Por Marcos Cardoso*
Ruminando a sua confusão mental, não duvide do orgulho que Jair Messias Bolsonaro deve estar sentindo por oficialmente ser qualificado como chefe de uma organização criminosa. Como um capo di tutti capi se orgulha de chefiar sua organização mafiosa, como um Marcola se orgulha de comandar o PCC, o agora finalmente condenado por liderar uma quadrilha que quis tomar o poder de assalto deve aboletar-se na poltrona de sua mansão curtindo a imodéstia por figurar como chefe de um projeto que já marcou definitivamente a história do Brasil.
Bolsonaro disse anos atrás que daria golpe no mesmo dia que chegasse à presidência do Brasil e nunca escondeu, pelo menos para os que o cercam, o orgulho de ter rachado os salários dos assessores, de ter usado o dinheiro de verba indenizatória da Câmara para comer gente, de ter tentado surrupiar presentes caros oferecidos por outras nações ao Brasil, da alegre companhia da milícia do Rio de Janeiro. Usando a política para fazer cambalachos de toda sorte, assim ficaram milionários, ele e seus filhos.
Quis a conjunção de corpos celestes que a histórica condenação acontecesse numa data marcante para o continente americano. Foi num 11 de setembro, há 52 anos, que o presidente do Chile, Salvador Allende, foi assassinado pelas forças do general Augusto Pinochet, que comandaria o país com mão de ferro por 17 anos, com o apoio dos Estados Unidos. Mais de 3 mil mortos e 200 mil exilados.
Foi também num 11 de setembro, há 24 anos, que o World Trade Center, coração do capitalismo em Manhattan, foi destruído em ataques suicidas por militantes da al-Qaeda com o uso de dois aviões de carreira. Um terceiro avião atingiu o Pentágono, na Virgínia, e um quarto caiu na Pensilvânia. Quase 3 mil mortos.

O nosso 11 de setembro ficará registrado com o alegre sentimento patriótico do dever cumprido, não pela tristeza que marcou Santiago e Nova York. Pela primeira vez na trágica história política do Brasil golpistas são levados a julgamento e condenados. Pela primeira vez, oficiais de alta patente das forças armadas foram conduzidos às barras da Justiça e terão que pagar pelos crimes que cometeram.
Bolsonaro, chefe de uma organização criminosa, foi condenado a 27 anos e 3 meses, sendo 24 anos e 9 meses de reclusão. O general Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente em 2022, foi condenado a 26 anos, sendo 24 anos de reclusão.
O general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e considerado um herói na campanha do Haiti, foi condenado a 21 anos, sendo 18 anos e 11 meses de reclusão. Outro general, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, foi condenado a 19 anos de prisão. E o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha e único chefe das forças armadas que participou da trama golpista, foi condenado a 24 anos de prisão.
Todos, incluindo Bolsonaro, poderão perder as patentes de militares da reserva. O STF comunicará o resultado ao Superior Tribunal Militar (STM), que decidirá sobre a declaração de indignidade para o oficialato.
Também foram condenados Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a 16 anos de prisão, e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, a 24 anos de prisão. Ambos perderão os cargos de delegados da Polícia Federal. A Primeira Turma do STF também determinou que Ramagem perca o mandato de deputado federal.
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, se deu bem por ser o delator da trama golpista. Além da pena de 2 anos de prisão em regime aberto, não será julgado pela Justiça militar e continuará a receber o salário bruto de R$ 27 mil. Também não precisará pagar multa, como os demais terão que pagar. Todos os condenados estarão inelegíveis por oito anos após o cumprimento da pena.
Os advogados de defesa ainda podem apresentar embargos de declaração, recursos que não mudam o resultado do julgado, mas que precisam ser analisados pelo STF antes do início de cumprimento das penas.
Os ministros Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 2668, Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, Cármen Lúcia e Flávio Dino saem maiores do que quando entraram naquela sala no dia 2 deste mês. Luiz Fux perdeu estatura ao desqualificar a ação e ficará marcado pela guinada ao bolsonarismo.
“Um divisor de águas na história do Brasil” foi como qualificou o julgamento o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que assistiu ao dia da condenação do Núcleo 1.
O julgamento dos demais três núcleos golpistas será retomado em abril de 2026. É esperado que a Procuradoria Geral da República também denuncie os financiadores da trama que por pouco não resultou na implantação de uma nova ditadura no Brasil.
*Marcos Cardoso é jornalista. Autor de “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” (Editora UFS, 2008), do romance “O Anofelino Solerte” (Edise, 2018) e de “Impressões da Ditadura” (Editora UFS, 2024). marcoscardosojornalista@gmail.com