MODOS DE CIRCULAÇÃO DE TEXTOS (PARTE 2)

Circulam, para públicos certos, textos cartoriais importantes, como testamentos, escrituras, inventários, processos, peças iniciais, contestações, sentenças prolatadas, que muitas vezes são fontes históricas preciosas. Os Cartórios, como as bibliotecas e os arquivos, deveriam ser protegidos para que o volume dos textos guardados fossem preservados para o futuro, como são os livros e os papéis textuais públicos, produzidos pela burocracia oficial: leis, decretos, mensagens, planos, projetos, e outros documentos. Todos os textos produzidos por Tobias Barreto como advogado, curador de órfãos e de escravos, e juiz municipal substituto estavam, esquecidos por mais de cem anos, no Cartório da Comarca de Escada, em Pernambuco. Em Aracaju estão muitos dos textos jurídicos de Gumercindo Bessa, como estão no Rio de Janeiro os de Martinho Garcez, Fausto Cardoso e outros luminares sergipanos. Nos arquivos da Justiça Federal, em Sergipe, foram vistos peças de Rui Barbosa e de outros eminentes brasileiros, que militaram em processos que terminaram no Cartório sergipano. As Paróquias, que de algum modo ocupam o lugar das freguesias e capelanias, tiveram livros de tombo e neles fizeram registros importantes de festas, eventos religiosos, e de fatos ligados ao calendário anual, cuja amplitude, a partir da celebração dos Oragos, pode ser compreendida com a leitura do Anuário Sancristovense, livro manuscrito de autoria de Serafim Santiago, escrito em São Cristóvão em 1915, e ainda inédito, tendo como matéria prima a memória do autor, a partir de 1860. Desgraçadamente, os velhos livros católicos sumiram com o tempo, abandonados às traças, ou perdidos nos desvãos do desinteresse. Em Aracaju, na sede da Cúria Metropolitana, existem alguns poucos grossos livros, com anotações dos fatos que a hierarquia da Igreja Católica em Sergipe considerou relevantes, dando a sua versão. Em algumas poucas Igrejas do interior ainda é possível recuperar informações, tão preciosas como aquelas que estão na memória dos fieis. Em certo sentido a oralidade cumpre, junto a escrita, uma relação biunívica, espécie de mão dupla, no entrelaçamento constante que justifica o oral fixar-se em texto escrito e este cair no domínio público das conversas e parar na memória do povo. O melhor exemplo desse fenômeno é o boato, tido como “notícia sem fundamento”, presente em todas as sociedades do mundo. As barbearias e as farmácias, mais que outros, eram locais conotados, como fontes onde os boatos nasciam e corriam, levados pelos fregueses. Dizia-se, por exemplo, em Aracaju, por volta da década de 1950, que o boato nascia na Casa Yankee, tomava corpo na Farmácia Confiança, de Dr. Berilo Leite, calçava botas na Sapataria Mascarenhas, e ganhava o Aracaju que ninguém segurava. O boato tem as duas formas, é essencialmente oral no cotidiano social, mas ganha a forma escrita em situações especiais, como as campanhas eleitorais, por exemplo. Nesta época são muitos os panfletos, jornais, publicações diversas veiculando boatos que visam atingir os contendores. Tais volantes mantém o anonimato do seu autor ou dos autores, e geralmente são impressos clandestinamente. Alguns panfletos, contendo fatos desrespeitosos e injuriosos ou difamatórios ou caluniosos, quando interceptados e identificados os seus autores e editores, terminam peças de processos, na Justiça Eleitoral. Oral ou escrito o boato é uma narrativa popular, freqüente, estruturada como texto tronco, do qual proliferam as variantes, como se tomasse por empréstimo do folclore a expressão “quem conta um conto, aumenta um ponto”, ganhando cunho de veracidade e força de credibilidade em outra expressão popular: “quando o povo diz (ou fala), ou foi, ou é, ou tá pra ser”. Muitas vezes o boato parte da meia verdade, que põe em dúvida o ouvinte, no processo de comunicação social, facilitando a recepção do texto. Diferentemente da anedota, da piada, que são estórias curtas, que buscam explorar o humor, o boato encerra um conceito moral, de honra, encoberto na narrativa. Um faz rir, o outro visa atingir a imagem do seu personagem. A tipologia, contudo, remete ao universo do conto popular, na medida em que também entra no processo de comunicação a folclorização dos temas, conjugando características abonadoras, como a expressividade no modo de espalhar o boato, a dinâmica de sua circulação social, a genuína e colegiada relação entre quem “inventa” e quem “comunica” o texto, localizando-o no ambiente do interesse onde deve chegar a mensagem. Na própria raiz etimológica do termo, do latim boatus, de boare, os dicionaristas da língua portuguesa, como Caldas Aulete, definiram o boato como a novidade, no sentido de notícia, que circula no público, sem autor conhecido que a autentique. E assim o boato resiste, presente em todas as sociedades, alimentando o imaginário com seu poder motivador. Nestes tempos eleitorais no Brasil os boatos fazem grande efeito nos negócios, elevando ou determinando a queda nas bolsas, franqueando a cotação do dólar, face ao real, dentre muitas outras conseqüências, sempre detectadas, mas nem sempre associada ao poder comunicante do pequeno texto, que corre célere, de boca em boca. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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