LITERATURA ORAL, UM MUNDO DE CULTURA (IV)

A descoberta do Brasil coincide com essa travessia entre o oral e o escrito, o códice e o livro. Além da palavra dos predicantes, com todo o repertório tornado um arsenal de combate — A Guerra Santa — O Brasil contou, na sua colonização, com diversos outros instrumentos de cultura, notadamente literários e artísticos, como as Coleções de Contos, a começar pela de Gonçalo Fernandes Trancoso, “Contos e Estórias de Proveito e Exemplo”, editada em Lisboa, em 1575, as Coplas Pastorís, os autos como a Chegança, que reproduz a luta de Cristãos e Mouros, dentre tantos outros livros que moldaram a vida Brasileira nos primeiros tempos da Colônia.

 

Um livro do Século XVIII — Roteiro do Peregrino da América — de Nuno Marques Pereira, reflete o sentido ordenador dado pelos colonizadores à vida no Brasil, tornando-se um tipo especial de manual, que sem a força repressora das confissões inquisitoriais, e sem o primarismo dos catecismos, conduzia as pessoas, de todas as condições, a comportamentos pessoais, privados e públicos, e sociais, de acordo com as regras do projeto cristianizador adotado.

 

Durante os séculos de dependência formal a Portugal, o Brasil conviveu com a fantasia dos repertórios antigos, medievais, que transplantavam reinos e cortes, fidalgos e vassalos, como uma lúdica a aplacar o fadário da ocupação e da colonização da terra. A diversidade dos repertórios fez de cada brasileiro um ser do mundo, de cada palavra uma chave universal de contato, de cada estória, de cada verso ou cantiga, de cada dito ou romance, uma senha de entrada ou de regresso ao mundo velho da história humana.

 

Nem mesmo a presença imensa de gente indígena, nas praias e florestas, com seus ritos, seus deuses, seus meios próprios de distinguir, nas plantas, o remédio que cura, o veneno que mata, alterou o plano colonizador, com seu mundo de cultura. Aos poucos, pelas fazendas, foram mescladas e incorporadas ao imaginário, as contribuições das diversas nações autóctones, aumentando muito mais o volume das coisas intangíveis, ao lado da produção material, dos artefatos e de hábitos que distinguiam o viver local.

 

A sobrevivência dos índios, em vários pontos do Brasil, não garantiu a sobrevivência de sua cultura, íntegra como a registra Gabriel Soares de Souza, no primeiro século do contato branco, no seu “Tratado Descritivo da Terra do Brasil”. Os índios do norte não guardam maiores semelhanças com as nações que sobreviveram no nordeste, como os Xocós, da Ilha de São Pedro, no Rio São Francisco, em Sergipe.

 

O imenso universo de crenças, de mitos, de saberes e de fazeres indígenas, de música e de dança, não compõem ainda hoje, como nunca compuseram, um repertório ordenado, que atestasse a existência histórica e moral de milhões de pessoas da natureza e da cultura, dos primeiros tempos do Brasil.

 

A presença dos negros Africanos, arrancados à força como bestas de carga, para o trabalho escravo, também foi ignorada, no plano plural da cultura. Não que faltasse ao convívio colonial a contribuição negra, clara e permitida, ou oculta e proibida. O que faltou foi a visão geral da criação negra, a ancestralidade antiga, os mitos e ritos, as produções materiais, a herança mítica da terra berço, onde parece que a humanidade deu os seus primeiros passos.

 

Os negros foram reduzidos, pela força e pela catequese, ao estado jurídico e cultural de coisas, reconhecido pelo preço que custava ao seu dono, ou pelos sinais anatômicos da raça. Portadores de expressões culturais proibidas, simularam, no sincretismo possível, a sobrevivência. De modo que é possível hoje, em muitas partes do País, identificar fragmentos da Cultura Negra, embutidos no mosaico da Cultura Nacional. (Continua)

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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