Chacina do Rio provoca necessário debate sobre a segurança pública

O tosco governador Cláudio Castro disparou contra alvos ponderáveis e acabou acertado no imponderável.

Por Marcos Cardoso*

A ação espetaculosa do governo do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha trouxe à luz o inadiável debate sobre a questão da segurança pública no Brasil. O tosco governador Cláudio Castro disparou contra alvos ponderáveis e acabou acertado no imponderável. O objetivo foi eleitoreiro, é possível que quisesse agradar ao papai Donald Trump, mas o tiro acertou numa discussão latente sobre a atuação do crime organizado no país.

É necessário que se diga que organizações criminosas como o PCC, de São Paulo, e o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, se estruturaram como máfia, agem em todo o território brasileiro e até fora do país. Visam somente o lucro e, portanto, não são grupos terroristas, como pretende o governo dos Estados Unidos, porque esses são movidos por causas políticas. Marcola e Marcinho VP não estão nem aí para questões ideológicas.

Ousados, extremamente violentos e arquirrivais, PCC e CV estabeleceram uma trégua temporária que permitiu formar parcerias para lavar dinheiro, traficar drogas e adquirir armamento pesado. Os grupos diversificaram os negócios, que hoje vão do controle de bebidas e combustíveis adulterados até a exploração ilegal de ouro e o tráfico de animais silvestres. O PCC já opera na Faria Lima, o coração financeiro de São Paulo, segundo revelou a Operação Carbono Oculto, deflagrada pela Polícia Federal.

“O PCC, o Comando Vermelho, não querem o poder do Estado, e sim uma relação de simbiose, uma relação parasitária, de exploração do Estado. As condições atuais já são positivas para eles”, afirmam os pesquisadores Eduardo Armando Medina Dyna e Vinicius Pereira de Figueiredo, autores de artigos publicados no site do Observatório de Segurança Pública e Relações Comunitárias, ligado ao Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, campus de Marília, São Paulo. Eles refutam o termo narco-estado que políticos e jornalistas têm insistido em aplicar ao Brasil.

O governo de Donald Trump pretende usar a Cúpula das Américas, marcada para dezembro, para pressionar os países latinos a classificarem o crime organizado e os narcotraficantes como “terroristas”, segundo informa Jamil Chade. O laranjão quer carta branca para intervir na região. Os governadores do cínico “consórcio da paz” estão dispostos a atender ao seu desejo e já disseminam a expressão narcoterroristas para qualificar as organizações criminosas. O objetivo não-dito é minar o governo Lula, a quem acusam de ser leniente com o crime organizado.

A verdade é que a megaoperação no Rio, que resultou em 121 mortes foi bem recebida pela população do Rio, encontrando apoio popular principalmente nas favelas. E melhorou a avaliação do governador Cláudio Castro. Levantamento do Datafolha mostra que 57% dos moradores da região metropolitana avaliam a ação policial como “um sucesso”. Mas pesquisa Genial/Quaest diz que 80% dos moradores do Rio de Janeiro acham que os poderosos das facções estão nos bairros ricos, não nas favelas. Outro levantamento, da Paraná Pesquisas, mostra que 56,1% dos moradores do Rio avaliam como ruim ou péssimo o trabalho do presidente Lula no combate ao tráfico.

O governo brasileiro tem que ser mais duro com as organizações criminosas. A Operação Carbono Oculto foi considerada um sucesso porque atingiu as finanças do PCC. Mas os especialistas em segurança pública afirmam que não basta o “follow the money”. Não dá para receber com flores bandidos que vêm armados de fuzis.

Após a megaoperação no Rio, o presidente sancionou lei, que havia sido aprovada pelo Congresso Nacional, que amplia as penalidades para quem faz parte de facção criminosa, quem de alguma forma protegê-la e, ainda, quem contratar serviços criminosos junto a um ou mais desses grupos.

Desde abril, o governo tenta aprovar a PEC da Segurança Pública, criada para aprimorar a integração entre forças de segurança em todo o país e que tem como um dos objetivos dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado por lei em 2018. Mas a Câmara priorizou outras pautas, como a PEC da Bandidagem, a proteção dos milionários etc.

Mas a violência está caindo

Taxa de homicídios no Brasil e em alguns estados em 2023

País/Estado Taxa de homicídios por 100 mil habitantes Número absoluto de homicídios

no ano

Variação %

2013-2023

Brasil 21,2 45.747 -20,3%
Bahia 43,9 6.616 +16,2%
Rio de Janeiro 24,3 4.292 -16,0%
São Paulo 6,4 3.043 -49,6%
Pernambuco 38,0 3.697 +18,3%
Minas Gerais 12,9 2.795 -40,7%
Paraná 18,9 2.214 -24,6%
Rio Grande do Sul 17,2 1.981 -14,7%
Goiás 21,4 1.583 -46,8%
Amazonas 36,8 1.555 +30,6%
Alagoas 35,3 1.194 -44,4%
Sergipe 29,4 698 -27,7%
Santa Catarina 8,8 658 -16,6%
Amapá 57,4 516 +129,3%
Distrito Federal 11,0 347 -58,5%

Fonte: Atlas da Violência 2025 (Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA)

A preocupação com as organizações criminosas é pertinente e o Brasil ainda é um país violento, mas a boa notícia é que o número de homicídios vem caindo ano após ano. No Brasil, em 2023, segundo o Atlas da Violência 2025, houve 45.747 homicídios. O número é gritante, mas já foi pior. Em dez anos, houve uma redução de 20,3% das mortes provocadas por terceiros.

No quadro acima, que relaciona alguns estados de cada região, observa-se maior redução no número de homicídios nas unidades da federação localizadas nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste e maior aumento da criminalidade nos estados do Norte e na Bahia, para onde a violência das facções migrou nos últimos anos. A Bahia é hoje o estado mais violento do país, com 6.616 mortes em 2023, aumento de 16,2% em  relação a 2013. Soma com Pernambuco e Piauí os estados do Nordeste onde a violência não diminuiu.

Rio de Janeiro e São Paulo registraram número grande de assassinatos, mas apresentaram redução considerável, principalmente São Paulo, que reduziu em 49,6% o número de assassinatos nos últimos dez anos, ostentando a melhor relação de homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes — 6,4/100 mil, bem abaixo da média nacional, de 21,2/100 mil.

O Amapá, o estado proporcionalmente mais violento, tem uma taxa de 57,4 homicídios por 100 mil habitantes, crescimento absurdo de quase 130%. No Amazonas, o crescimento foi de mais de 30%. Sergipe reduziu em 27,7% o número de homicídios nos últimos dez anos. Alagoas também conseguiu redução importante, de 44,4%.

Portanto, é preciso combater com mais força as facções criminosas, mas com mais inteligência, mais integração entre União, estados e municípios e menos populismo.

*Marcos Cardoso é jornalista. Autor de “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” (Editora UFS, 2008), do romance “O Anofelino Solerte” (Edise, 2018) e de “Impressões da Ditadura” (Editora UFS, 2024). marcoscardosojornalista@gmail.com

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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