Desfigurada por um tumor incurável, alojado na região do céu da boca e no seio nasal, Chantal Sébire, uma senhora francesa mãe de três filhos menores e com 52 anos de idade, requereu à justiça de seu país um pedido de eutanásia.
Em carta ao Presidente Nicolas Sarkozy, Madame Sébire solicita que lhe seja autorizada a inoculação de uma droga letal que encerre definitivamente o seu sofrimento, conduzindo-a à morte, enquanto se encontra em plena razão de seus atos.
Alega a requerente, que sua moléstia é progressivamente incurável, produz dores insuportáveis, em desfiguração facial monstruosa, além do fato de seu organismo ser intolerante a analgésicos, em particular a morfina.
O pedido de morte assistida deflagrou mais uma vez na França o debate sobre a eutanásia, tema que não se enquadra na lei Leonetti de 2005, que trata da atuação médica naquele país, frente a doentes terminais.
Por esta lei, considerada boa e equilibrada por muitos, a obrigação dos médicos é apenas a de aliviar a dor do paciente sem autorizar qualquer intervenção que vise por fim a sua vida.
“O pedido da senhora Sébire não se enquadra na lei, trata-se de um ‘suicídio assistido’, não um pedido de acompanhamento de fim de vida”, declarou o deputado Jean Leonetti, autor da lei que tem o seu nome, em entrevista ao diário francês Le Monde.
Chantal Sébire requerendo a eutanásia em foto do Le Monde – Internet.
Em discussão deste tema, o Primeiro Ministro francês François Fillon e a ministra da justiça Rachida Dati se declararam no Le Monde, edição de 13 de março, contrários a uma legislação que autorize a eutanásia dita ativa. “Não creio que possamos regular os pormenores desta questão, que é da vida e da morte. Este debate deve continuar, mas eu não posso, enquanto Primeiro Ministro, conceber uma resposta peremptória para uma questão que toca no mais fundo de nossas consciências”, afirmou o M. Fillon.
Em 2003 este debate surgiu, em plena campanha eleitoral, quando Vincent Humbert, um jovem totalmente paralisado, surdo e mudo, teve sua morte provocada com medicamentos. Naquela oportunidade a candidata socialista Ségolène Royal comprometeu-se, caso vitoriosa, a propor uma legislação que legalizasse a ajuda ativa a morrer nos casos extremos.
Ségolène Royal foi derrotada no 2º turno por Nicolas Sarkozy e então nada foi modificado sobre o tema. Um assunto que divide amplamente a sociedade francesa.
Atualmente a lei daquele país permite apenas que a doentes terminais seja interrompido o tratamento, sendo autorizado o uso maciço de medicamentos anti-dor, mesmo que eles apresentem o risco de morte, jamais a condução à morte de doentes agonizantes.
Para muitos, esta legislação é, não só hipócrita, como revela uma falta de coragem em atacar o problema, que é também encarado de forma religiosa. Neste particular, há quem condene até o uso de doses maciças de analgésicos, por ser o sofrimento, uma determinação da própria natureza.
O que revolta a alguns franceses, é perceberem que o seu país, tido como pioneiro na legislação e nos direitos do homem, se encontre aquém dos seus vizinhos. Bélgica, Holanda, Suíça e Luxemburgo possuem legislação mais permissiva com a eutanásia. A senhora Chantal, se viajar para a Suíça, pode lá requerer e receber a morte assistida.
Ouvida pela jornalista Cécile Prier no Le Monde, Chantal Sébire diz está utilizando o seu sofrimento para iniciar um debate que assegure também aos franceses em situação de incurabilidade e ainda conscientes, possam decidir sua morte, de acordo com o seu médico, e após decisão de um comitê médico.
“O que a medicina me propõe hoje é ser mergulhada num estado comatoso ou semi-comatoso, para experimentar por fim um alívio de dor com doses cavalares de analgésicos, e meu organismo não tolera a morfina. Eu não quero que a sociedade me obrigue a passar por esta etapa. É uma questão de dignidade. Eu não quero me apresentar assim a meus três filhos, sobretudo à mais nova com doze anos e meio. Sou eu a única a sofrer, cabe a mim decidir. Eu espero a morte todo dia, é como uma espada de Damocles. Eu reclamo o direito de poder antecipá-la”.
Diante da questão terminal e dolorosa de Chantal Sébire, a insensibilidade humana se escuda no “dever à vida e ao sofrimento”, crendo-se imune ao problema.
Uns condenam a eutanásia, por suas idiossincrasias religiosas que não as guardam só para si, aí exagerando os que entendem o sofrimento como uma purgação necessária à purificação em demanda da salvação.
Outros preferem se exaurir na inércia das mudanças perdendo-se em intermináveis discussões, deixando que o tempo tudo consuma, inclusive o doente.
Há ainda os que vêem no pleito de Chantal Sébire um pedido de “suicídio assistido”. Condenam-na, intolerantemente, por isto. Para estes, o suicídio é uma loucura e só os insanos o cometem. Requisita-lo em consciência não é insanidade, e neste particular Chantal Sébire, “literalmente comida pela dor” está sendo covarde, diante do sofrimento e da morte.
Há também os que temem o início do uso indiscriminado e comercial da eutanásia, ensejando muitos ganhos de hospitais, médicos, planos de saúde, etc.
Enfim, o problema está colocado mais uma vez.
A 17 de março de 2008, o tribunal de Dijon negou o pedido de eutanásia de Chantal Sébire. “Ninguém tem o direito de dar a morte”, estabeleceu o tribunal.
Devem outros como Chantal Sébire ser impedidos de buscar a morte assistida?
Se você pensa que sim, contemple-se em seu retrato exposto na internet e reflita em sua própria humanidade.