Quanto comentamos aqui, em texto publicado na data de 09/11/2022 (“Vitória da democracia e sua defesa permanente e efetiva”), que a atuação das instituições em defesa da democracia deve ser permanente e mais efetiva, como parece já vir sendo esboçado, com a adoção de medidas proativas, incluindo a desafiadora luta de coibir a disseminação em massa de fake news antidemocráticas como também a organização e realização de atos antidemocráticos e golpistas que têm como instrumento as “novas tecnologias de informação e comunicação, não imaginávamos a proporção que os acampamentos e movimentos antidemocráticos iriam atingir, muito menos a intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, permeada de manifestações violentas com depredação do patrimônio público, em nítida tentativa de golpe de estado com invasão dos prédios dos três Poderes.
A investigações em andamento parecem apontar que houve preparação para o que chegou a ser tentado naquela data, apogeu de um conjunto de atos voltados ao planejamento de ruptura institucional e que caracterizou em tese a prática de diversos crimes e infrações, que devem ser apurados para apontamento dos responsáveis em todas as esferas, propiciadoras dos julgamentos, observado o devido processo legal, com as adequadas e justas punições, se for o caso em cada caso.
Vale frisar que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático” (Art. 5º, inciso XLIV da Constituição Federal) e que condutas tendentes à abolição do regime democrático e à intimidação do livre exercício dos poderes constitucionais são penalmente tipificadas:
“Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.” (Dispositivos incluídos no Código Penal pela Lei nº 14.197, de 1/09/ 2021).
Tudo indica que grande parte dos executores dos atos de vandalismo foram massa de manobra dos autores intelectuais desses crimes; mais ainda, e isso se tornou perceptível ao longo do próprio dia 08/01/2023, o absurdo das ocorrências daquela data somente foi possível porque contou com a omissão deliberada ou passiva de diversos agentes públicos das mais variadas esferas, incluindo do Gabinete de Segurança Institucional, das Forças Armadas, do Governo do Distrito Federal e da Polícia Militar do Distrito Federal.
A acertada decretação de intervenção federal no Distrito Federal para, nos termos do Art. 34, inciso III da Constituição, pôr termo a grave comprometimento da ordem pública (o que analisamos no texto “A intentona golpista e a intervenção federal no Distrito Federal”), que já cumpriu a sua tarefa e já se exauriu no dia 31/01/2023, não pode e não deve ofuscar a passagem de todo o episódio a limpo.
Com efeito, a história mostra que, após superar nefastos períodos ditatoriais em que agentes estatais praticaram diversos graves crimes contra a população e especialmente contra opositores políticos, é indispensável passar em revista de forma aprofundada todo o contexto, com as necessárias investigações, inclusive e principalmente criminais.
É o que se chama de “justiça de transição”, no ambiente do cultivo à memória e à verdade.
Nesse contexto, a sociedade brasileira clama para que, dessa vez, considerados graves crimes contra a democracia, a justiça de transição seja efetiva, SEM ANISTIA, para que nunca mais se esqueça, para que nunca mais aconteça!