Cantora: MARIA BETHÂNIA
CD: “DENTRO DO MAR TEM RIO – Ao Vivo”
Gravadora: BISCOITO FINO
Desde que surgiu no cenário da música popular brasileira advinda de Santo Amaro da Purificação (BA) para substituir Nara Leão no polêmico espetáculo “Opinião”, a irmã mais famosa de Caetano Veloso chamou a atenção por ser diferente. Alta, magra, com uma voz grave e por vezes semitonada, em cena destacava-se pelas interpretações visceralmente teatrais que empregava às canções.
O tempo foi passando, Maria Bethânia foi domando o seu canto e, com a vaga deixada por Elis Regina, transformou-se na maior intérprete feminina deste país tão rico em cantoras talentosas.
Depois de vivenciar de perto a crise por que passa, já há algum tempo, a indústria fonográfica e sair da Universal, gravadora pela qual, enquanto Philips, registrou a maior parte de sua extensa discografia, Bethânia aportou na Biscoito Fino onde tem recebido merecido tratamento vip. Lançando regularmente, nos últimos anos, trabalhos temáticos, a artista pôs nas lojas, em 2006 e de maneira concomitante, dois discos: um dedicado às águas doces (“Pirata”) e outro às águas salgadas (“Mar de Sophia”). Deles, resultou o show intitulado “Dentro do Mar Tem Rio” que, registrado ao vivo, chega agora às lojas em CD duplo (o DVD correlato foi rejeitado pela exigente Bethânia e está sendo novamente filmado para possível lançamento em 2008).
No palco, ela cresce majestosa e se tecnicamente as canções terminam perdendo sutilezas quando comparadas aos registros feitos em estúdio, acabam por ganhar (e muito) em emoção.
Com seis décadas de vida, a filha caçula de Dona Canô está a cantar cada vez melhor. Como de costume, entremeia o repertório do espetáculo com citações poéticas, conferindo-lhe uma aura etérea, e encadeia, incansável, uma canção atrás da outra, roubando o fôlego dos espectadores.
Dirigido por Bia Lessa, com roteiro costurado pela própria Bethânia e Fauzi Arap, o show leva a assinatura de Jaime Além na direção musical, maestro perfeitamente entrosado ao universo bethaniano. De discos antigos, a baiana resgata “O Canto da Cidade” (de Caetano Veloso), “Gostoso Demais” (de Dominguinhos e Nando Cordel), “Você” (de Roberto e Erasmo Carlos), “Filosofia Pura” (de Roberto Mendes e Jorge Portugal) e “Movimento dos Barcos” (de Jards Macalé e Capinam). De repertórios alheios, pinça “Sob Medida” (de Chico Buarque) e “Agora” (dos Titãs). Mas a base é fincada mesmo nas canções dos dois supracitados álbuns, de onde emergem, graciosas, pérolas como “Lágrima” (de Roque Ferreira), “A Dona do Raio e do Vento” (de Paulo César Pinheiro), “Memórias do Mar” (de Vevé Calazans), “Debaixo d’Água” (de Arnaldo Antunes) e “Eu que Não Sei Quase Nada do Mar” (de Ana Carolina e Jorge Vercillo).
Um belo trabalho para os seus milhares de fãs que mostra Maria Bethânia fazendo aquilo que mais sabe: encantar.
Cantor: DIOGO NOGUEIRA
CD: “AO VIVO”
Gravadora: EMI
Estrear no mercado fonográfico com um trabalho gravado ao vivo é coisa para poucos. Marisa Monte fez isso, mas os tempos e as circunstâncias eram outras. Em uma questionável estratégia de marketing da gravadora EMI, acaba de chegar às lojas, contendo quatorze faixas, o primeiro CD do cantor e compositor Diogo Nogueira (também disponível em formato DVD, com seis faixas adicionais). Ele é filho de João Nogueira, lendário artista ligado ao samba, e, como o pai, também abraçou o característico ritmo brasileiro como mola propulsora da carreira.
As comparações tornam-se inevitáveis: da mesma forma que Maria Rita até hoje tenta se livrar do estigma de Elis Regina, Diogo deverá levar algum tempo para ver seu talento reconhecido longe da sombra de João. De fato, o timbre de sua voz lembra bastante o do pai: é o tal DNA. Com voz grave e extensão considerável, o rapaz conta a seu favor com um porte esguio e uma presença incontestavelmente bonita, o que já tem lhe garantido inúmeras fãs de primeira hora que vêm lotando as suas apresentações.
A crítica dita especializada, no entanto, não lhe tem sido muito favorável, mas o fato é que se tem pegado pesado sem muita razão. Na verdade, Diogo mostra-se à vontade no palco e tem vivência no meio. Há de se reconhecer que talvez não fossem necessárias regravações de tantos sucessos do pai famoso, caso das belas “Poder da Criação”, “Batendo a Porta” e “Nó na Madeira”, mormente em um trabalho inaugural, mas (com bons olhos) isso pode ser visto como uma homenagem (mesmo sendo uma forma que a gravadora encontrou para vender mais discos). E não deixa de ser: trata-se de uma reverência, a qual, como um rito de passagem, não soa tão descabida assim.
Produzido pelo experiente Alceu Maia e gravado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, durante a realização de shows no mês de julho passado, o projeto conta com as participações especiais de Marcelo D2 (boa intervenção em “É Preciso Lutar”), de Xande dos Pilares (na animada “Cai no Samba”) e do violonista Marcel Powell (na pérola “Violão Vadio”, parceria do pai Baden com Paulo César Pinheiro).
De repertório alheio, Diogo também pinçou “Vazio”, bela canção de Nelson Rufino que foi eternizada pelo inesquecível Roberto Ribeiro, mas o cantor resulta de fato mais interessante quando mergulha em músicas inéditas, como se constata em “Vi no Seu Olhar”, “Lua de um Poeta” e “Fé em Deus”, por exemplo.
Quanto ao lado compositor, embora aflore discreto nesse trabalho, soa competente nas parcerias das faixas “Laço Desfeito”, “Trem do Tempo” e “Samba pros Poetas”.
Pessoalmente e contra a corrente, intuo que Diogo Nogueira terá futuro promissor. Quiçá o futuro me dê razão!…
N O V I D A D E S
· A banda sergipana Alapada lança o seu segundo CD, gravado de forma totalmente independente. Intitulado “Fazendo Valer”, o novo trabalho marca a estréia do baixista Jamesson Santana que vem substituir Gutierre de La Peña, agora desenvolvendo um outro trabalho ao lado de Lelo Almeida. Completam o (d)escolado time: Naná Escalabre nos vocais, Evandro Schiruder na guitarra e Júlio Fonseca na bateria. O disco, composto por treze faixas, é todo autoral e o som traz uma pegada roqueira, permeada por influências várias. Dentre os destaques, além da faixa-título, estão as canções “Andarilho”, “Beijo de Judas” e “De Boa!”. Os garotos, que já engataram uma música em trilha sonora de novela da Rede Record e que atualmente tentam maiores chances em São Paulo, possuem em mãos um ótimo cartão de visitas. Agora é continuar correndo atrás e contar com a sorte. Nós, daqui, ficamos na torcida!
· Produzido pelo competente Arnaldo DeSouteiro para o selo JSR, foi lançado recentemente aqui no Brasil o novo e ótimo CD do percussionista Thiago de Mello, desta vez ao lado do saxofonista Dexter Payne. Para quem gosta de música de altíssima qualidade, trata-se de uma excelente pedida! São treze faixas nas quais os talentos ímpares destes músicos saltam aos ouvidos. A sensacional cantora Ithamara Koorax faz participação especial nas únicas quatro canções letradas: a faixa-título “Another Feeling”, “An Evening Prayer”, “The Exile Song” (estas, não obstante os títulos em inglês, são cantadas em português) e “Urumutum / Swing Low, Sweet Chariot”. Imperdível!
· O Detran do Rio de Janeiro está desenvolvendo a campanha “Imprudência, Não!” e dela faz parte o CD “Mudança de Atitude”, composto por onze faixas, a maioria delas assinada por Edu Casanova, que também é o responsável pela produção musical. Dentre os intérpretes que abraçaram a boa idéia estão Luiza Possi, Max Viana, Celso Fonseca, Thalma de Freitas, Beth Carvalho, Serjão Loroza e Mart’nália.
· A maranhense Sandra Duailibe lança, de maneira independente, o seu primeiro CD intitulado “Do Princípio ao Sem-Fim”. Com quatorze faixas, o disco (que teve a produção a cargo de Zé Américo Bastos) mostra uma intérprete segura que, se muito não ousa, também nada fica a dever. Com voz grave de timbre aveludado, a cantora passeia por um repertório sem surpresas, mas que alia autores de ponta (Ivan Lins com Vítor Martins em “Doce Presença” e Pixinguinha com Vinicius de Moraes em “Mundo Melhor”, por exemplo) a outros menos conhecidos (caso de Euler Vidigal com Lula Freire em “Foi com Você” e Paulo Valdez com Octávio de Moraes em “Meiga Presença”). Os melhores momentos ficam por conta de “Morro de Saudade” (bela canção pouco conhecida de Gonzaguinha, gravada originalmente por Gal Costa sem grande repercussão), de “Lua Brasileira” (bom tema de Fátima Guedes) e de “Refil” (inspirada parceria de Fhernanda com Sarah Benchimol).
· O exímio violonista Yamandu Costa acaba de pôr no mercado o seu novo CD, o sétimo da vitoriosa carreira, através do qual se volta para os ritmos de sua terra natal, o Rio Grande do Sul. Intitulado “Lida”, o álbum conta com as participações do baixista Guto Wirtti e do violinista Nicolas Krassik e traz, entre outras belas faixas, es envolventes “Ana Terra”, “Brincante” e “Baionga”.
· Já está disponível no mercado o segundo CD de Siba e a Fuloresta (grupo composto por músicos tradicionais de Nazaré da Mata, pequena cidade de 30.000 habitantes e importante pólo de maracatu rural a 65 km de Recife), intitulado “Toda Vez que Eu Dou um Passo, o Mundo Sai do Lugar”. Siba é cantor, compositor e instrumentista pernambucano que busca sua inspiração nas raízes nordestinas. Neste novo trabalho, ele tenta dosar a tradição do interior com aspectos da cidade grande. Ex-integrante do grupo Mestre Ambrósio, Siba abraça de cabeça a poesia popular emoldurando-a com frevo, samba, maracatu, coco, ciranda e baião. Há as participações especiais das cantoras Céu (em “Cantar Ciranda”) e Isaar (em “A Velha da Capa Preta”), de Zé Galdino (em “12 Linhas”) e dos músicos Lúcio Maia, integrante da Nação Zumbi (em “Alados”) e Fernando Catatau, da banda Cidadão Instigado (em “Meu Time”, uma das melhores faixas do disco). Outros destaques ficam por conta de “Será?” e “Bloco da Bicharada”. O próprio Siba assina a produção ao lado de Beto Villares e os grafiteiros paulistanos Os Gêmeos são os responsáveis pelo criativo projeto gráfico do CD.
· O selo Rádio MEC juntou-se à Rob Digital para lançar o primeiro CD da Orquestra Lunar formada por dez mulheres. Os vocais são divididos entre as cantoras Áurea Martins e Vika Barcellos. No repertório, canções que exaltam a alma feminina, como, por exemplo: “Garrafas ao Mar” (de Fátima Guedes), “Grávida” (de Marina Lima e Arnaldo Antunes) e “Divina Missão” (de Dona Ivone Lara e Bruno Castro).
· Depois de dois ótimos discos que foram muito bem recebidos pela crítica (“Arrasta a Sandália”, de 1996, e “Tenho Saudade”, de 2000), a cantora Carmina Juarez põe no mercado, ainda que com distribuição precária, seu primeiro DVD, editado dentro da série “Toca Brasil”, integrante do projeto Itaú Cultural. Intitulado “Caruana”, o registro ao vivo apresenta, no seu repertório, canções de Chico César (“Dança”), Nando Reis (“As Coisas Tão Mais Lindas”) e Carlinhos Brown (“Argila”). Com o irmão, o também cantor Thiago Pinheiro, Carmina faz duetos em músicas como “Vô Alfredo” (frevo de Guinga e Aldir Blanc).
· E a nossa Musiqualidade agradece os vários comentários elogiosos recebidos durante todo o ano que ora finda, bem como também as inúmeras mensagens de boas festas. Fazemos esta Coluna de peito aberto e movidos pelo amor maior: a música. Retribuímos a todos, desejando um Feliz 2008, pleno em conquistas! Fé em Deus e pé na tábua!
RUBENS LISBOA é compositor e cantor
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