MUSIQUALIDADE

R E S E N H A     1

 

Cantor: ZECA BALEIRO

CD: “O CORAÇÃO DO HOMEM-BOMBA – Volume 1”

Gravadora: MZA

 

O que há de mais mágico na música é que os seus deuses revestem cada artista de características próprias, unas e indivisíveis. Alguns têm um estilo tão determinado que suas obras são reconhecidas em qualquer canto. Estes, no entanto, devem ter muito cuidado para não soarem repetitivos e previsíveis. Outros, por seu turno, são dotados de uma pluralidade (ou seria coragem de ousar?) que os fazem experimentar todas as vertentes musicais. Os mais privilegiados quase sempre se dão bem na maioria delas.

Este parece ser o caso do maranhense Zeca Baleiro. Inteligente e criativo, o artista adentrou com toda a garra no mercado fonográfico nacional e, de cara, apresentou dois álbuns magistrais: “Onde Andará Stephen Fry?” e “Vô Imbolá”. Neles, ficava claro o seu talento inato para passear por vários ritmos musicais. Talvez influenciado por uma crítica que inventa paradigmas muitas vezes de forma hipócrita, mergulhou, em seguida, em trabalhos conceituais (“Líricas”, “Pet Shop, Mundo Cão” e “Baladas do Asfalto & Outros Blues”), os quais empanaram, ainda que em doses aceitáveis, sua verve criativa.

Quem acompanha este que ora lhes escreve deve se lembrar que, quando resenhei o derradeiro CD de estúdio de Zeca (o último dos citados acima), chamei atenção para isso e, na mesma ocasião, disse ter certeza de que o artista não seguiria por aí muito tempo, voltando em breve à sua essência eclética. Não, não tenho poderes de prever o futuro, mas é com enorme alegria que constato agora, com o lançamento de “O Coração do Homem-Bomba – Volume 1” (o qual acaba de chegar às lojas pela MZA Music) que a minha previsão estava certa. Não sei se ele chegou a ler o que escrevi ou se levou a sério o papo que tivemos (que topetudo eu!), mas o fato é que, nas entrevistas que vem dando com vistas à divulgação deste novo trabalho, Zeca afirma estar enjoado dessa coisa de conceito.

O álbum recém-lançado é uma parte do projeto que ele planeja lançar este ano. Em novembro deverá estar disponível o volume 2, que também virá recheado de canções inéditas. Zeca é mesmo inquieto (também responde pela produção de discos de vários colegas e abriu, ao lado de Rossana Decelso, o selo “Saravá”, pelo qual têm sido lançados títulos bem interessantes) e isto é muito bom para o seu público e para a nossa música popular brasileira em geral. Diferentemente dos dois álbuns lançados concomitantemente por Marisa Monte e Maria Bethânia (que, por não guardarem conexão entre si, sustentavam-se sozinhos), os dois novos discos de Zeca têm ligação um com o outro (senão não estariam dispostos, com o mesmo título, em dois volumes), razão porque talvez fosse mais aconselhável fazer uma análise geral da obra quando o próximo saísse. No entanto, como vêm separados por um período de meses, há que se analisar o volume inicial sob o prisma do que ora se apresenta. E o resultado que se vislumbra é um Zeca em pleno vigor criativo, antenado com o momento mundial presente.

Entremeado com três excelentes vinhetas, o CD, produzido a quatro mãos pelo próprio Zeca e Evaldo Luna, traz dez canções cujos arranjos são executados por uma banda enxuta e azeitada, formada por músicos que conhecem a fundo o trabalho do artista e que ora atendem pela alcunha de Os Bombásticos.

E se os metais dão o tom supostamente brega de “Você Não Liga Pra Mim”, criam o clima ideal para que a (boa) voz grave de Zeca ressalte os versos politicamente corretos de “Alma Não Tem Cor” (de André Abujamra). A deliciosa “Vai de Madureira” vem a seguir, revestida de samba-funk e trazendo a participação especial, nos vocais, do grupo Criolina. Já “Elas Por Elas” segue a trilha aberta por Gilberto Gil em “Sandra” e a ótima “Ela Falou Malandro” (parceria de Zeca com Zé Geraldo) é prima-irmã de “Telegrama” (aquela que Zeca fala, na letra, em Aracaju), transformando-se em um dos melhores momentos do álbum, ao lado de “Geraldo Vandré” (parceria com Chico César, canção que se sustenta na tênue linha entre o elogio e a crítica). Apropriando-se de um gostoso jogo de palavras (outra característica do artista), “Você É Má” aparece como inspirada parceria de Zeca com o baixista Joãozinho Gomes e “Toca Raul” mostra sua divertida reação quando pedem para que cante músicas do Maluco Beleza. Completam o repertório uma releitura moderninha de “Bola Dividida” (de Luiz Ayrão) e “Nega Neguinha”, um suingue-de-roda-pop-baiano, que Zeca espera seja o novo gênero da estação.

Enfim, trata-se de um CD bastante legal que marca a volta de Zeca Baleiro à sua liberdade artística. E que venha o segundo volume!

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: JOÃO NOGUEIRA

CD: “O NOME DO SAMBA É JOÃO”

Selo: WEEKEND

 

Sambista no esplendor da palavra, o carioca João Nogueira começou a compor ainda na adolescência para os blocos carnavalescos do bairro do Méier, no Rio de Janeiro, onde morava, até que em 1970 teve sua canção “Corrente de Aço” gravada por Elizeth Cardoso. Daí em diante, engatou um sucesso atrás do outro, o que terminou catapultando-o para o primeiro time dos compositores brasileiros.

Tendo sido um dos fundadores da escola de samba Tradição, João destacou-se ainda por levar à frente o Clube do Samba, entidade cujo objetivo maior era o de preservar e divulgar o samba carioca, e viu canções suas gravadas por vários intérpretes como Elis Regina, Emílio Santiago, Clara Nunes, Alcione e Beth Carvalho, dentre outros.

Em 2000, pouco antes de completar seis décadas de vida, foi chamado para o andar superior, deixando uma inevitável lacuna no meio musical brasileiro, agora amenizada com o lançamento, pelo selo Weekend, de seu primeiro disco póstumo. Oriundo de registros feitos durante apresentações de João em 1998 no Hipódromo Up, point da boemia da zona sul do Rio de Janeiro, o álbum ratifica, através de suas dez faixas, o talento incontestável desse artista ímpar.

Com uma imagem de eterno bonachão e um sorriso que nunca lhe saía dos lábios, João sabia (de verdade) fazer samba. E quando se unia especialmente ao parceiro Paulo César Pinheiro, verdadeiro mago nos escritos, surgiam verdadeiras obras-primas. Algumas delas estão presentes no repertório do álbum recém-lançado como, por exemplo, “Eu Heim, Rosa!” (originalmente gravada pela Pimentinha em seu disco “Essa Mulher”), “Bares da Cidade” e “Rocinha” (sensível tributo a uma das mais famosas favelas cariocas).

Outros parceiros, no entanto, também se fazem presentes: é o caso de Eugênio Monteiro (que, ao lado de João, assina a deliciosa “Nó Na Madeira”), de Mário Lago (parceiro na inspirada “Pro Mundo Morar”) e de Nonato Buzar (que divide os créditos de “Coração na Voz” e da inédita “O Rei da Felicidade”). Já o ótimo maxixe “Apitaço” destaca-se por ser a única que João criou sozinho. Mas os melhores momentos ficam mesmo por conta das canções “Espelho” e “Além do Espelho”, nas quais o artista homenageia seu pai e seu filho (o hoje promissor cantor Diogo Nogueira) e que aparecem entremeadas por um emocionado depoimento.

Um CD que mostra João Nogueira em pleno auge, com seu suingue contagiante e sua bela voz grave naturalmente talhada para o samba, e que, devidamente remasterizado, soa como se tivesse sido gravado ontem. Muito massa!

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     “Antonio Brasileiro” foi o título do programa especial levado ao ar em maio de 1987 pela Rede Globo em comemoração as 60 anos de Tom Jobim. Agora reeditado em DVD, chega ao mercado numa iniciativa da gravadora Biscoito Fino. Dentre outros, há duetos do Maestro Soberano com Chico Buarque (“Anos Dourados”), Edu Lobo (“Choro Bandido”), Marina Lima (“Lígia”), Gal Costa (“Dindi”) e Caetano Veloso (“Eu Sei que Vou te Amar”).

 

·                     Além de Rafael Greyck (que optou por registros voltados para a MPB), o cantor Márcio Greyck (cantor popular romântico que emplacou diversos sucessos nas décadas de setenta e oitenta) possui um outro filho cantor. Trata-se de Bruno Miguel que, seguindo a linha musical do pai, estará lançando em breve, através da gravadora DeckDisc, o seu primeiro CD. No repertório estarão canções de sua própria lavra, além da regravação de “Frisson”, bela canção de autoria de Tunai.

 

·                     “Quinto Elemento” é o título do novo CD que o Quinteto Violado acabou de gravar ao vivo em shows realizados no Teatro Fecap (SP) e que chegará às lojas até o final deste ano com as participações especiais de Guinga e Toninho Ferragutti.

 

·                     Através da série “Som Livre Apresenta”, a gravadora põe no mercado a banda Cof Damu, formada por cinco integrantes e tendo à frente a voz feminina da cantora Véu. Os rapazes tocam legal, a menina canta bem e constata-se que os arranjos são executados com vontade, o que contribui para que, de certa forma, a produção do CD resulte bacana. Mas o problema finca pé no repertório: são dez canções que patinam num pop banal, terminando por desancar o trabalho. Especialmente as melodias pouco convincentes terminam dando a impressão de que a banda se contenta em ser “mais uma” no meio de tantas. Uma pena!

 

·                     Dadi, ex-integrante da banda A Cor do Som e conhecido como o quarto elemento dos Tribalistas, promete para breve o lançamento de seu segundo CD solo que já tem até o título definido: “Bem Aqui”.

 

·                     Lançado de maneira independente, chega às lojas o primeiro CD de Aline Muniz, jovem cantora que vem com todo o gás. Intitulado “Da Pá Virada”, o trabalho é composto por doze faixas, quatro delas de autoria da própria Aline (que é filha da atriz Angelina Muniz) em parceria com Marco de Vita (um dos produtores do disco, ao lado de Lua Lafaette). Infelizmente, são essas faixas as menos interessantes de um álbum que mostra uma cantora afinada, de timbre bonito e dicção perfeita. O repertório traz canções de pegada pop, mas que não se baseiam em idéias insossas. Muito pelo contrário, a cantora é esperta o suficiente para pinçar ótimas músicas de autoria de Tatiana Cobbett (“Básica”) e de Renata Arruda (“Cidade de Isopor”, parceria com Pedrim Gomes), dois dos melhores momentos do álbum. Aline apresenta ainda uma compositora promissora, Andrea Lafa, que se destaca principalmente com a faixa-título e com “Por Que Não?”. Como faixa-bônus e acompanhada somente pelo piano de Amilton Godoy, a artista, mergulhando de cabeça na MPB, dá um show à parte em “O Negócio É Amar” (brilhante parceria de Carlos Lyra com Dolores Duran). Essa garota tem futuro!

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

 

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