Toda a vida de Miguel Reale foi marcada pela participação. Integralista quando jovem, renegou publicamente o movimento liderado por Plínio Salgado, dedicando-se a educação como professor e Reitor da USP, como escritor cuja obra correu o mundo, como teórico do direito, divulgando a sua célebre Teoria Tridimensional do Direito (O Direito, segundo a visão culturalista de Miguel Reale, síntese e integração do ser e do dever ser, é fato e é norma, pois é fato integrado na norma exigida pelo valor a realizar. Em síntese Reale valida tecnicamente a norma, socialmente o fato e eticamente o valor, na tríplice visão do Direito), filósofo culturalista, com a Dialética da Complementaridade, filiou-se ao pensamento de Tobias Barreto, sendo, modernamente, o seu mais importante divulgador, contando com Antonio Paim, Paulo Mercadante e outros integrantes do Instituto Brasileiro de Filosofia. Fundador do Instituto de Filosofia Luso Brasileira, em Lisboa, em 1992, e seu presidente de honra, Miguel Reale teve papel destacado nos Colóquios Tobias Barreto, realizados em Portugal (Lisboa, Évora, Porto, Viana de Castelo, Braga, Ponta Delgada – Açores) a partir de julho de 1990, como teve forte influência sobre o professor italiano Mário Losano, estudioso do germanismo de Tobias Barreto. Organizador e presidente dos Congressos Brasileiros de Filosofia ( o último, o VII, aconteceu em João Pessoa, na Paraíba, em 2002) Miguel Reale tornou-se um líder, sempre presente, aglutinando, ouvindo as diversas vozes, nem sempre uníssonas, resguardando a importância do pensamento brasileiro, difundido nos Anais dos Congressos, dos Colóquios, e nas páginas da Revista do IBF, mantida em circulação por esforços pessoais. Foi pensando na sobrevivência do IBF e da Revista que criou, há alguns anos, a Fundação Luce e Miguel Reale, oferecendo mais um grande gesto em favor da filosofia no Brasil. Festejado em várias partes do mundo, com títulos de honra acadêmica, Miguel Reale firmou-se como um dos mais notáveis brasileiros do século XX e XXI, graças a sua disposição de participar da vida do País. Coordenando a Comissão do Código Civil, deu a linha mestra do texto finalmente aprovado, e o fez em nome do ideário culturalista, numa homenagem sincera a Tobias Barreto. As lições que acumulou ao longo do tempo, os dabetes, as divergências, enfim todo o saldo de aprendizagem serviram para enriquecer a norma, atualizando-a para servir ao Brasil e aos brasileiros. O Código Civil é, assim, a sua última grande obra, pela qual deu ao Brasil a oportunidade de atualizar-se no convívio social dos seus interesses. Miguel Reale fará muita falta. E sua substituição na Academia Brasileira de Letras, na presidência do Instituto Brasileiro de Filosofia, e nos fóruns filosóficos brasileiros será difícil. Em Portugal, o professor José Esteves Pereira, presidente do Instituto de Filosofia Luso Brasileira, contando com o apoio de Antonio Paim, que atualmente pesquisa e leciona em Lisboa, pensa em dar o nome de Miguel Reale aos Colóquios Tobias Barreto e Antero de Quental, eventos que representam a tentativa de esboço de uma síntese da mentalidade dos dois países, que ele sempre estimulou com sua sabedoria.
A morte de Miguel Reale priva o Brasil de uma de suas mais sábias cabeças, daquelas capazes de esclarecer os fatos, descortinando novos horizontes culturais. Lúcido até morrer, aos 95 anos, Miguel Reale foi um exemplo de vida dedicada ao pensamento, contribuindo com sua presença longévua na cátedra, nas páginas dos jornais, nos congressos de filosofia, na editoria da Revista do Instituto Brasileiro de Filosofia e com sua vasta obra para que o Brasil fosse ouvido e considerado, nas reflexões sobre o direito, a filosofia, a aplicação conceitual do culturalismo na vida prática dos brasileiros, como é exemplo o Código Civil, em vigor, que nasceu dos debates liderados por uma Comissão presidida pelo mestre paulista. Miguel Reale no centro, entre Luiz Antonio Barreto e João Ricardo
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