Nos livros de música popular brasileira, o nome de Tom Zé está sempre ligado à Tropicália, embora nunca tal associação se faça de imediato na mente das pessoas. Mesmo tendo momentaneamente se unido aos colegas conterrâneos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, a verdade é que Tom Zé passou, logo em seguida, um longo tempo à margem do mercado. Sua música, de fato, não é o que se pode chamar de facilmente palatável, embora seu talento seja inquestionável. Dono de grande verve criativa, Tom Zé lançou recentemente, através da gravadora Biscoito Fino, o CD “Estudando a Bossa” que vem completar a trilogia iniciada com o ótimo “Estudando o Samba” (de 1976) e continuada com o confuso “Estudando o Pagode” (2006). No ano em que se comemora o cinqüentenário da Bossa Nova, o artista apresenta sua (boa) viagem traçando um paralelo entre as construções melódicas complexas bossa-novísticas e a tecnologia brasileira empregada na construção da ponte Rio-Niterói. Tom Zé não está acostumado com as paradas de sucesso e suas canções, via de regra, não são mesmo “cantáveis” a um público médio. Algumas vezes, em discos anteriores, o experimentalismo tomou conta da cena. No álbum recém-lançado, no entanto, nota-se uma tentativa de se aproximar, em alguns casos, do formato mais tradicional da canção popular, tanto que o próprio artista anda fazendo questão de explicitar isto, nas entrevistas de divulgação, ao afirmar que, enfim, lançou um disco de “canções bonitas”. Conhecendo-se tão somente o CD, não se tem a percepção do quanto algumas músicas são legais. Encadeadas umas às outras, elas não apresentam de cara suas reais dimensões. O fato é que crescem sobremaneira no palco, experiência que pôde ser comprovada por quem assistiu às apresentações que Tom Zé realizou, semana retrasada, quando aqui esteve durante a última etapa do projeto MPB Petrobrás deste ano. Para um senhor de exatos setenta e dois anos, chega a ser surpreendente sua performance no palco. Ele pula, gesticula em excesso, corre de um lado para outro e, acima de tudo, mostra-se inteiro através das curiosas e inteligentes intervenções que faz entre uma música e outra, transformando o espetáculo em uma verdadeira aula de música. Acompanhado por uma banda afiada que tem à frente o guardião Jarbas Mariz, ele explicou o seu processo criativo e resgatou algumas canções de fases anteriores. O novo CD, que leva assinatura de Daniel Maia na produção, ressalta também a energia feminina da Bossa Nova através das várias cantoras que se fazem presentes em afetivas participações especiais. Com exceção de David Byrne, único homem convidado (na faixa “Outra Insensatez, Poe!”, uma das melhores da recente safra), uma dúzia de mulheres dividem com Tom Zé os vocais das quatorze faixas que compõem o repertório (quatro delas são assinadas em parceria com Arnaldo Antunes), já que, sozinho, ele canta apenas a divertida “João nos Tribunais”. Entre algumas mais conhecidas como Zélia Duncan (em “Amor do Rio”), Mônica Salmaso (em “Barquinho Herói”), Fabiana Cozza (em “Mulher de Música”) e Jussara Silveira (em “Roquenrol Bim-Bom”), surgem outras que começam a despontar no nosso cenário musical, tais como: Marina De La Riva (em “Bolero de Platão”), Márcia Castro (em “Filho do Pato), Tita Lima (em “O Céu Desabou”), Anellis Assumpção (em “Solvador, Bahia de Caymmi”) e Mariana Aydar (em “Rio Arrepio”). Dentre os melhores momentos estão as inspiradas “Síncope Jãobim” (com Andréia Dias) e “De: Terra; Para: Humanidade” (com Badi Assad). Inquieto, Tom Zé lança um ótimo disco que comprova sua inventividade ímpar. Vale a pena conhecer! A verdade é que, hoje, pouquíssimas pessoas conhecem Hyldon. Os quarentões mais ligados à música e (talvez) só. A juventude bem que canta “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, indubitavelmente o maior sucesso do artista, mas decerto creditam a autoria da canção à banda Kid Abelha, responsável por recente regravação da mesma. Também é verdade que Hyldon nunca teve uma carreira regular. Durante muito tempo, lançou discos de maneira espaçada e engatou somente alguns outros poucos hits, como “As Dores do Mundo” e “Na Sombra de Uma Árvore”. Não obstante esse fato, os entendidos de música popular o catalogam (eles adoram essa coisa de departamentalizar) como um dos vértices do triângulo representativo maior da soul music nacional (os outros dois seriam Tim Maia e Cassiano). Baiano, o artista, porém, nunca deixou de compor. É de uma safra de músicas inéditas que se forma a totalidade do repertório do novo trabalho que o cantor acaba de lançar de maneira independente (são quatorze faixas, tendo sido doze delas criadas recentemente). E embora o título do novo álbum, “Soul Brasileiro”, tente pegar carona no que lhe criaram como estigma, felizmente ele termina soando mais que apenas isso. Nele, Hyldon se mostra um compositor plural, passeando por gêneros musicais que, outrora, lhe soariam inusitados, tais como samba, chorinho e forró. A produção do disco é assinada por ele próprio e aí se notam certas limitações, talvez oriundas de escassez de verba. Produtos independentes têm mesmo que ser vistos sob uma ótica mais complacente. Neles, muito mais que as supostas falhas, deve ser ressaltada a obra do artista em si, sua qualidade intrínseca, e não o que surge como invólucro. Somente o fato de não estar acomodado (ou parado) já faz com que Hyldon seja merecedor de justos aplausos. Mas, apesar de alguns percalços, trata-se de um disco que vem em muito boa hora. Recheado de convidados especiais, desce redondo. Logo na primeira faixa, nota-se que o compositor se encontra em ótima forma: “Medo da Solidão” (que conta com a participação de Chico Buarque tocando kalimba) é canção simples, porém bem acabada e que pega de prima. Em “Copacabana Beach”, o cavaquinho de Alceu Maia dá o suporte necessário para uma letra ao mesmo tempo crítica e divertida. E enquanto a etérea “O Vento Que Vem do Mar” conta com poderoso time de convidados nos vocais (Jorge Vercillo, Tunai, Carlinhos Vergueiro, Dalto e Carlos Dafé), a toada ruralista “A Moça e o Vagabundo” traz a intervenção de Zeca Baleiro (parceiro de Hyldon na faixa) executando o violão base. “Aquele Rapaz de São Paulo”, embora nunca antes tivesse sido registrada, foi composta há mais de trinta anos e talvez por isso seja, dentre as canções apresentadas, a que mais se remete à fase inicial de Hyldon (nela, o convidado é Frejat, responsável pelas guitarras). Carlinhos Brown, por sua vez, toca percussão e baixo em “Bahia do H”. O timbaleiro produziu e mixou a faixa em seu estúdio Ilha dos Sapos, em Salvador (BA) e é citado em “O Choro de Brown”, deliciosa canção que se transforma em um dos pontos altos do disco. Mais um homenageado é o violonista Guinga em outro momento bem bacana: a (quase) instrumental “A Viola e a Moringa” que conta com o timbre macio de Alessandra Verney nos vocais. Ainda fazem parte da festa o sanfoneiro Zé Américo em “Forró da Boca Pequena” e a cantora Karla Sabah que enobrece “O Último Latino-Americano”, faixa que conta também com a presença de Mauro Santa Cecília em um texto falado. Hyldon canta legal. Tem suingue na voz (que, em alguns momentos, lembra o conterrâneo Raul Seixas), mostrando-se perfeitamente à vontade com sua obra e, ao reconhecer que é esse o seu disco mais brasileiro, assume também que foi construindo o trabalho sem pensar em interesses comerciais. E decerto que isso se refletiu no resultado satisfatório. Com idéias convincentes, Hyldon construiu um CD bacana. Ouça sem medo! N O V I D A D E S · Seguindo o caminho aberto pelo ótimo CD “Doces Cariocas”, vários artistas, a maioria da cena indie carioca, reuniram seus talentos, desta feita em torno do álbum “Mar Ipanema”, o qual leva a assinatura de Zé Ricardo e Plínio Profeta na produção e já se encontra disponível. Encomendado por um luxuoso hotel, o resultado do trabalho mostra que os novos artistas do Rio de Janeiro já entenderam a velha máxima que reza que “a união faz a força” (coisa que os sergipanos insistem em não acreditar). O resultado soa acima da média, embora a primeira metade das dez faixas se mostre bem superior às demais. Dentre os melhores momentos estão “Às Vezes” (com Ana Costa e Marcello Silva), “Samba Pra Vadiar” (com o já citado Zé Ricardo e Rodrigo Maranhão), “Coluna Social” (com Edu Krieger e De Leve), “Canção Popular” (com Anna Luisa e Pedro Holanda) e a deliciosa “Fulano, Beltrano e Sicrano” (com o 4 Cabeça, que une as vozes de Gabriel Moura, Maurício Baia, Rogê e Luis Carlinhos). · No começo de 2009, a Rede Globo vai levar ao ar a minissérie sobre a vida da cantora Maysa. Descoberta por Jayme Monjardim (filho da homenageada e diretor do programa), a cantora paulista Maria Gadu é quem vai dublar as cenas em que a atriz Larissa Maciel (intérprete de Maysa) aparecerá cantando. Por conta dessa inevitável exposição, a gravadora Som Livre saiu na frente e já a contratou para gravar o seu primeiro CD que chegará ao mercado ainda no primeiro semestre do próximo ano. · O percussionista Ary Dias conheceu o auge da fama quando, nos anos oitenta, integrou a lendária banda A Cor do Som. Quando esta se extinguiu, o artista gravou, nos anos noventa, na Flórida (EUA), um CD solo (intitulado “Tocar”), produzido por Jim Gaines. É este trabalho que somente agora é lançado no Brasil, contando com onze músicas autorais, algumas compostas ao lado de parceiros como Carlinhos Brown, Fred Góes e Ricardo Barreto. · No ano em que se comemoram os 100 anos do nascimento de Cartola, o produtor Thiago Marques Luiz lança, pela gravadora Sony & BMG, o CD duplo “O Autor e Seus Intérpretes” que compila vinte e oito canções do compositor mais famoso da Mangueira, sendo duas delas interpretadas pelo próprio (“O Inverno do Meu Tempo” e “Silêncio de um Cipreste”). A maioria dos fonogramas foi pinçada de discos já lançados há algum tempo por grandes intérpretes do nosso cancioneiro, como Gal Costa, Chico Buarque, Fágner, Beth Carvalho, Clara Nunes, Ney Matogrosso, Cida Moreira e Elizeth Cardoso, mas cinco deles foram registrados especialmente para o projeto (“Eu Sei”, com Jair Rodrigues e Célia, “Basta de Clamares Inocência”, com Fabiana Cozza, “Não Quero Mais Amar a Ninguém”, com Alaíde Costa e Zé Luiz Mazziotti, “Catedral do Inferno”, com Márcia Castro, e “Acontece”, com Rita Ribeiro). · Recente show realizado na casa carioca Vivo Rio dará origem ao primeiro DVD de Jay Vaquer. O objetivo é condensar no repertório músicas de seus quatro CDs, dentre as quais “Abismo”, “A Falta que a Falta Faz” e “Quando Fui Fred Astaire”. · Isabela Taviani, boa cantora que surgiu no rastro de Ana Carolina, sempre demonstrou vontade de compor com a colega. Algumas tentativas foram feitas, mas até agora o fruto não vingou. O mesmo, contudo, não aconteceu com Zélia Duncan: ambas já aprontaram a primeira parceria, uma ótima canção intitulada “Melhor Nem Dizer”. RUBENS LISBOA é compositor e cantor
R E S E N H A 1 Cantor: TOM ZÉ
CD: “ESTUDANDO A BOSSA”
Gravadora: BISCOITO FINO
Cantor: HYLDON
CD: “SOUL BRASILEIRO”
Gravadora: INDEPENDENTE
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