A Idade Média fez circular e ainda teve tempo para fazer recircular os repertórios, alinhados na mesma intencionalidade. Sílvio Romero, na Segunda metade do século passado, coletou em Sergipe uma estória que intitulou de “O Cágado e a Festa no Céu”. Conta-se, ainda hoje, outra versão, onde o cágado vai a festa na viola do urubu. Descoberto é jogado à terra, rebentando-se. Nossa Senhora desce do céu, salva o animal e é por isso que o cágado tem a carapaça toda remendada. Sem querer cotejar as variantes ou invariantes, desde a coleta de Sílvio Romero, publicada nos “Estudos sobre a Poesia Popular no Brasil”, em 1888, até as versões que são repetidas hoje, nas escolas e nas conversas das ruas, é possível distinguir, com clareza, o sentido catequético da estória, pela força de Deus, conforme a versão Romeriana, e de Nossa Senhora, pela versão popular, na salvação e na vida do animal. O Panchatantra é apenas um dos grandes tesouros literários cujas estórias vararam o tempo, espalhando-se no mundo, mescladas com o moralismo Cristão. O Fabulário Universal, igualmente remanesce na oralidade, circulando velhos exemplos, aplicados com função didática pela Igreja Católica. Os primeiros Fabliaux apareceram no ano de 1170 e os últimos em 1340. As pequenas fábulas medievais, que provocavam riso, continuam circulando até hoje, como documentário precioso de várias expressões do viver daquele tempo. Vários autores, como Esopo, Fedro, La Fontaine, deram à fábula uma sobrevida, no imenso caldeirão de cultura que tem regado a história dos povos. Assim também os autores que coletaram cantigas, romances, contos, durante a Idade Média e depois, dando consistência sistêmica a uma literatura oral que venceu as barreiras da língua, adaptando-se às condições históricas, e servindo de material quase exclusivo de exemplos. Diferentemente dos Católicos, os Protestantes preferiram difundir a Bíblia, na esteira da invenção da imprensa, com os tipos móveis de João Gutemberg. Para eles o que importava era colocar o conhecimento da Bíblia no centro do seu credo, fazendo do ensino da leitura uma ponte para o contato com o Livro Sagrado. (Continua) Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.
Mais que os personagens da literatura oral sobreviveram os gêneros, depositários de todo o espectro repertorial da humanidade antiga. São os adágios, os aforismos, os apólogos, as apotegmas, os axiomas, os dísticos, os enigmas, epigramas, as epopéias, as fábulas, as cantigas, as coplas, as canções de Gestas, as lendas, os provérbios, as saetas, as sagas, as sentenças, os romances, as xácaras, as estórias que troveiros, jograis, goliardos, clérigos, cultuaram no curso da vida e da história, como manifestação estética e moral de suas próprias realidades.
Longe de ser uma estória criada pelos colonizadores brancos, portugueses ou espanhóis, pelos índios ou pelos escravos negros, “A Festa no Céu” é uma ambientação de uma das estórias do Panchatantra, livro da Índia, reunido em língua sânscrita, entre os séculos IV e VI. É a história da tartaruga Kambugriva, que saiu do seu tanque a dar uma volta com dois amigos cisnes e que rompendo com o trato do silêncio, terminou caindo e sendo destroçada e morta pelas pessoas. A sentença moral estava lá, bem diferente do conto do cágado. A mesma temática está em Esopo, fabulista grego, nascido nos meados do século VI antes de Cristo, nas fábulas A Águia, o Coelho e a Tartaruga e A Águia e a Tartaruga, a primeira delas reescrita por Saramiego.
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