Reeleição e Abuso de Poder Político

Uma das formas mais evidentes de abuso do poder político no processo eleitoral é a utilização do patrimônio público, dos recursos humanos (servidores públicos), enfim, da estrutura governamental, em proveito de candidaturas. É o conhecido “uso da máquina”, vedado pela legislação e punível severamente.

Na “Lei das Eleições” (Lei nº 9.504/1997), existe a específica seção que estabelece as “condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais” (Art. 73).

Tem-se, aí, um rol bem detalhado de proibições que se destinam a coibir o abuso de poder no processo eleitoral. Desde a vedação de utilização (ou cessão) – em proveito de candidato, partido político ou coligação – de bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração Pública (ressalvada a realização de convenção partidária), passando pela proibição de cessão de servidor público ou utilização de seus serviços para comitês eleitorais durante o horário de expediente e fazer (ou permitir) uso promocional de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público, chegando na vedação da realização de publicidade institucional de atos, programas, obras e serviços e campanhas (com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado), salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral; dentre outras tantas vedações de mesma natureza.

As punições previstas são, para alguns casos, a suspensão imediata da conduta vedada e pagamento de multa; para outros casos, também a cassação do registro da candidatura ou do diploma.

Não é difícil constatar que algumas dessas condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais podem ter sido praticadas pelo Presidente da República, candidato à sua reeleição, notadamente quando das comemorações do 7 de setembro e agora mais recentemente na utilização da estrutura da embaixada do Brasil em Londres (por ocasião do funeral da rainha da Inglaterra) para atos de campanha eleitoral, inclusive com discurso.

É provável que ocorra a devida investigação judicial eleitoral dessas possíveis manifestações de abuso de poder político na eleição.

Todavia, o que esse tipo de situação proporciona, mais uma vez, é a reflexão sobre o instituto da reeleição.

Com efeito, até 1997, não era admitida a reeleição (eleição para o mandato imediatamente subsequente) para cargos executivos; somente com a emenda constitucional nº 16/1997 é que a Constituição foi reformada para permitir essa reeleição de Presidente da República, Governador e Prefeito, o que começou a ocorrer entre nós a partir das eleições gerais de 1998.

A possibilidade de abuso do poder político na hipótese de reeleição é potencializada, na medida em que se dá em proveito próprio e não de terceiro (ainda que correligionário); no que potencializada, pode-se dizer, é estimulada, a exigir do sistema de justiça eleitoral maior atenção para, em se constatando e comprovando, efetuar as devidas coibições a tempo e modo adequados, tudo isso em nome da higidez do processo eleitoral e da própria autenticidade do sistema democrático-representativo e igualdade das disputas eleitorais.

E essa situação se agravou ainda mais quando o TSE decidiu, já por ocasião da primeira candidatura à reeleição ao cargo de Presidente da República (Fernando Henrique Cardoso), que não se aplicaria ao candidato à reeleição a exigência de desincompatibilização do cargo seis meses antes da eleição (exigência estabelecida originalmente na Constituição de 1988 para candidatos a outros cargos – § 6º do Art. 14 – porque, óbvio, não teria como estender essa exigência para candidatos ao mesmo cargo já que, então, não era admitida essa possibilidade).

Desde então assim tem ocorrido e candidatos à reeleição ao cargo de Presidente da República, Governador e Prefeito permanecem nos seus cargos durante a campanha eleitoral, desequilibrando a disputa e potencializando ainda mais a prática do abuso de poder político.

Que a finalização do processo eleitoral de 2022, tão importante por variados motivos relacionados à preservação da democracia formal gravemente ameaçada, possa proporcionar, posteriormente, o aprofundamento da reflexão e do debate sobre o tema, a viabilizar a revisão do instituto da reeleição para mandatos executivos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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