A Constituição de 1988 faz 37 anos: ainda há promessas a cumprir

No último 05 de outubro, a Constituição da República Federativa do Brasil completou 37 anos. Em meio às severas turbulências que atravessam o cenário político nacional — e mesmo global — não se pode deixar de refletir sobre o significado desse aniversário, suas promessas inaugurais e os constantes desafios enfrentados desde sua promulgação.

Batizada de “Constituição-Cidadã” pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, a Carta de 1988 foi o marco do processo de redemocratização após 21 anos de ditadura militar. Foi mais do que um texto normativo: foi uma declaração de intenções civilizatórias. Ao restaurar a democracia formal e instituir um Estado Democrático de Direito com compromissos sociais e políticos inéditos em nossa história constitucional, a nova Constituição prometeu à sociedade brasileira a construção de um país livre, justo e solidário, com ampla participação cidadã, o combate às desigualdades e a promoção da dignidade humana como fundamento da República.

Foram essas promessas que mobilizaram a cidadania, os movimentos sociais e setores progressistas na árdua transição democrática. E são essas mesmas promessas que, mesmo sob severo ataque nos anos recentes, continuam a iluminar a resistência das instituições democráticas e da sociedade civil contra os retrocessos institucionais.

Não se trata, porém, de uma celebração ingênua. O percurso da Constituição de 1988 tem sido marcado por avanços e contrarreformas. Já nos primeiros anos de sua vigência, iniciou-se uma longa série de emendas constitucionais com viés neoliberal, que buscaram mitigar sua vocação social e reduzi-la a um manual de contenção fiscal. A “PEC do Teto de Gastos” (EC 95/2016), a reforma trabalhista, a terceirização irrestrita, a reforma da previdência e, mais recentemente, a tentativa de reforma administrativa (PEC 32/2020) representam capítulos sucessivos da tentativa de esvaziamento do projeto constitucional de Estado Social.

Além disso, a Constituição-Cidadã foi gravemente golpeada em sua dimensão política e simbólica com os eventos de 2016, quando se consumou um impeachment sem base jurídica sólida, abrindo espaço para o que denominamos de “golpe institucional”. Desde então, assistimos a uma sucessiva banalização do desrespeito às garantias constitucionais, às liberdades públicas e aos princípios da democracia representativa.

O episódio de 8 de janeiro de 2023, com a violenta invasão dos prédios dos três Poderes da República, representou o ápice da tentativa de ruptura do pacto constitucional. A gravidade da intentona golpista e a mobilização internacional de setores reacionários em apoio a tal movimento revelam que a ameaça à democracia é concreta, persistente e globalizada.

Mas é justamente nesse cenário de tensão permanente que se reafirma a atualidade e a necessidade da Constituição de 1988. São os seus mecanismos democráticos que oferecem as ferramentas legítimas para corrigir rumos, ajustar trajetórias e ampliar direitos. Foi com base nela que se conseguiu processar os responsáveis por atos golpistas, manter o funcionamento institucional durante a pandemia, garantir eleições regulares e impedir que o autoritarismo se instalasse formalmente no poder.

Mais do que nunca, o aniversário de 37 anos da Constituição não deve ser uma efeméride burocrática, mas uma oportunidade de reflexão crítica e mobilização social. Os objetivos fundamentais inscritos em seu artigo 3º – construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos – permanecem como tarefas históricas ainda inacabadas.

Por isso, não é hora de retroceder ou buscar uma ruptura constitucional. É hora de aprofundar a democracia, fortalecer a participação cidadã, ampliar os espaços de controle social, aperfeiçoar os instrumentos de fiscalização, garantir a efetividade dos direitos fundamentais e reafirmar os valores republicanos que estruturam nossa convivência política.

A defesa da Constituição de 1988, com todas as suas promessas e limitações, é a defesa do projeto de país que ainda podemos e devemos construir. E essa construção depende da atuação cotidiana de cada cidadã e de cada cidadão, comprometidos com a justiça, a liberdade e a solidariedade.

A Constituição está viva. E sua vitalidade depende de nossa vigilância democrática permanente.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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