Na semana passada, foi promulgada a Lei nº 14.365, de 02/06/2022, que efetua alterações diversas na Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal.
O objeto do nosso comentário nesse texto é a modificação que permite aos exercentes de atividades policiais e aos militares o exercício da advocacia, exclusivamente em causa própria, para fins de defesa e tutela de direitos pessoais.
Com efeito, o EAOAB (Lei nº 8.906/1994) estabelece as diversas situações de incompatibilidades (proibição total) com o exercício profissional da advocacia, e sempre estabelecera que mesmo em causa própria a advocacia era incompatível com as atividades de ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza e militares de qualquer natureza, na ativa (Art. 28, incisos V e VI).
Essa estipulação legal sempre se baseou no interesse público, na perspectiva de que policiais e militares deveriam se dedicar exclusivamente ao exercício de suas atividades enquanto servidores públicos exercentes de funções de altíssima relevância social.
Vale frisar que a COBRAPOL (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS) chegou a propor ação direta de inconstitucionalidade em face dessa previsão legal de incompatibilidade com a advocacia (a ação foi proposta em 19/07/2005). O STF, porém, julgou improcedente a ação e declarou a constitucionalidade do dispositivo legal, julgamento realizado em 12/02/2014:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Exercício da advocacia.
Servidores policiais. Incompatibilidade. Artigo 28, inciso V, da Lei nº 8.906/94. Ausência de ofensa ao princípio da isonomia. Improcedência da ação.
- A vedação do exercício da atividade de advocacia por aqueles que desempenham, direta ou indiretamente, serviço de caráter policial, prevista no art. 28, inciso V, da Lei nº 8.906/94, não se presta para fazer
qualquer distinção qualificativa entre a atividade policial e a advocacia.
Cada qual presta serviços imensamente relevantes no âmbito social, havendo, inclusive, previsão expressa na Carta Magna a respeito dessas
atividades. O que pretendeu o legislador foi estabelecer cláusula de
incompatibilidade de exercício simultâneo das referidas atividades, por entendê-lo prejudicial ao cumprimento das respectivas funções.
2. Referido óbice não é inovação trazida pela Lei nº 8.906/94, pois já constava expressamente no anterior Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei nº 4.215/63 (art. 84, XII). Elegeu-se critério de diferenciação
compatível com o princípio constitucional da isonomia, ante as
peculiaridades inerentes ao exercício da profissão de advogado e das atividades policiais de qualquer natureza.
3. Ação julgada improcedente”
Agora, com a Lei nº 14.365 – que entrou em vigor em 03/06/2022 – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza e militares de qualquer natureza, na ativa, deixam de ter a proibição ao exercício da advocacia em causa própria, nas seguintes condições:
a) para fins de defesa e tutela de direitos pessoais;
b) mediante inscrição especial na OAB;
c) vedada a participação em sociedade de advogados (Art. 28, § 3º).
Essa inscrição especial na OAB não isenta o profissional do pagamento da contribuição anual, de multas e de preços de serviços devidos à OAB, na forma por ela estabelecida, vedada cobrança em valor superior ao exigido para os demais membros inscritos (Art. 28, § 4º).
Tem-se aí uma mudança substantiva na regulação das incompatibilidades, pois o anterior Estatuto (Lei nº 4.215/1963) também estabelecia a proibição total do exercício da advocacia, mesmo em causa própria, para policiais e militares em geral.
O que parece haver é uma clara tentativa de tantos quantos exercem atividades definidas em lei como incompatíveis com a advocacia de romper com essa proibição.
Dessa feita, policiais e militares conseguiram que o legislador abrisse essa brecha, exclusivamente em causa própria e para defesa de direitos pessoais; mas é uma porta perigosa que se abre para policiais e militares em outras situações mais abrangentes, como também para ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública direta ou indireta, ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro, ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais, ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas (atividades ainda legalmente incompatíveis com a advocacia).
É preciso ficar atento a isso, pois a estipulação dessas incompatibilidades leva em conta o interesse público, que pode ser desatendido se vierem a ser flexibilizadas.