“Cada um de nós tem o seu Canto de Cisne, – como que anunciando névoas do passado, claridades do presente e dúvidas do futuro – e sabemos, por igual, que o destino de cada qual não vem escrito nas fórmulas dos adivinhos. Terá isso sim, de ser construído em meio aos arrecifes de uma luta multifacetada, na qual o homem deve fazer de si um instrumento de fé”. ( Benjamim Alves de Carvalho)
Hugo Bezerra Gurgel foi meu professor de obstetrícia na Faculdade de Ciências Médicas da UFS, nos idos de 1976/77. Foi fácil se acostumar com a sua pontualidade britânica. Poucos minutos antes das sete da manhã, ele chegava elegantemente, parecendo sim um lorde inglês. Arrumava os clássicos slides no carretel e iniciava a aula com um sonoro “Bom-dia!”. Ainda sonolento, ressacado pelas noites insones, víamos à nossa frente o professor metódico, formal, sóbrio, que transmitia pra gente uma enorme sensação de domínio da matéria, senhor pleno da
situação. Cumpria rigorosamente a grade curricular da disciplina, sempre no primeiro horário da manhã. Literalmente, um professor “de primeira hora” na nossa incipiente Faculdade de Medicina. Pioneiro e engajado, ele foi também um esteio para o sucesso da nossa primeira escola médica.
No entanto, gostaria de destacar com mais ênfase no eminente esculápio era a sua produtiva saga associativa, como fundador do Clube dos Médicos e da Sociedade Sergipana de Ginecologia e Obstetrícia, diretor do Centro de Estudos e da Maternidade Francino Melo, do Hospital Cirurgia, presidente do Conselho Regional de Medicina, chegando a assumir a presidência da Sociedade Médica de Sergipe de 1967 a 1969, em profícua administração que deixou uma marca indelével: a construção da sede própria, em terreno doado pelo Governo de Sergipe. Isso só foi possível graças ao prestígio pessoal do Dr. Hugo e de outros colegas que formavam, na década dos sessenta, um bloco altamente consistente e influente na sociedade sergipana, no que considero a “década de ouro da medicina sergipana”.
Hugo Gurgel foi um líder destacado, ao lado de outros ícones como Benjamin Carvalho, Lourival Bomfim, Aloysio Andrade, Antonio Garcia, Walter Cardoso, José Augusto Barreto, Lauro Porto, Hyder Gurgel, só pra citar estes. As sessões científicas da Somese eram realizadas na maioria das vezes no Instituto Histórico e na Biblioteca Pública. Graças ao empenho e determinação de Hugo, os médicos sergipanos ganharam a sua primeira sede própria, em fevereiro de 1968.
Pois bem, no último dia 28 de agosto, se vivo estivesse, o professor Hugo Gurgel estaria comemorando o seu centenário de nascimento. Nascido na cidade de Lavras da Mangabeira, Ceará, no remoto 1922. Para se tornar médico, um sonho tão acalentado, não foi tarefa fácil. Teve que se deslocar para Salvador em 1940 e seis anos após graduava-se na vetusta Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus. Ainda estudante, acompanhou com grande interesse o professor Almir Oliveira, catedrático de obstetrícia, que muito ajudou o futuro médico na sua formação. Entretanto, Almir não pôde deixar de atender a um pedido do seu colega Benjamim Carvalho, que precisava de um especialista para atender às pacientes obstétricas no Hospital Cirurgia, em Aracaju. Almir então indicou o nome de Hugo para vir a Sergipe. Já no início de 1947, ele iniciava as suas atividades na Maternidade Francino Melo, deixando de lado o desejo que possuía de morar em Londrina, praticar a medicina naquela cidade paranaense. Na década de 60, com os colegas Gileno Lima e Ciro Tavares, fundou a primeira clínica obstétrica privada de Sergipe – a Clínica Santa Lúcia. Anos depois foi a vez da Clínica Santa Helena, que funciona até os dias de hoje, com estrutura complexa, destacando-se como o maior prestador de assistência obstétrica privada no Estado.
Essas gratificantes recordações, singelas frente à dimensão do esculápio na vida médica de Sergipe, vem a propósito da celebração do seu Centenário de Nascimento, que a Academia Sergipana de Medicina levará a efeito em 21 de setembro, às 19 horas e trinta minutos, em sessão especial que acontecerá no auditório da Sociedade Médica de Sergipe, entidade octogenária que o idealismo de Hugo Gurgel ajudou a construir e consolidar ao longo dos anos.
Hugo Gurgel teve a sua vida construída em meio aos arrecifes de uma luta multifacetada, fazendo dela um instrumento de fé e realizações!