Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, professora da Universidade Federal de Sergipe, apresentou em Campinas, na Faculdade de Educação da Universidade Estadual, uma tese de doutoramento, na área de educação, sociedade e cultura, sobre três mulheres sergipanas: Quintina Diniz, Ítala Silva de Oliveira e Maria Rita Soares de Andrade, que representam, na história do século XX em Sergipe, biografias pioneiras e modelares. Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas vai além da exigência formal da academia, ao biografar a professora, a médica e a advogada no contexto de suas atividades, examinando cenários, fixando fatos e refletindo sobre a sociedade sergipana nas primeiras décadas do século passado. Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, que estudou no Instituto de Educação Rui Barbosa e iniciou seu curso de Pedagogia na UFS, concluído no Rio Grande do Sul, já havia oferecido em livro a sua Dissertação de Mestrado – Vestidas de Azul e Branco – Um estudo sobre as representações de ex-normalistas (1920-1950) (Aracaju: UFS – Núcleo de Pós Graduação em Educação/FAP, 2003), que praticamente esgota a pesquisa e a interpretação da história e do cotidiano da Escola Normal, de Aracaju. Foi assim, certamente, que ela teve notícia de algumas professoras consagradas pela trajetória intelectual, como Etelvina Amália de Siqueira, que desde os anos de 1880, quando ainda era normalista, estava no batente do jornal politizando, clamando pelo fim da escravatura, auxiliando a Francisco José Alves na Sociedade Libertadora Sergipana, colaborando no O Libertador, escrevendo e declamando poemas, escrevendo letras para hinos escolares, como se pode ver no Hinário Sergipano, livro de 1912, ou, ainda, participando da Hora Literária, organização que precedeu a Academia Sergipana de Letras. Foi examinando os prontuários dos professores e professoras da Escola Normal, uma das mais importantes elites intelectuais de Sergipe, na qual pontificaram Norma Reis, Penélope Magalhães, Ceicinha Melo, que Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas encontrou o fio da meada, puxado desde Quintina Diniz para enredar, na mesma elite feminina, outras mulheres geniais, como Itala Silva de Oliveira e Maria Rita Soares de Andrade. Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro ( 1878-1942), professora laranjeirense, da linha de Possidonia Bragança, exerceu o magistério na antiga Escola Normal e manteve o Colégio Sant’Ana em Aracaju, instalado por algum tempo na avenida Rio Branco, depois transferido para a rua de Maroim, onde funcionou até o início da década de 1940, educando as moças sergipanas, tanto as de Aracaju, como as oriundas de vários municípios. Em 1935, no curto período de organização democrática da chamada República Nova, Quintina Diniz foi eleita deputada estadual constituinte, participando da elaboração da Constituição estadual de 1935. Foi a primeira mulher a ter esse tipo de participação política, decorrente tanto das suas ligações de família, quanto de seu engajamento nas causas atuais do seu tempo, incluindo o movimento feminista que empolgou e destacou algumas mulheres, em todo o Brasil. Dentre suas alunas merece referência Ofenísia Soares Freire, de Estancia, exemplo de mestra, de mulher e de intelectual, engajada ideologicamente, reunindo qualidades que promovem, ainda hoje, a admiração dos sergipanos. As mulheres só voltariam a ser representadas na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe 20 anos depois, em 1954, com Núbia Nabuco Macedo, esposa de Francisco de Araújo Macedo, líder do Partido Trabalhista Brasileiro, em Sergipe. Ítala Silva de Oliveira (1897-1984) foi, sem favor, a melhor presença feminina no jornalismo de Aracaju, nas primeiras décadas do século XX. Seus artigos eram densos e consistentes, abordando temas da atualidade e defendendo caminhos que visavam renovar a vida sergipana. Sustentando suas idéias, Ítala Silva de Oliveira enfrentava opiniões divergentes, com a garra de quem combatia sempre o bom combate. Convém fixar que a sua colaboração na imprensa foi anterior e durante a sua formação na Bahia, estudando na Faculdade de Medicina. Isto significa dizer que aos 19 anos, pelo Diário da Manhã, Ítala Silva de Oliveira enfrentou, em polêmica ruidosa sobre educação, ao experiente Helvécio de Andrade, médico, professor e Diretor da Instrução Pública do Estado. A formação como médica, aos 30 anos, com a Dissertação da Sexualidade e da Educação Sexual, deu a Ítala Silva de Oliveira um novo rumo biográfico. Desde 1927 que escasseiam as informações, sabendo-se que ela viveu em Salvador e no Rio de Janeiro, exercendo a profissão junto a comunidades periféricas, desligada de Sergipe. Maria Rita Soares de Andrade (1904-1998) realizou, enquanto viveu, um itinerário combativo, engajado, coerente. No último dia 3 de abril transcorreu o Centenário de seu nascimento, sem celebrações, o que não deixa de ser lamentável e triste. Jornalista, professora, advogada, magistrada, Maria Rita assumiu ainda muito jovem as lutas do seu tempo, participando dos movimentos que queriam reconstruir o Brasil, como a Revolução de 1930, que levou ao Poder em Sergipe Augusto Maynard Gomes, líder do movimento dos tenentes de 1924 e 1926. A revista Renovação marcou um tipo de contribuição intelectual que deu a Maria Rita Soares de Andrade uma liderança, que ela conservou pelos anos seguintes, despertando admiração e respeito das novas gerações sergipanas. A polêmica com Franco Freire, sobre a situação do Ateneu, então dirigido pelo engenheiro Leandro Diniz, é um momento de brio e de coragem, em meio a métodos e práticas comuns no Estado, como a de não acatar os resultados dos concursos. Com sua Dissertação Vestidas de Azul e Branco e com sua Tese Educação, Trabalho e Ação Política: Sergipanas no Início do Século XX, a professora Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas recupera belas páginas da história educacional e cultural de Sergipe, capítulos essenciais para a compreensão da formação da mulher sergipana, enriquecidos por fatos que cercaram a vida das mulheres biografadas. São, portanto, dois importantes trabalhos, que precisam ser lidos como fontes referenciais imprescindíveis ao conhecimento das novas gerações. Anamaria Bueno de Freitas demonstra como é possível fazer da pesquisa um instrumento criterioso de reconstrução intelectual, indo muito além do que manda o cânone universitário. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”