MÚSICA E POESIA NA VIDA DE UM ARTISTA

Os anos 1960 mudaram, radicalmente, o Brasil e o mundo. Lá fora as agitações estudantis, notadamente na França, deram a nota política, chamando a atenção para um mundo conturbado, com contratos sociais vencidos, sustentados pela força. Enquanto velhos hábitos de dominação urdiam perfis de países e de sociedades, a corrida espacial levava o homem à lua, na fantástica viagem de julho de 1969. O Brasil mergulhava na incerteza da ditadura militar, atropelando os anseios de mudança expostos nas ruas, antes de 1964. Aqui também a juventude assumiu, com seus estudantes e artistas, a resistência democrática. Foi por aí, na moldura de tais cenários, que José Gomes Sobrinho, pernambucano de Garanhuns, nascido em 1935 chegou para fazer de Aracaju sua nova pátria. Aqui casou, com Gilda Torres, teve 7 filhos – Hiran, Luiz Roberto, Sérgio, Eduardo, Acácia e André -, embora alguns tenham nascido em outras cidades e Estados, e exerceu um magistério informal junto aos jovens, falando de música e de poesia, com um jeito especial de artista universal. A presença de José Gomes Sobrinho, que adotava o nome de Melchiades, representa um estágio avançado de aprendizagem cultural. Ele formava leitores, ouvintes, público, com a simplicidade dos bons. Sua casa, uma delas na avenida Minas Gerais, nas proximidades do Hospital de Santa Isabel, era um lugar mágico onde se ouvia Thelonious Monk, Dave Brubeck, ou se viajava pelo cancioneiro italiano, nas vozes mais autênticas da Itália. Nas suas viagens, que eram freqüentes por conta do seu trabalho técnico na PETROBRÁS, as tarefas de iniciação cultural passavam para Gilda, inclusive as de levar os jovens estudantes ao teatro e ao cinema. Melchiades trabalhou na SCAS – Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, ao lado de João Costa, José Carlos Teixeira, Nascimento, e de outros colaboradores daquela entidade fundada no início da década de 1950. Aquele homem magro, lépido, de sorriso posto ao alcance de qualquer pessoa, parecia sempre ter pressa, e era o nosso porto seguro, onde atracávamos as nossas ansiedades e inseguranças. Anos depois a Amazônia, o Rio de Janeiro, a volta a Aracaju, a mudança para Araguaína, novos trabalhos, doenças, e parecia que José Gomes Sobrinho vivia em dobro, festejava centenários, como ser atemporal nas vidas de tantos filhos que adotou pelos caminhos da existência. Palmas, no Tocantins, foi sua última paixão e certamente construiu sonhos, partilhando com outros seu mundo e sua vida. Seu filho Roberto (José Roberto Torres Gomes, Procurador do Ministério Público de Contas, no Tocantins) define bem os sonhos do pai: “Foi o sonho que o fez inquieto, buliçoso, doido por estradas e vôos… Sonhando venceu as limitações de sua instrução formal, e aprendeu outras línguas e falares…Foi a força tremenda de seu sonho que infligiu ao câncer derrotas humilhantes.” Em 1996 José Gomes Sobrinho publicou o livro de poemas Considerações em dó furtivo maior, expondo a síntese da música e da poesia que eram as suas linguagens. Um poeta límpido, a dizer: “Trouxe nas mãos um pedaço de sol e deu-o à sua amada dizendo – toma querida eu queria te dar mais mas não posso o meu braço não alcança…. Trouxe nos olhos o azul Perdido Refletido do mar e deu-o à sua amada dizendo – toma querida venho de longe trazendo este azul tirado do melhor céu – é para dar cor à sua vida. Trouxe no olhos um olhar Perdido Repleto de adeuses e deu-o à sua amada dizendo é a última coisa que te posso dar… Depois não lhe ofereceu mais nada (porque mais nada havia que à amada pudesse interessar…) José Gomes Sobrinho/José Melchiades morreu aos 68 anos, quarta feira, 5 de maio, em Palmas, no Tocantins, onde era conselheiro de cultura, acadêmico de letras, guia intelectual, artista na mais ampla compreensão do qualificativo. Deixa sem pai uma geração de brasileiros e de sergipanos, criada no riso, na pantomima, na palavra, na audição atenta, no olhar irresistível, no encontro artístico com a vida, que ele festejava como imorrível, dizendo bem humorado: “Não morro, nem que me matem.” E concluía: “Poeta não morre, vira estrela. E segue, eternamente, livre.” Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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