O último número

Não poderia haver chamada mais dolorosa, o próprio periódico anunciar o seu fim: O último número! Assim mesmo, com letras minúsculas e itálicas! Estampada na primeira página do

Capa do “último número”

boletim que por 42 anos chegava pra gente encartado na Revista da Associação Paulista de Medicina, um suplemento de invariavelmente oito páginas. O boletim foi fundado em 1980 por Duílio Crispim Farina, de saudosa memória, à época diretor cultural da APM, que o dirigiu por quatro anos até o número 23. No seu lugar, a partir do número 24, assumiu a editoria o psiquiatra Guido Palomba, que manteve acesa a chama até o seu último suspiro, ocorrido em outubro do ano que passou, mas chegando a atingir a expressiva marca de 320 edições. Não é pouco!
Muito triste constatar essa partida! Em 1985, quando entrei na vida associativa, na diretoria da Sociedade Médica de Sergipe, passei a conhecer a publicação e vibrar com o seu conteúdo. Nossas aspirações eram semelhantes e nos motivou, em 1993, na condição de presidente da entidade, a criar a seção Letras Médicas, no corpo do nosso jornal informativo. Tivemos na gestão iniciativas inusitadas, como ocorreu em 1995, ao celebrarmos os 100 anos do cinema. Se os irmãos Lumière vissem, nas enormes telas dos cinemas de hoje, filmes com cenas de ações eletrizantes ocupando todo o espaço do foco, certamente ficariam maravilhados e orgulhosos de sua invenção, dizia a matéria da edição 93.
Com um misto de tristeza e melancolia, li a manifestação do confrade Palomba, na edição terminal, a edição derradeira. Não é o sentimento do dever cumprido. Não, isso não me surpreende. É ver esse mundo que se transformou em uma chateação sem limites, é isso que me entristece. Sei que os tempos mudam, que o mundo mudou. Como diz Palomba, sofre a maior transformação desde que o homem, ainda macaco, desceu das árvores. É essa polarização real x virtual que me preocupa, como preocupa a você, que sempre esteve disponível para receber (e publicar) inúmeros escritos da vida real, de todas as tendencias e observações. Esse mundo virtual é volátil, está ao dispor dos ventos e das nuvens, mas é ainda pior porque destrói lentamente as conquistas mais exuberantes da humanidade, a cultura e arte que nos escorregam pelas mãos.
No rastro do sucesso do Suplemento Cultural da APM, foi criado o encarte cultural na revista informativa da Associação Médica Brasileira. Testemunhei esse legado enquanto permaneci diretor cultural da AMB, na gestão do Dr. Antonio Carlos Nunes Nassif. Promovemos concursos nacionais de prosa e poesia e espaços foram abertos para as manifestações culturais e artísticas dos nossos médicos. Infelizmente, o periódico morreu ainda na adolescência, por outros motivos.
O Suplemento Cultural da APM teve vida mais longa e partilhou a minha história de vida. Parte deixando saudades e um enorme vazio. Uma publicação que cresceu e se estabeleceu com a cara e a alma de Guido Arturo Palomba. Fará muita falta!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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