Maurice Druon e os reis malditos.

Maurice Druon, escritor e acadêmico francês, autor da saga Os reis malditos, faleceu em Paris ontem 14 de abril.

O intelectual e acadêmico francês Maurice Druon faleceu em sua casa em Paris, ontem, 14 de abril, aos 90 anos de idade.

 

Escritor de vasta produção literária, desde a juventude, pelos artigos publicados nos jornais e revistas de então, Druon nasceu em Paris em 23 de abril de 1918, filho de pai russo, originário de Oremburgo, cidade às margens do Rio Ural, que emigrara para a França.

 

Posteriormente, quando do armistício da 2ª Grande Guerra e da capitulação francesa perante o inimigo alemão em 1940, Druon ingressaria na Resistência, caindo na clandestinidade e atravessando as fronteiras de Espanha e Portugal em demanda da Inglaterra para ali juntar-se às Forças Livres, tendo sido inclusive, ajudante de campo do General François d”Astier de la Vigerie, adjunto do General Charles De Gaulle.

 

Co-autor com seu tio Joseph Kessel do Chant des partisans libres (Canto dos defensores livres), Druon começa sua carreira de romancista em 1946 tendo se tornado célebre com a fascinante série histórica Les Rois Maudits (Os reis malditos), e recebido o prêmio Goncourt de 1948 pela série Les Grandes Familles, e depois sendo eleito para a Academia Francesa em 1966, ocupando a poltrona de Georges Duhamel, sendo secretário perpétuo de novembro de 1985 a 1º de janeiro de 2000, ocupando-a honorariamente a partir desta data.

 

Maurice Druon recebeu a Grande-Cruz da Legião de Honra, sendo Comendador das Artes e das Letras e titular de muitas outras condecorações. Foi também  Ministro da Cultura em 1973, sob a presidência de Georges Pompidou quando cria o Conselho Superior de Letras e o Centro Nacional de Letras.

 

Foi ainda Deputado de Paris de 1978-1981 e eleito para a Assembléia da Comunidade Européia, renunciando posteriormente.

 

Homem polêmico, recusando “julgar com nossos olhos instruídos de hoje”, antes que com os “olhos cegos de ontem”, Druon tomou algumas atitudes antipáticas, como por exemplo, a defesa do antigo Prefeito de Vichy, Maurice Papon, acusado de deportar judeus bordelenses para os campos de extermínio nazistas. Um tema que rebentara cinqüenta anos após o fato, e que resultaria na condenação de Papon a dez anos de reclusão em processo de 1997-1998.

 

Um dado interessante a destacar, porque apesar de solidário ao regime de Vichy, Papon não lhe fora fiel todo tempo, tendo aderido depois à resistência francesa, juntando-se a De Gaulle, e tendo inclusive, em carreira destacada, ocupado o Ministério do Tesouro no Gabinete Raymond Barre, momento em que decide realizar um controle fiscal do jornal satírico, Le Canard enchaîné, tendo recebido em resposta uma campanha difamante, mas não por menos verdadeira, tanto que foi parar na cadeia, condenado a dez anos de reclusão por crime contra a humanidade.

 

Mas, sem me afastar da desumanidade e dos descaminhos da humanidade, devo dizer que o mote do tema não é Papon. O meu interesse é Maurice Druon, e mais particularmente a sua fascinante obra de conflitos humanos em seis volumes; Les Rois Maudits, a saga dos reis malditos.

 

Preliminarmente, devo dizer que adquiri os seis volumes, Le Roi de Fer (O rei de ferro), La Reine Étranglée (A rainha estrangulada), Les Poisons de la Courrone (Os venenos da coroa), La Louve de France (A loba da França), La Lois des Males (A lei dos machos) e Le Lis et le Lion (O lírio e o leão), num bendito sebo dos arredores da Rua Capote Valente em São Paulo.

 

Estava procurando livros franceses, artigo raro nas nossas livrarias. Hoje as livrarias no afã de procurar satisfazer os que fogem da literatura, preferem expor revistas, jornais, borrados por xícaras de café, bolinhos de bacalhau e pastéis de camarão, ou pães de queijo gorgonzola. Nada que combine com literatura ou enseje uma boa leitura. Assim, se queremos algo nobre a satisfazer as almas pobres em tolices, nos sebos estão os melhore títulos, rejeitados pelos que se horrorizam do livro como a uma praga mais do que cruenta; nojenta.

 

Sim, porque os inimigos dos livros são muitos; os furiosos, os pragmáticos e os preguiçosos. Os furiosos erguem fogueiras com os livros e contra quem os escreve. Os pragmáticos vendem-nos aos sebos por um troco de tostão, enquanto os preguiçosos os esparramam à toa pelo chão, ou na sarjeta como urina vertida de cão, onde recolhi recentemente uma enciclopédia jogada à beira do canal do Batistão, por quem não lhe queria qualquer bem.

 

Isso sem falar que os construtores de apartamentos pensam em saunas, piscinas, tendas de malhação e alfurôs (?) que não sei o que é, nem desejo, mas que permanecem virgens, indevassados, ampliando somente os gastos de condomínio e não concebem sequer um espaço, diminuto que seja, para uma biblioteca pessoal ou coletiva.

 

Recentemente, por restrição espacial da modernidade arquitetônica, eu herdei de um casal amigo a obra completa de Machado de Assis. Quem diria! Não há espaço nos modernos apartamentos nem para Capitu nem pra Escobar se roçarem, muito menos pra Brás Cubas e as faltas de batatas dos vencidos.

 

E la me vou, machadianamente, esquecendo os reis malditos, agora me perdendo em outras maldições, por mais terríveis da humanidade e da modernidade. Mas, vamos à saga de Druon.

Como eu disse anteriormente, o romance Les Rois Maudits é composto de seis volumes e se passa na França e na Inglaterra no período compreendido entre os anos 1314 e 1343, período tumultuado da história daqueles dois povos, embricamente misturados, seja por laços familiares e conquistas territoriais, seja pelo contexto medieval repleto de suserania e vassalania.

 

O drama encerra lutas de sucessão, heranças mal partilhadas, amores desfeitos em meio a traições, adultérios, envenenamentos e assassinatos acontecidos nos reinados de Filipe IV, O Belo, e de seus filhos que também seriam reis: Luís X, o Teimoso, Filipe V, o Comprido, e Carlos IV, aquele que seria o último dos reis capetos, bem como Isabel, a Loba da França, esposa do efeminado Eduardo II da Inglaterra, que será com a sua descendência causa de conflito dinástico resultando na guerra de cem anos, afinal todos são filhos de Filipe, O Belo, o rei herético que aprisionara o papado em Avignon, naquele período considerado pela Igreja como o cativeiro da babilônia do papado.

 

No primeiro volume, Le Roi de Fer (O rei de ferro), vive-se o ano de 1314 em que Filipe IV, dono de uma beleza lendária, e assim decantado como O Belo, quebrara o orgulho guerreiro dos barões tendo vencido os flamengos revoltados, os ingleses na Aquitania e até o papado.

 

O livro fala do processo de centralização do reino e da administração, e as reações advindas da nobreza, momento em que o rei Filipe não se detinha na busca de recursos financeiros, avançando sobre todos os tesouros disponíveis, taxando os barões e os bens da igreja, espoliando os judeus e achacando os banqueiros lombardos, sem se deter a barreiras de ordem religiosa ou convenções legais.

 

Em resposta a uma real história de profanação e ousadia, a Igreja já o tinha excomungado na pessoa de seu auxiliar Enguerrand de Marigny, que arrastara do trono pontifício o papa Bonifácio VIII, um ancião de 86 anos, puxando-o desrespeitosamente pela barba, e conduzido-o de Roma a Avinhão.

 

Neste ano de 1314 o rei Filipe, O Belo, voltava-se contra a rica Ordem dos Templários, comandada por Jacques de Molay, 71 anos, a quem acusa de herético condenando-o à morte na fogueira em meio a processo de muitas provas ilícitas e acusações desprovidas de sentido.

 

Mas, como de costume dos que detêm a força e o mando absolutos, a condenação é promulgada e os bens repartidos pelo estado sempre sedento de dinheiros, repartidos e roubados pelos ministros corruptos nunca ausentes e pelos financistas que lhes chegam bem mais próximos.

 

E assim os cavaleiros templários espoliados são condenados a morrer na fogueira em ritual no qual o que maneja a tocha incandescente, lhes pede em desafio inclemente, que confessem os erros e as faltas para que tenham seus pecados absolvidos e perdoados.

 

É neste momento que grita o Grande Mestre da Ordem do Templo, Jacques de Molay, em meio ao fogo que o consome: “Papa Clemente,… cavaleiro Guillaume de Nogaret,… rei Filipe,… antes de um ano eu vos convoco a comparecer ao tribunal perante Deus, para aí receber o vosso justo castigo! Malditos! Todos malditos até a décima segunda geração das vossas raças!…”

 

E, sem que ninguém pensasse ou desconfiasse a maldição já começara no próprio palácio real.

 

Naquele momento, aproveitando a ausência dos três príncipes, convocados por seu pai para testemunhar a execução na fogueira dos hereges templários, suas três esposas, em festim adulterino de muitos desejos e promiscuidades, recebiam seus amantes em profanação da própria alcova.

 

E o desfecho seria trágico. No prazo de um ano morreriam misteriosamente, não só Filipe, O Belo, como o papa Clemente V e o chanceler Enguerrand de Marigny; o adultério das princesas seria descoberto, seus amantes executados, as princesas adúlteras conduzidas à prisão, sendo uma delas Marguerite de Bourgogne, estrangulada no cárcere, a fim de que o seu cornudo esposo, então já coroado rei com o título de Luís X, O Teimoso, pudesse contrair novas núpcias e conseguisse gerar a permanência dinástica. Um conflito de conseqüências múltiplas e bastante funestas que não só extinguiria a longeva dinastia dos reis Capetos, sendo substituída pela aparentada casa dos Valois, como também resultaria na famosa guerra dos cem anos entre a França e a Inglaterra; guerra de muitos heróis e muito sangue derramado, em batalhas de feitos cantados por Shakespeare e por Charles de Péguy, cada um do seu lado, da costa e do mar, como os heróis de Azincourt comandados por Henrique IV de uma lado, e os seguidores trôpegos de Joana D’Arc, a donzela de Orleans do outro.

 

Tudo bem traçado e bem contado por Maurice Druon, o intelectual falecido ontem em Paris.

 

De Maurice Druon, o autor de “O menino do dedo verde”, que não li, a historiadora Helène Carrère d”Encausse, Secretária Perpétua da Academia Francesa, assim testemunhou: “Era um amigo bastante próximo e uma perda imensa para a Academia. Ele era a memória da Academia, dela conhecendo todos os usos e costumes.”.

 

Também o presidente da república, Nicolas Sarkozy, prestou homenagem ao acadêmico falecido qualificando-o como “grande escritor, grade resistente, grande homem político, grande pena e grande alma”.

 

De minha parte, o tenho como um grande romancista, alguém como poucos que conseguem prender o leitor na trama que não mais se escreve como o fazia Balzac, Dumas e Hugo, e agora Maurice Druon que faleceu deixando os seus diversos romances, como a saga “Les rois maudits”, leitura que recomendo para todos os que acompanham os meus escritos.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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