A controvérsia do rol de procedimentos e eventos da ANS

Em julgamento concluído no dia 08/06/2022 (há duas semanas, portanto), a Segunda Seção do STJ definiu, em sede de recurso especial representativo de controvérsia repetitiva, que o rol de procedimentos e eventos da ANS (Agência Nacional de Saúde) é taxativo em regra e, portanto, as operadoras de saúde não estão obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista.

Assim, foram fixadas as seguintes teses:

 

“1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

 

  1. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

 

  1. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

 

  1. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.” (Rol da ANS é taxativo, com possibilidades de cobertura de procedimentos não previstos na lista).

 

Prevaleceu o posicionamento do Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, que foi acompanhado pelos Ministros Villas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze, ficando vencidos os Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro e a Ministra Nancy Andrighi, que externaram interpretação no sentido de que o rol da ANS tem caráter meramente exemplificativo.

Trata-se de questão jurídica complexa e de relevância social elevadíssima, ao envolver o direito fundamental de todos à saúde e a autorização constitucional à prestação da assistência à saúde pela iniciativa privada, que tem liberdade econômica para fazê-lo inclusive com vistas ao lucro, observados os regramentos técnicos dos órgãos públicos competentes. Esse mercado dos planos de saúde abrange atualmente quase 25% da população brasileira (aproximadamente 49 milhões de pessoas), o que bem revela a dramaticidade da decisão tomada pelo STJ a se replicar em todos os processos no país que tramitam envolvendo a mesma discussão.

A controvérsia, todavia, não está definitivamente decidida.

Isso porque foi proposta pela REDE (partido político com representação no Congresso Nacional) e pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF, pleiteando a declaração de incompatibilidade do art. 2º da Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS com preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988, e, em consequência, declaração do caráter exemplificativo do rol de procedimentos e eventos em saúde, de modo que decisões judiciais dissonantes sejam reformadas (ADPF nº 986, distribuída à Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso).

A Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS estabelece, em seu Art. 2°, a taxatividade do rol de procedimentos e eventos em saúde por ela estabelecido, e foi também utilizada como fundamento jurídico para a decisão afinal tomada pelo STJ.

O que o STF deverá decidir ao apreciar essa ADPF, em síntese, é se esse ato normativo infralegal, ao dispor sobre a taxatividade do rol e a não obrigatoriedade de planos de saúde em cobrir procedimentos e eventos fora dessa lista, contraria ou não os diversos preceitos fundamentais da Constituição invocados pelos arguentes, a saber o direito fundamental à saúde, a proteção do consumidor na ordem econômica, a separação de poderes, a legalidade e o devido processo legislativo.

Nesse contexto, pode o STF, ainda provisoriamente, conceder medida cautelar suspendendo a eficácia desse Art. 2° da Resolução 465/2021 da ANS e de todos os atos do poder público, inclusive decisões judiciais, que tenham entendido pelo caráter taxativo do aludido rol, até o julgamento de mérito da ação.

É grande a expectativa da sociedade em relação às decisões (cautelar e de mérito) que o STF venha a tomar. Aguardemos e acompanhemos atentamente.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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