Que PT é esse?

Por Marcos Cardoso*

A história tem sido implacável com o PT em Sergipe quando a principal legenda da esquerda se alinha à direita. Tem sido assim desde 1990, quando os então deputados estaduais Marcelo Déda e Marcelo Ribeiro tentaram a reeleição e foram rejeitados nas urnas por terem apoiado o decreto do governador Antônio Carlos Valadares (PFL) de intervenção do prefeito Jackson Barreto (PMDB) dois anos antes.

O menino Déda tinha sido um campeão de votos em 1986, duas vezes mais votado do que o segundo colocado, depois de ter se revelado bom de discurso e de urna na eleição de prefeito em 1985, e de ter se destacado na constituinte estadual de 1988. Mas a “traição” ao prefeito de centro-esquerda lhe custou caro. Ele reconheceria anos depois o erro estratégico e se reconciliaria com JB.

Quando o deputado estadual Ismael Silva saiu de um acirradíssimo primeiro turno contra João Gama (PMDB) na disputa pela Prefeitura de Aracaju e subiu até a Habitacional em busca do apoio de Maria do Carmo Alves (PFL) para vencer o segundo turno, decretou ali a sua derrota. O povo não aceitou e o candidato de Jackson Barreto venceu com certa facilidade uma eleição que se prenunciava mais dura.

Algo parecido deu-se em 2022, quando o senador Rogério Carvalho foi atrás do apoio e dos votos do bolsonarista Valmir de Francisquinho (PL) para derrotar Fábio Mitidieri (PSD), sobre quem saiu em vantagem no primeiro turno da eleição para governador. Deu com os burro n’água, lá em Itabaiana.

O PL registrou a candidatura de Francisquinho, mas o TSE e o TRE-SE negaram o registro às vésperas do dia da eleição. Foram contados 542.062 votos nulos, a maioria consignada ao candidato impugnado, mais do que a quantidade de votos obtida por Rogério e Fábio, que teriam ficado em segundo e terceiro lugares se a candidatura do bolsonarista fosse mantida.

Na última eleição, para prefeito, o PT desempenhou papel secundário em Aracaju porque sucumbiu à vontade pessoal e um tanto conservadora do senador Rogério, que lançou como candidata a prefeita de Aracaju a própria mulher, Candisse Carvalho, uma neófita na política e sem história no partido.

E o pior está por vir. A um ano da eleição, o PT não tem candidato próprio a governador, sequer um candidato progressista a quem apoiar, como acontece desde que o Brasil se democratizou.

Lembremos de todas as candidaturas a governador: em 1982, primeira eleição para governador, ainda no estertor da ditadura, o PT lançou a candidatura própria de Marcélio Bomfim. Repetiu o gesto em 1986, com a professora Tânia Magno da Silva, e em 1990, com o geólogo José Eduardo Dutra.

Em 1994, o PT apoiou a candidatura de Jackson Barreto, então no PDT. Em 1998, já conciliado com Antônio Carlos Valadares, agora no PSB, o apoiou para governador tendo Dutra como candidato a vice. Foi um fracasso e a composição terminou num sofrível terceiro lugar.

Em 2002, o candidato foi novamente José Eduardo Dutra, que alcançou o segundo turno, vencido por João Alves Filho (PFL). Então adveio o feito de Marcelo Déda, eleito e reeleito governador em 2006, tendo Belivaldo Chagas (PSB) como vice, e em 2010, na companhia de Jackson Barreto (PMDB).

Jackson substituiu Déda no governo e se reelegeu em 2014 com o apoio do PT. O seu vice-governador, Belivaldo Chagas (PSD), elegeu-se governador em 2018, tendo Eliane Aquino, do PT, como vice. E em 2022, o candidato foi Rogério Carvalho.

A eleição de 2026 é uma nuvem ainda em formação. Os caciques do PT atual, o senador Rogério e o ministro Márcio Macedo, não se entendem, ao contrário do que acontecia com Déda e Dutra no passado, que quebravam o pau, mas sempre mantiveram um projeto comum.

No entanto, voluntária ou involuntariamente, parecem migrar para o mesmo caminho, o de correr um risco que pode levá-los ao suicídio político. Se colocam à mercê da vontade de um governador conservador, Fábio Mitidieri (PSD), que já declarou que no seu projeto de reeleição precisa entender “como vai ficar a postura do PT em Sergipe”.

É certo que o governador até agora não tem concorrente com competência para ameaçar a sua reeleição. A oposição não construiu uma candidatura e agora está à mercê da boa-vontade do ex-adversário.

O marqueteiro político Carlos Cauê, que fez a campanha vitoriosa de Mitidieri três anos atrás, já decidiu que vai trabalhar para a reeleição de Rogério ao Senado, embora não descarte que gostaria de estar no projeto de novo mandato do governador. Sinal de que há uma tentativa de aproximação. Um ótimo problema para o governador é como conciliar interesses tão diversos.

Na indefinição, Rogério dá uma no prego, outra na ferradura e não esconde que mantém a boa relação com o bolsonarista prefeito de Itabaiana Valmir de Francisquinho, que ainda sonha em se tornar elegível e voltar a disputar o cargo que considera lhe ter sido usurpado.

Que PT é esse, que depende da boa-vontade da direita para definir o seu futuro?

Fundado há 45 anos por Lula e um grupo heterogêneo formado por militantes de oposição à ditadura militar, sindicalistas, intelectuais, artistas e católicos da Teologia da Libertação, que buscavam uma alternativa ao socialismo real pregado pelos partidos comunistas tradicionais, o PT é historicamente o partido mais identificado com os trabalhadores do campo e da cidade, embora recentemente tenha perdido parte do seu capital político para o PSOL. Mas nunca ficou a reboque da direita. E quando tentou esse caminho, deu-se mal. A história é implacável.

*Marcos Cardoso é jornalista. Autor de “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” (Editora UFS, 2008), do romance “O Anofelino Solerte” (Edise, 2018) e de “Impressões da Ditadura” (Editora UFS, 2024). marcoscardosojornalista@gmail.com

Montagem das fotos: portal fanf1.com.br

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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