EC 117 e ações afirmativas da igualdade de gênero na política

O Congresso Nacional promulgou, em 05 de abril de 2022, a emenda constitucional nº 117, que “Altera o art. 17 da Constituição Federal para impor aos partidos políticos a aplicação de recursos do fundo partidário na promoção e difusão da participação política das mulheres, bem como a aplicação de recursos desse fundo e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e a divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão no percentual mínimo de 30% (trinta por cento) para candidaturas femininas”.

Comemorada como mudança constitucional voltada para a garantia da efetividade de políticas afirmativas inclusivas da participação das mulheres na política, não se trata exatamente de novidade no ordenamento jurídico.

Já em 2009, a Lei nº 12.034 incluiu no Art. 44 da “Lei dos Partidos Políticos” (Lei nº 9.096/1995) a regra de que os recursos oriundos do Fundo Partidário deveriam ser aplicados na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual a ser fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; posteriormente o dispositivo sofreu alterações legislativas até a redação mais recente, dada pela Lei nº 13.877/2019, que estabelece a obrigatoriedade de uso de recursos do Fundo Partidário “na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total”.

Some-se a isso um conjunto de medidas legislativas, resoluções do Tribunal Superior Eleitoral e decisões do STF que, desde a década de 90, têm implementado gradativamente políticas de ação afirmativa com reservas de vagas (cotas) por critérios de gênero e racial em candidaturas a ser apresentadas por partidos políticos para disputa de eleições, bem como garantia de utilização de recursos dos Fundos Partidário e Especial de Financiamento de Campanhas proporcional aos percentuais das cotas respectivas.

Trata-se de importante intervenção proativa do Estado, em busca de maior representatividade democrática dessas minorias que são historicamente discriminadas pelos partidos políticos em geral, de todas as vertentes ideológicas, que impõem enormes barreiras e dificuldades, privilegiando espaços de poder para candidaturas masculinas e brancas, fazendo com que os mandatos eletivos, especialmente nos Parlamentos, sejam desproporcionalmente ocupados majoritariamente por homens brancos, ofuscando a representatividade desses segmentos e de suas legítimas pautas.

Contudo, o que passou um pouco despercebido quando da promulgação efusiva da Emenda Constitucional nº 117/2022 foi a anistia que ela determinou em relação aos partidos políticos que não cumpriram as regras acima apontadas. Com efeito, o Art. 2º da EC 117 dispõe expressamente que é vedada a condenação dos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de sua promulgação. E o Art. 3º da EC 117 determina que não poderão ser aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições.

Assim, em boa verdade, o que a EC 117 traz de novidade mesmo é o perdão dado aos partidos que não vinham cumprindo essas regras, eis que as necessárias políticas afirmativas de gênero e raciais já existiam e não vinham sendo efetivamente cumpridas, inclusive já tendo a Justiça Eleitoral em alguns casos aplicado as correspondentes sanções.

De qualquer modo, a sua constitucionalização traduz avanços importantes, seja por estabilizar tais políticas afirmativas de igualdade material na participação política em nível constitucional e como direito fundamental, seja por agora constituir barreira contra retrocessos que pudessem vir a ser tentados em nível infraconstitucional.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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