Um domingo contra a bandidagem

Por Marcos Cardoso*

Ulysses Guimarães

A única coisa que mete medo em político é o povo na rua. A frase do digno presidente da Câmara Ulysses Guimarães parece que acordou o brasileiro para finalmente exigir respeito do Congresso Nacional. Os senhores deputados e senadores, em sua maioria, viraram as costas para a opinião pública, só defendem os próprios interesses, muitas vezes escusos, e não têm sido nada respeitosos com quem os elegeu.

Pois o povo vai à rua neste domingo, 21, para dizer um sonoro não ao projeto de anistia aos golpistas e à PEC da bandidagem, como ficou conhecida a tal proposta de emenda à Constituição, nascida e aprovada na Câmara, que prevê blindagem e proteção para parlamentares. Eles se julgam a casta de intocáveis e querem ficar acima da lei, com direito a não responder pelos seus crimes. É um escárnio e o povo entendeu que, no circo montado pelo Congresso, é ele quem está fazendo o papel de palhaço.

Há manifestações previstas em todas as capitais, com a presença de políticos e gente famosa. Em Aracaju, a concentração será na Praia da Cinelândia, Orla da Atalaia, às 16h. Em São Paulo, a concentração será no Masp, ponto tradicional da Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, em Copacabana, onde Caetano Veloso comandará um trio elétrico com Gilberto Gil, Chico Buarque e outras vozes importantes e representativas.

A mobilização já deu resultado. Deputados que se julgavam cidadãos de primeira categoria, ignorando o princípio da igualdade perante a lei, já se arrependeram. Pedro Campos (PSB-PE) recorreu ao STF contra o projeto que ele mesmo aprovou. Silvye Alves (União-GO) pediu perdão, se disse coagida e anunciou desligamento do partido. E o sergipano Thiago de Joaldo (PP) disse que ouviu a voz das ruas e, também jogando para a plateia, vai se unir a colegas pra tentar derrubar a PEC no Senado.

Será desnecessário, senhor Thiago de Joaldo, porque o Senado vai barrar a PEC da bandidagem. O presidente Valdir Alcolumbre (União-AP), oportunamente destoando do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não demonstrou nenhum interesse na matéria e, regimentalmente, a empurrou para a Comissão de Constituição e Justiça, cujo presidente Otto Alencar (PSD-BA) já se manifestou contrário à PEC, que considera “um desrespeito ao voto popular, uma falta de cerimônia”.

Otto nomeou como relator Alessandro Vieira (MDB), outro declaradamente adversário da proposta. “Minha posição sobre o tema é pública e o relatório será pela rejeição, demonstrando tecnicamente os enormes prejuízos que essa proposta pode causar aos brasileiros”, afirmou o senador por Sergipe.

Outros dois deputados sergipanos votaram a favor da PEC, Rodrigo Valadares (União Brasil) e Gustinho Ribeiro (Republicanos). E mesmo com posição contrária do partido, 12 deputados petistas votaram a favor do texto que garante aos parlamentares só serem processados criminalmente com o aval do próprio Legislativo. O deputado federal Kiko Celeguim, que é presidente do PT em São Paulo e um dos arrependidos, reconheceu que “foi um erro” confiar em um acordo com líderes do Centrão para aprovar outras matérias.

O estado de direito não aceita a PEC da bandidagem porque é a porta aberta para o crime organizado. E colocar os presidentes dos partidos sob o guarda-chuva da impunidade é confirmar que essas pessoas estão com medo de serem presas. Não por acaso, Ciro Nogueira, presidente do Progressistas, e Antonio Rueda, presidente do União Brasil, foram denunciados por envolvimento com facções criminosas.

Enquanto a Câmara paralisa a pauta para votar assuntos do interesse dos próprios deputados e apaniguados, a proposta que sugere o fim da escala de trabalho 6×1 está parada e a da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000 foi deixada de lado.

O pior dos Congressos, como se diz por aí, proporcionou essa vergonha que será cobrada ao presidente da Câmara, ao Centrão, aos bolsonaristas e até aos deputados de esquerda que apoiaram o vexame. A sociedade brasileira vai cobrar na campanha eleitoral, que tem o condão de trazer à tona tudo aquilo que tentaram esconder.

No mais, essa história de pacificar o país é balela. O pacto nacional que o Brasil precisava foi assinado em 1988, quando promulgada a Constituição Federal. Quando assumiu a presidência da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, disse no seu histórico discurso uma frase que vale para este e para os próximos domingos: “Nosso povo cresceu, assumiu o seu destino, juntou-se em multidões, reclamou a restauração democrática, a justiça social e a dignidade do Estado”. Que assim seja para sempre, amém!

*Marcos Cardoso é jornalista. Autor de “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos”  (Editora UFS, 2008), do romance “O Anofelino Solerte” (Edise, 2018) e de “Impressões da Ditadura” (Editora UFS, 2024). marcoscardosojornalista@gmail.com

Foto: Ricardo Stuckert, 26/3/1992

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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