A cultura pareceu, sempre, algo suspeito e só ganhava visibilidade quando incomodava. Os artistas foram, durante muito tempo, marcados, vigiados, patrulhados, censurados e pagavam caro pela liberdade e ousadia exibidos em suas obras. Não era preciso o terror próprio das ditaduras, para que as chamadas “manifestações do espírito” entrassem na alça de mira das classes hegemônicas. Desertas de cultura, as sociedades periféricas sobreviviam consumindo repertórios legados pela tradição ou aqueles preparados para ocupar as mentes e corações das camadas crédulas e resignadas.
A produção cultural local e a valorização das artes esbarravam na falta absoluta de estímulos, pois afinal a escolarização da realidade deixava claro que não se devia escrever, mas apenas ler, não se devia pensar, mas apenas repetir as frases lapidares, invariavelmente presentes como pérolas de discursos, como fogos de vista, meramente de efeitos artificiais. E no entanto, artistas, escritores, pensadores insistiam na luta pela cultura local, desafiando os obstáculos. Há quem lembre, por exemplo, do esforço que o poeta Freire Ribeiro fazia, junto aos amigos, aos conhecidos e até desconhecidos, para vender os livros que editava, com sua poesia de festa.
Quando Aracaju verticalizou o modo de morar dos seus habitantes, os prédios e condomínios de apartamentos receberam nomes estrangeiros, de praias e lugares famosos, de pessoas ilustres e poderosas. Também os logradouros públicos, praças, avenidas, ruas, onde nomes de vultos locais apareciam com certa freqüência, passaram a prestar homenagens a benfeitores de ocasião, como dirigentes de serviços públicos. Os conjuntos habitacionais são a melhor prova: Eduardo Gomes, Assis Chateaubriand, Marcos Freire, Castelo Branco, Médici, Costa e Silva, Fernando Collor, dentre outros.
Foi lento, muito lento o processo de mudança de atitude. As reações, que são dignas de evocação, abriram caminhos para que crescesse entre os sergipanos o sentimento de que sua cultura é um patrimônio inalienável, e que dela depende a sua identidade. Algumas iniciativas devem ser lembradas, como a da Caderneta Associação de Poupança e Empréstimo, que ditou um pôster com imagem e texto de Aracaju, distribuindo-o por toda a cidade; a da empresa de publicidade de Antonio Bonfim, que atendendo a conta do BANESE preparou um Relatório com fotos e textos sergipanos; ou, ainda, algumas publicações que seguiam as trilhas abertas por Armando Barreto, o editor do Cadastro de Sergipe, e trataram das coisas da terra, tendo como promotores Clodoaldo de Alencar Filho, Benvindo Sales de Campos, Elio Rodrigues, dentre outros.
É preciso, agora, realçar o que vem fazendo as construtoras e incorporadoras, dando nomes sergipanos aos seus luxuosos condomínios e edifícios. A NORCON, por exemplo, vem prestando homenagens figuras públicas e a políticos que deram a contribuição esclarecida, ao Estado e ao País, como o médico Costa Pinto, o Padre Arnóbio Patrício de Melo, que foram vereadores, o advogado Jaime Araújo, o médico Otávio Martins Penalva, o empresário Oviêdo Teixeira, que foram deputados estaduais, o acadêmico Seixas Dória, que foi brilhante parlamentar e governador do Estado, dentre outros nomes igualmente dignos do panteão da posteridade.
Hoje as artistas sergipanos gravam seus discos, editam livros, ocupam as cátedras universitárias, transitam pelo País trocando experiências, demonstrando o nível da cultura local. Não é preciso mais emigrar para ser reconhecido. O santo de casa já faz milagres. O sucesso da banda Calcinha Preta, no Brasil todo, serve de exemplo, mesmo abstraindo o modelo que ela segue.
Neste ano de 2006, especialmente, a cultura sergipana recebeu um reforço que é digno de todos os louvores. A Escola Superior da Magistratura – ESMESE, o Tribunal de Contas do Estado, a Secretaria de Estado da Cultura, a ENERGIPE prepararam Calendários de mesa com motivos locais. A ESMESE selecionou 12 figuras de sergipanos ilustres, com nascimento ou morte nos meses do ano, e publicou um lindo Calendário, com foto e verbete biográfico dos intelectuais escolhidos; o Tribunal de Contas organizou seu Calendário com o próprio e belo acervo de obras de artes sergipanas, recentemente expostas na Galeria em que foi convertido o hall do TC; a Secretaria de Estado da Cultura deu visibilidade as unidades culturais de sua estrutura, destacando o Arquivo Público, a Biblioteca Epifânio Dória, os Museus, Galerias, os Teatros Tobias Barreto, Ateneu e Lourival Baptista, centros culturais e memoriais, revelando a imensa responsabilidade de gerenciamento do setor cultural do Estado; e a ENERGIPE optou por mostrar os diversos olhares que os artistas sergipanos têm dianteda árvore de natal, que anualmente a empresa arma na Coroa do Meio. Os aplausos vão, também, para Ilma Fontes e para outros solitários combatentes das lutas culturais, que elaboraram agendas, calendários, exposições, editaram livros, jornais, revistas, alimentando a idéia de liberdade intelectual para os sergipanos.