Meu querido Aderbal Fontes

Meu querido Aderbal Fontes

 

Afinal, são sempre os outros que morrem – falou Marcel Duchamp. Estive com seu Aderbal Fontes há menos de um mês – ele sentado na cadeira que dava pro corredor de sua casa, na avenida Ivo do Prado. Sempre que me  encontrava perguntava: “já vendeu seus apartamentos em Paris?” Ríamos muito. Seu Aderbal sempre foi uma figura ímpar. E tinha em Ilma Fontes, sua filha, seu maior mito. Quando Ilma foi morar com os pais, dona Geni e seu Aderbal, ainda ocupava o quarto depois da copa, onde eu ia almoçar quase que toda semana. Uma vez dormi ali, fazendo a sesta, enquanto seu Aderbal fazia ele mesmo questão de passar o café e tirar a mesa. Sempre com os olhos acesos tinha em Ilma um farol. Era apaixonado pela filha, tinha verdadeira adoração. Era a jornalista, a poeta, a cineasta, a filha que não casou e que todos os dias almoçava com os pais. Era uma felicidade. Ilma costumava fazer supermercado com o pai. O diálogo era sempre sobre preços, qualidade das frutas, receitas do cotidiano. Nunca vi seu Aderbal levantar a voz. Era também um apaixonado pelo neto, Beto Fontes que mora em Nova York. Era o filho que ele queria ter. Perdeu ainda em vida o filho Carlos Valdemar, pai de Beto, que adorava pescar. A casa da rua da frente sempre foi aberta aos amigos de Ilma. Todos podíamos tomar café como se diz no Nordeste e almoçar lá. O corredor da casa, sempre cheio de quadros, dava para um mistério: o pai de Ilma, que gostava de todos os amigos da filha. E Ilza, irmã de Ilma, sempre também com um riso nos lábios para todos que ali visitavam. Até que Ilma resolveu construir seu canto no fundo da casa, onde fixou sua biblioteca e suas plantas, além dos dois cachorros que adoravam o meu cheiro quando eu chegava. Dona Geni, como sempre, era mais livre, mais independente, adorava chupar uma manga após o almoço. Seu Aderbal era um observador. Além de pessoa incrível, foi durante 18 anos presidente da extinta Sunab, um exemplo de retidão e caráter. Bonitão, mesmo aos 93 anos, ele era um crítico ferrenho do Brasil que ele não se conformava por estar afundado na lama e na corrupção. Ainda me vem a imagem do amor especial dele por Ilma Fontes – “aí é meu tudo”– dizia ele baixinho para mim.” Minha filha!” – gabava-se. Eu adorava seu Aderbal. No dia 12 ele deixou um vazio enorme no corredor da casa da rua da frente. Não mais vamos poder apreciar a procissão de Bom Jesus de sua porta. Não mais vou ouvir se vendi meus apartamentos em Paris. Com Ilma ele conheceu o grande amor de filha e pode conhecer ainda mais a grande alma que é Ilma Fontes. Naquela tarde chuvosa de segunda fomos para as exéquias. Não tive coragem de vê-lo deitado no sono eterno. Não suportaria. Entrei no cemitério embalado pelo último adeus da mão trêmula de Ilma assinando nascimento e morte. Lágrimas não cabem neste adeus.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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