A autonomia do Banco Central – estabelecida na Lei Complementar nº 179, de 24/02/2021 – já revela os inúmeros problemas de governabilidade macroeconômica, considerada a política vitoriosa nas urnas.
Com efeito, enquanto o Governo Federal e sua equipe econômica e de planejamento apontam a necessidade da redução da taxa de juros, o Banco Central mantém essa taxa em patamar elevadíssimo, o que representa verdadeiro entrave ao desenvolvimento e acaba por beneficiar pequenas parcelas de uma elite financeira.
É um enorme despropósito que a política econômica do país, na qual se incluem os instrumentos de política monetária e cambial, com moderação das taxas de juros, seja entregue a um órgão independente da vontade governamental legitimada nas urnas. Todo o poder emana do povo. Na República democrática não pode haver instância governamental que se sobreponha à vontade da maioria, notadamente no que se refere a atribuições governamentais típicas e constitucionalmente submetidas ao Poder Executivo (não confundir com instâncias dos outros poderes, em que não só pode como deve haver independência capaz de coibir abusos, ainda que praticados em nome da maioria).
O povo elege democraticamente um Presidente da República para que, dentre outras atribuições, componha uma equipe de governo preparada para o implemento de políticas e de programas determinados, nos marcos de sua competência constitucionalmente delimitada.
A política econômica do país não pode ficar subordinada a um órgão cujos membros não têm legitimidade popular. Um Presidente da República não pode ficar refém, quanto ao viés da política econômica, de uma instância governamental que lhe faça frente, em nome de uma suposta “autonomia”.
O que se pretendeu e se está conseguindo, em boa verdade, é afastar da legitimidade popular democrática o controle e a direção da política econômica. Na prática, acaso a população eleja um governo que defenda uma política econômica diferente da praticada (o que ocorreu em 2022) e para cuja implementação seja necessário adotar determinado viés de política monetária e cambial e de moderação das taxas de juros, isso não será possível porque Presidente e Diretores do Banco Central continuarão com seus mandatos e não poderão ser trocados, fazendo prevalecer os seus vieses sobre os pontos de vista sufragados pela vontade soberana do eleitor.
Essa propalada “autonomia do Banco Central”, afinal formalizada em lei, é um engodo, instrumento de defesa de interesses do capital financeiro especulativo em detrimento do controle popular e soberano da política econômica, o que é, à toda evidência, inaceitável.
Acionado em ação direta de inconstitucionalidade, o STF decidiu, além de afastando inconstitucionalidades formais, que a matéria, no mérito, é de livre e discricionária opção política: “[…] é fato induvidoso que a questão da autonomia do Banco Central divide opiniões. Há visões como a dos autores da ação, segundo a qual ela retira de governos eleitos o controle sobre a política econômica e monetária. E há visões opostas, professadas por economistas e atores institucionais, como a OCDE e o Banco Mundial, de que a política monetária deve ser preservada das interferências políticas, muitas vezes motivadas por interesses eleitorais de curto prazo e que cobram um preço alto no futuro. 8. Como se percebe, trata-se de questão essencialmente política, que não se situa no âmbito da interpretação constitucional, mas sim no plano da liberdade de conformação legislativa do Congresso Nacional. Como consequência, deve o Supremo Tribunal Federal ser deferente para com as escolhas políticas do Poder Legislativo” (grifou-se) (ADI 6696, julgamento em 26/08/2021).
Logo, qualquer reversão do quadro, no ponto, depende de iniciativa política do novo governo eleito; parece, todavia, que essa não será uma batalha a travar, considerando outras indispensáveis negociações políticas em prol da governabilidade e da defesa da democracia, numa conjuntura ainda muito delicada e imprecisa.