Reflexões sobre o enfrentamento da calamidade no Rio Grande do Sul

A calamidade que se abateu sobre a população do Estado do Rio Grande do Sul em decorrência das chuvas e alagamentos, em crise iniciada há mais de um mês, despertou na sociedade brasileira algumas percepções e desencadeou algumas consequências, cada uma delas a merecer análise detalhada e reflexão especial só por si, destacando-se:

1 – a questão ambiental e todo o seu entorno deixa de ser prioridade apenas diletante ou de consideração filosófica e moral, genérica, para chegar ao plano concreto da cobrança de ações e políticas públicas voltadas para a precaução e prevenção de danos ambientais, na terrível e finalmente (desesperadora) certeza de que, a assim continuar, não tardará para que a próxima – e iminente – tragédia natural de graves proporções e danos atinja a todos, mesmo os mais afortunados;

2 – a compreensão, em reflexão ecossocialista, da imprescindibilidade do rompimento com o capitalismo como pressuposto inafastável da efetividade da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como a insuficiência das providências tomadas – inclusive em escala global (com acordos, tratados e convenções internacionais) – em termos de políticas públicas de proteção ambiental que se limitam a contornar ou tentar contornar os efeitos da degradação ambiental, sem a percepção de que os danos ambientes decorrem da essência estrutural do capitalismo. Nesse mesmo contexto, a emergência de planejamento da transição energética, soberana, para fontes ambientalmente sustentáveis de geração de energia;

3 – como na crise econômica global de 2008 e na crise global de 2020-21 decorrente da pandemia do coronavírus, a crise ambiental permanente demonstra mais uma vez a total falência do ultraliberalismo econômico. A construção de uma sociedade livre, justa e solidária (objetivo fundamental da República Brasileira, nos termos do art. 3º, inciso I da Constituição) passa pela superação desse modelo econômico ultraliberal, como mais uma vez se está a perceber, de forma dramática, ao constatar a imprescindibilidade de serviços públicos e políticas públicas da amparo e assistência social aos desabrigados e desalojados pelas enchentes bem como de reconstrução do Estado a partir do enfrentamento da calamidade pública;

4 – a reconstrução do Rio Grande do Sul é tarefa solidária de toda a sociedade brasileira, a exigir articulação estatal federativa proativa e eficiente no desenvolvimento de ações de competência de cada esfera em atuação conjunta e coordenada. Foi prontamente decretado pelo Congresso Nacional o estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul (DL 36/2024), bem como editadas medidas provisórias, pelo Presidente da República, com instituição de apoio financeiro destinado às famílias desalojadas ou desabrigadas (MP nº 1.219) e prestação de apoio financeiro aos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul (MP nº 1.222). Mas é preciso constatar que essa inundação atingiu níveis nunca antes experimentados de danos socioambientais e, portanto, a tarefa da reconstrução se faz em um contexto extraordinário e especial, sendo inexorável o experimentalismo institucional que promova com efetividade e prontidão a gestão da crise. Nesse sentido, parece interessante a ideia da criação da “Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul”, formalizada pela Medida Provisória nº 1.220, de 15/5/2024, para, no enfrentamento da calamidade pública, coordenar e planejar as ações a serem executadas pela administração pública federal em conjunto com os Ministérios competentes, promover a articulação com os Ministérios e os Governos federal, estadual e municipais e interlocução com a sociedade civil;

5 – a prioridade máxima para o amparo social e econômico aos desalojados e desabrigados ao lado da reconstrução estrutural do Rio Grande do Sul não deve deixar de lado a apuração das responsabilidades por ações e omissões que fizeram com que as extraordinárias chuvas encontrassem terreno fértil para que a destruição atingisse proporções gigantescamente destruidoras. Já há apontamentos de deliberadas iniciativas estaduais relacionadas à flexibilização das exigências ambientais para licenciamentos. Nos Municípios, apurar a manutenção dos seus sistemas de drenagem. Em todos os níveis federativos, investigar o planejamento e execução das medidas de prevenção a desastres naturais e a gestão de riscos que o aquecimento global e as significativas mudanças climáticas em todo o mundo têm tornado cada vez mais previsíveis, frequentes e intensos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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