A entrevista a seguir foi realizada com o pedagogo Lúcio Alves. Especialista com vasta experiência em educação formal. Ele vem se dedicando nos últimos anos ao estudo da educação inclusiva e da importância da andragogia para o acesso de jovens e adultos no mercado de trabalho e na análise do papel da escola na construção da relação aluno/aprendiz com a cidadania.
André Pestana Como o senhor avalia a abordagem sobre os distúrbios de aprendizagem nas instituições de ensino de maneira geral.
Prof. Lúcio Alves Acredito que não tem sido dada a devida importância que o assunto requer. Os distúrbios de aprendizagem estão presentes no dia a dia das escolas, levando muitas vezes o aluno a situações de conflitos internos e externos sem que a escola tenha direcionado seus esforços no enfrentamento do problema e dos reflexos que o mesmo traz a familia, a sociedade e ao próprio aluno.
André Pestana É correto afirmar então que todo o insucesso do aluno pode ser atribuido aos distúrbios de aprendizagem?
Prof. Lúcio Alves Não. Seria até mesmo possível considerarmos também DISTÚRBIOS DE ENSINAGEM. O processo educacional se desenvolve em um cenário onde participam diversos atores e sofre influência de muitos fatores. Nesse sentido, precisamos entender os distúrbios de aprendizagem como um desses fatores que ocorrem no cenário do processo. Nem todos os alunos aprendem no mesmo ritmo, na mesma velocidade nem da mesma forma. Para além disso, precisamos considerar também que os distúrbios de aprendizagem interferem na maneira como esses alunos assimilam ou não o contéudo apresentado. Corremos o risco de: ignorarmos sua existência e importancia ou atribuirmos todo o insucesso aos distúrbios de aprendizagem.
André Pestana Quais os distúrbios mais frequentes e em que porcentagem eles ocorrem na população?
Prof. Lúcio Alves Os DA’s mais frequentes segundo a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA são:
DISLEXIA: 5% A 17% da população;
HIPERATVIDADE E DEFICIT DE ATENÇÃO: 7% dos alunos em idade escolar;
HIPERATIVIDADE: 5% das crianças
DEFICIT DE ATENÇÃO: 3 A 5% das crianças.
Esses dados estão relatados no site do jornalista Gilberto Dimenstein (http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd110507.htm)
Além dos descritos acima, temos também: DISORTOGRAFIA, DISCALCULIA, AUTISMO, SINDROME DE ASPERGER.
André Pestana Recentemente o Senac SE promoveu uma palestra com o Prof. Dr. Rafael da Silva Pereira ( Portugal). Qual a justificativa para esse evento?
Prof. Lúcio Alves Como uma instituição de Educação Profissional o Senac SE também está sensível ao problema, buscando informações que possam contribuir efetivamente com a sua missão. Ultimamente temos observado muitos acidentes em setores críticos de atividade profissional e que, sem querer atribuir diretamente aos distúrbios de aprendizagem, podemos encontrar justificativas na ocorrência dos mesmos: A enfermeira que injetou leite na veia de uma criança, dosagens erradas de medicamentos que podem provocar a morte de um paciente. Quem poderá garantir que as “garatujas” de muitos médicos não podem ser sintomas de disortografia?
Mesmo considerando as devidas ponderações não podemos perder de vista que esses problemas têm ocorrido com relativa frequencia.
André Pestana Na sua opinião como as escolas tem tratado dessa questão?
Prof. Lúcio Alves Precisamos diferenciar alguns aspectos. O poder público não tem dado a atenção que o caso requer. Existe hoje uma imensidão de profissionais formados em psicopedagogia, psicologia, medicina, dentre outras profissões que poderiam estar atuando nas escolas públicas, formando equipes multidisciplinares para cuidar da saúde dos alunos. Seja a saúde física, seja a saúde mental. Casos como o massacre do Realengo ocorrido há um ano atrás, causam um impacto momentâneo que dura apenas o tempo necessário para que se vendam jornais e revistas. Depois tudo volta ao normal. Não se busca a causa que levou àquela barbárie. Já nas escolas particulares, com raríssimas exceções, existe um movimento que luta pela inclusão social. Mas podemos afirmar que a questão dos distúrbios de aprendizagem carece ainda de uma discussão mais permanente e efetiva que proporcione aos alunos que apresentam esses problemas o tratamento diferenciado que não permita a exclusão e marginalização do seio da sociedade.
André Pestana De que forma, os distúrbios de aprendizagem podem contribuir na questão da exclusão e marginalização social.
Prof. Lúcio Alves O jornalista Gilberto Dimenstein em seu site já citado nessa entrevista apresenta estudos realizados que transcrevo a seguir: “”Pesquisas realizadas com a população carcerária de Londres divulgada no livro: The adult dyslexic The interventions & outcomes (O adulto disléxico – As intervenções e os resultados), dos autores David McLoughlin, Carol Leather e Patricia Stringer, comprova que 50% da mesma sofre de dislexia e acabam cometendo delitos por ter sua auto-estima baixa, advindo de uma sociabilidade prejudicada, expectativas frustradas e por se submeterem apenas às atividades secundárias. Seja no Brasil ou em Londres o quadro educacional parece ser o mesmo, um método de ensino que lida com todos da mesma maneira, sem fazer surgir qualidades e habilidades peculiares, principalmente dos que apresentem dificuldades específicas em determinada área do aprendizado.” (fonte: ABD)
No Brasil não há um levantamento da população carcerária como um todo, já um estudo parcial realizado pelo psiquiatra Arnaldo de Castro Palma com internos da cidade de Curitiba, no ano de 2003, mostra as seguintes condições: “Quanto a escolaridade, mais de 80% são analfabetos ou analfabetos funcionais. O conjunto daqueles que conseguiram concluir o Ensino Fundamental não atinge 10% do total de entrevistados.O grau de instrução da população carcerária é seriamente comprometido pelo alto índice de portadores de transtornos cognitivos, que reduz a capacidade de assimilar e adquirir informações, armazená-las, combiná-las, classificá-las e utiliza-las oportunamente. Numa estimativa em que se leva em consideração o histórico pessoal, é possível concluir que, a maioria absoluta dos entrevistados, foi afetada desde a infância por distúrbios da atenção e da aprendizagem. É provável que exista influência desses fatores psico-pedagógicos na conduta criminosa, especialmente entre os reincidentes e violentos. O dado numérico salta aos olhos: mais de dois terços dos entrevistados têm manifestações clínicas que indicam distúrbio de atenção.” Veja o estudo na íntegra
Penso que sequer estamos arranhando o verniz do problema, e necessitamos urgente pensar no impacto que os DA”s causam nas famílias, nas escolas e no desenvolvimento intelectual do nosso país.
Muitos pais e professores, por desconhecerem o problema tratam seus filhos e alunos como se fossem burros, incompetentes, preguiçosos, quando na verdade eles podem estar sendo vítimas. A auto estima é destruída e empurra uma verdadeira multidão de crianças, jovens e adolescentes para a marginalidade.
Nas palavras do Dimenstein um verdadeiro “Massacre de Inocentes” está sendo perpetrado sem que a sociedade escute o seu grito abafado pedindo o nosso socorro e atenção.
André Pestana Que sugestões você daria para que os distúrbios de aprendizagem fossem tratados de maneira mas adequada?
Prof. Lúcio Alves Acredito que a disseminação de informações ao maior número de pessoas possível contribuiria de maneira eficaz. Pais, professores, meios de comunicação de massa, precisam conhecer para poder ajudar seus filhos e alunos a superarem esse desafio. Por outro lado, a abertura de concursos públicos que pudesse aproveitar o grande contingente de psicólogos, pedagogos, psicopedagogos, médicos, terapeutas educacionais, assistentes sociais dentre outros profissionais para atender a essa demanda que já é significativa no cenário educacional do país.
O desafio é grande, porém necessário. Não podemos continuar fazendo de conta que o problema não existe. Escolas públicas e particulares precisam acordar de sua inércia e assumir a tarefa que a sociedade espera e necessita. Nossas crianças, nossos jovens, nossos adultos, enfim, nosso Brasil saberá reconhecer e agradecer por tão nobre gesto.