Marcos Cardoso*
A Câmara Federal já teve a decência de cortar na própria carne. Hoje, os deputados são até incentivados a cometerem delitos e a punição só acontece se uma grave denúncia levar o Supremo Tribunal Federal a se manifestar. Agora mesmo, a Polícia Federal investigou e a Procuradoria-Geral da República denunciou ao STF o deputado federal sergipano Bosco Costa e os deputados maranhenses Josimar Maranhãozinho e Pastor Gil, todos do PL, o partido de Bolsonaro, sob a acusação de tentarem comercializar emendas parlamentares.
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A denúncia, de agosto do ano passado, foi encaminhada, na quarta-feira, 5, pelo ministro Cristiano Zanin, relator do caso, para julgamento na 1ª Turma. Os parlamentares, flagrados pela Operação Descalabro, da Polícia Federal, foram acusados de solicitar uma propina de R$ 1,6 milhão ao prefeito Eudes Sampaio Nunes, de São José do Ribamar, no Maranhão, em contrapartida à destinação de recursos públicos federais por meio de emendas no valor de R$ 6,67 milhões.
Segundo a PGR, o líder do grupo, Josimar Maranhãozinho, foi o autor de um repasse de R$ 1,5 milhão e coordenou a destinação de recursos enviados pelos dois correligionários. Bosco da Costa, que não tem nada a ver com a prefeitura maranhense, foi quem enviou mais recursos, R$ 4,1 milhões. As verbas foram recebidas pelo município entre dezembro de 2019 e abril de 2020.
Elementos de prova obtidos pela Operação Descalabro demonstrariam que Bosco Costa “tinha ciência de toda a estrutura utilizada para o desvio de recursos públicos provenientes de emendas parlamentares”.
O prefeito do município maranhense recusou as investidas do grupo, de acordo com a investigação. Mas o vice-procurador-geral da República, Hindenburgo Chateaubriand, afirma ser irrelevante que os denunciados não tenham obtido sucesso na empreitada. “O quadro fático, tal como apresentado, não deixa dúvida de que os atos por eles praticados, nas diversas formas em que se deu a participação de cada um, configuram o crime de corrupção passiva, previsto no art. 317, caput, do Código Penal”.
O trio foi denunciado também por organização criminosa, majorado pela participação de funcionário público. A PGR pede a perda de função pública para os deputados e o pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 1.667.000. O julgamento ainda não tem data para acontecer.
João Alves e as loterias
A corrupção que se denuncia hoje faz lembrar que há mais de 30 anos, em 1993, houve a CPI do Orçamento, que representou um marco político para o país por ter sido a primeira vez que os parlamentares investigaram seus próprios colegas, apurando o desvio de verbas públicas. O escândalo ficou conhecido como Anões do Orçamento. O esquema de corrupção organizado por parlamentares do baixo clero desviava recursos do Orçamento da União destinados a obras de assistência social e de infraestrutura para entidades fantasmas controladas por parlamentares.
Os Anões do Orçamento faziam referência aos sete deputados da Comissão, liderados pelo deputado baiano João Alves (PPR), que lavava o dinheiro comprando cartões de loteria premiados. Dos 18 parlamentares acusados de participar do escândalo, seis foram cassados, oito foram absolvidos e quatro renunciaram. O mais importante dos envolvidos foi o deputado Ibsen Pinheiro, um dos cassados. Foi ele quem presidiu a Câmara na votação da abertura do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992.
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O funcionamento da CPI tumultuou a vida parlamentar, paralisou a atividade legislativa e contribuiu para o fracasso da revisão constitucional prevista para atualizar alguns artigos da Constituição de 1988. Mas, como resultado dos trabalhos da CPI, algumas medidas foram adotadas para garantir mais transparência à tramitação da lei orçamentária. Entre elas, o rodizio dos integrantes da Comissão do Orçamento para evitar a formação de feudos como o que foi mantido pelos “anões”. Tal rodízio certamente não teria nenhum efeito hoje.
Bosco Costa
Em 2019, o Ministério Público Eleitoral ajuizou ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) e pediu a cassação do mandato do deputado eleito Bosco Costa por abuso de poder econômico na eleição de 2018. Ele foi acusado de fraudar R$ 485.350 dos R$ 2,09 milhões gastos em sua campanha eleitoral. O TRE julgou pela cassação, mas o TSE considerou válida a eleição. Em 2022, ele ficou na suplência, assumindo a cadeira de deputado federal em 2024, na vaga de Ícaro de Valmir (PL).
*É jornalista.