos chatos).
Claro que conhecer novos points, descobrir novos sabores numa culinária magnífica faz toda a diferença numa viagem inédita, mas cá entre nós, ao pagarmos a conta e deixarmos o restaurante, por exemplo, o que fica na memória: o sabor da comida ou o abraço de despedida do amigo que há séculos não víamos? Fica a amizade, porém numa viagem é preciso respeitar uma dinâmica pessoal.
Gosto de chegar alguns dias antes e pesquisar, por conta própria, os lugares mais badalados. Adoro ter uma vida própria antes de encontrar meus amigos que estão morando longe. Preservo esta técnica que vem dando certo ao longo da vida. Depois de uma semana por conta própria, sozinho pelo desconhecido local, eu estava louco para encontrar meu amigo-desgarrado-de-Sergipe. Ele deixou o nordeste para trabalhar em uma empresa de segurança no sudeste do Brasil. Cargo grande, de respeito e total sigilo, tipo um 007 brasileiro.
Nosso encontro foi muito louco, pra dizer o mínimo. Eu que já viajo nas histórias, adorei ouvir cada aventura, detalhes de cada treinamento de tiro e principalmente sobre as operações sigilosas que o novo gatilho-mais-rápido participou. Certeza que fiquei com olhos de criança, na curiosidade dessa vida nova que se desenhava pra mim. A inveja me consumiu em alguns momentos, confesso. Mas quem não ficaria com vontade de viver tanta coisa perigosa? Claro que contei sobre meus novos trabalhos, alegrias, tristezas, problemas familiares aos quilos e as coisas da vida, porém, saber ouvir o outro em sua ânsia de matar a saudade é uma arte. Aprendi e uso esta nobre vocação com maestria.
Bebida-vem-bebida-vai, o bar do hotel ficou chato e pequeno pra tanta felicidade. Ofereci o quarto para guardar a mochila dele, enquanto procurássemos um lugar pra passar a noite bebendo e curtindo um som, pois ainda temos uma juventude tardia como benção. Ele negou deixar a mochila no hotel veementemente, me alertando que ali carregava sua pistola automática.
Morri de medo e de curiosidade, pois arma pra quem não sabe atirar, como eu, vira um objeto de ostentação. Ele cuidadosamente me mostrou, mas não quis me entregar o objeto. Nem eu insisti pra não constrangê-lo. E assim lá fomos nós para o centro da cidade que eu visitava, armados e tudo!
Como adoro uma novidade, um boteco que seja frequentado por reis e mendigos também, acabamos num bar com duas jukeboxes ecléticas. Tinha de tudo no som. Cada ficha um real, proporcionando ao público de Lupicínio Rodrigues ao novo CD da Cher. Já percebeu o andar da carruagem?
Num momento o povo dançava de rosto colado, no outro tudo virava uma discoteca tipo Dancin' Days. Dali a pouco surgia um Tim Maia muito doido e o povo chegando cada vez mais para a pista de dança. Uma delícia de noite, diversão garantida e surpresas a cada instante. A alegria do meu amigo era algo tão contagiante que até me empolguei e caí no samba, mas, não dava pra facilitar com a carteira, porque não existia segurança no local. Ali, era Deus no comando e um real na jukebox.
Quando nos sentimos livres pra sermos quem somos é que a nossa personalidade se aflora (neste caso ou quando ganhamos muito dinheiro e poder). Nada mais seguro para um amigo do que encontrar outro de sua mesma aldeia. Depois de muita cerveja na cabeça, eu pensando em tudo, inclusive na arma, que meu amigo trazia em seu bornal, comecei a ficar paranoico se por ventura rolasse alguma merda ali. Será que ele, depois de tanto beber conseguiria acerto um bandido ou seria melhor ficar de olho no público local para que a mochila não fosse roubada? Fiquei uma pilha. A cachaça passou e eu passei a suspeitar de todo mundo.
Enquanto eu lançava olhares de detetive em todas as direções, meu amigo aproveitava para dançar (alegando que não saía há muitos meses). Jogando numa mesa qualquer (a sacola com a pistola), ele se entregou às canções de Beyoncé, que então tocavam no aparelho musical. Eu achei tudo muito over, mas achei também tragicamente engraçado. Meu maior barato foi sacar que naquele bar ninguém suspeitava que estivéssemos armados. Provavelmente outros estavam armados também, porém, por motivos menos nobres, claro.
Saí do bar extasiado, com a adrenalina a mil, e fui de táxi deixar meu amigo numa estação de metrô mais próxima. Assim que ele desceu e seguiu seu caminho, pedi ao motorista que me levasse ao hotel. Segui refletindo sobre os últimos acontecimentos: quanta coisa pode-se viver sem uma programação noturna coerente?
Fui o guarda-costas de uma pistola automática por uma noite, tudo em nome da Beyoncé que estava adormecida dentro do meu amigo. E quem disse que trabalhar de 007 não pode ser divertido? E quem pode dizer que não fui um ótimo amigo?
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