LITERATURA ORAL, UM MUNDO DE CULTURA (II)

A cultura dos povos pode, sem maiores prejuízos, ter um marco divisor na Idade Média, aquele longo período do Século IXº ao Século XV, e que cobre desde a Monarquia de Carlos Magno, Rei de França, até, praticamente, as novas descobertas dos caminhos do grande mar oceano, as Navegações de Espanha e de Portugal, dilatando as fronteiras do Mundo. Para o cotejo dos repertórios e de suas influências no Brasil e na cultura brasileira, como pura ilustração, se pode tomar duas datas: a da morte de Carlos Magno – 814, e a da aparição da Obra “Coquêtes Du Grand Charlemagne”, popularizada como “Carlos Magno e os Doze Pares de França”, — 1485. Com tais datas se poderá compreender os limites e as projeções da Idade Média.

 

A primeira, como a síntese da expansão dos domínios da Cristandade. A morte do Rei faz viver, na memória do povo, os 46 anos, as 53 Expedições Militares, as vitórias que deram ao seu Reino cerca de um milhão de quilômetros quadrados. Chamado de “Pai da Europa”, “Cabeça do Mundo”, Carlos Magno sobreviveu à frente do seu grupo mais leal, os Doze Pares, na memória dos povos novos, revelados e formados a partir do Feitos dos Mareantes de Espanha e de Portugal.

 

Albrecht Dürer, Carlos Magno. Pintura para a Câmara de Relíquias de Nuremberg. 1512.
Sem precisar recorrer a outra qualquer referência, que não a de Carlos Magno, se pode identificar o entranhamento, nas culturas dos povos novos, de toda a atmosfera medieval que inspirou o Império Carolíngio, nas suas Cruzadas em favor do Cristianismo. Porque a essencialidade dos repertórios literários da Idade Média podia ser resumida na persistência dos temas históricos, lendários e heróicos, na exaltação dos valores morais, sociais e religiosos, e na profunda inspiração cristã.

 

Os repertórios, coligidos, codificados, na Idade Média não procediam apenas dela, mas incorporavam, para o mesmo uso, os legados antigos, dos diversos povos. A sobrevivência de tantos poemas, cantigas, estórias, fábulas, que pertenceram a povos mortos da história, deveu-se a influência do Império Carolíngio.

 

De igual modo, a Idade Média projetou seu engenho cultural no Renascimento, tingindo com as cores dos Estandartes Cristãos toda a arte e toda a cultura dos povos descobertos e conquistados. Neste sentido a Idade Média não cobre apenas os seis séculos da cronologia histórica que a destaca, mas recua a tempos imemoriais, para colher a memória do passado, como avança no tempo futuro, legando uma herança que ainda hoje vive, pela boca do povo.

 

Não bastasse o exemplo do livro “Carlos Magno e os Doze Pares de França”, que chegou ao Brasil em 1728, em primeira edição portuguesa, traduzida do espanhol por Jerônimo Moreira de Carvalho, e que, na opinião de Luiz da Câmara Cascudo, se tornou um dos livros mais lidos do Brasil e um dos cinco livros do povo, e se teria Roldão, forma espanholada e abrasileirada de Roland, personagem principal de uma canção de Gesta, do ano 1070, sobre a emboscada sofrida pelo Rei Franco, no desfiladeiro de Roncesvales, em 778, pelos Bascos. Roldão está em dezenas de folhetos de cordel, nos versos das Cavalhadas, na iconografia dos xilógrafos, na boca do mundo.

 

Também está na boca do povo, na literatura de cordel, nas estórias e romances, Roberto da Normandia, personagem da primeira das Cruzadas, ainda no século XI. Muitos outros heróis da utopia de Carlos Magno, de estabelecer um estado Teocrático na França, unificando a Europa pelo Cristianismo. Idéia muito próxima do projeto Cristianizador Ibérico, do Renascimento, posto em prática no novo mundo pelas Coroas de Espanha e de Portugal, com o concurso qualificado da Companhia de Jesus. (Continua)

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

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