“Intimidade” é uma série idealizada pela gravadora Som Livre para pôr no mercado CD’s e DVD’s contendo releituras de canções famosas feitas pelos próprios artistas que as lançaram (geralmente nos anos setenta e oitenta), mas cujos nomes não se encontram atualmente na crista da onda. Embora o projeto tenha nítido caráter revisionista, é incontestável que foge da facilidade das coletâneas, além de permitir às novas gerações que venham conhecer alguns dos nossos compositores mais inspirados, os quais, revestindo com novos arranjos músicas suas já consagradas, tentam manter acesa a chama da inventividade. Chegou no final do ano passado às lojas o terceiro produto dessa empreitada (depois dos lançamentos relativos a Guilherme Arantes e Oswaldo Montenegro), dedicado ao cancioneiro de Lô Borges. Produzido por Luiz Pereira, é oriundo de registro ao vivo realizado no Estúdio Acústico em Belo Horizonte. Integrante da geração de compositores mineiros que veio à tona com o surgimento do Clube da Esquina (capitaneado por Milton Nascimento), Lô é compositor inspirado, tendo lançado, ao longo da carreira, alguns álbuns muito legais, conforme é o caso “Via Láctea” (de 1979), considerado por muitos como o mais importante de sua discografia. Suas canções receberam o tratamento vocal de várias das grandes intérpretes da nossa MPB (Elis Regina, Zélia Duncan, Nana Caymmi, Simone e Elba Ramalho estão entre elas) e, de fato, o artista terminou por colecionar grandes sucessos: “O Trem Azul”, “Tudo Que Você Podia Ser” e “Paisagem na Janela” são somente alguns deles e estão presentes entre as treze faixas que compõem o recém-lançado CD (o DVD homônimo traz mais seis faixas, dentre as quais as bonitas “Nuvem Cigana” e “Equatorial”). Nos últimos anos, Lô vem tentando modernizar sua obra, misturando-se aos novos nomes da música mineira. Mais especificamente, ele tem assinado canções ao lado de Samuel Rosa, vocalista do Skank, o qual se faz presente no projeto ora resenhado através de participação vocal em “Dois Rios” (uma das músicas mais sofisticadas da banda) e em “Clube da Esquina nº 2”. Como cantor, Lô nunca foi dos mais versáteis, mas o fato é que, no geral, até que se mostra convincente, ancorado por uma banda que insiste em dar uma roupagem moderninha a canções cujas harmonias, muitas vezes, mostram influências dos Beatles. E neste ponto merece ser feita uma ressalva: é que a bem da verdade, não obstante o esforço dos músicos envolvidos, algumas das canções terminam perdendo a força das gravações originais. É o caso, por exemplo, de “Feira Moderna” e “Clube da Esquina” que, com novas pegadas bastante uniformes, terminam soando descaracterizadas. São poucas as músicas incluídas que representam a fase criativa mais recente de Lô: “Segundas Mornas Intenções”, “Tudo em Cores Pra Você” e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” são exceções num set list que prima por temas com mais de três décadas de existência, caso das contundentes “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” e “Para Lennon e McCartney”, ambas com vigor intocável. Lô Borges tem a chance de ver seu ótimo trabalho autoral revisitado, numa época em que vigoram músicas cada vez mais frouxas e descartáveis. Talvez seja a hora de ele, pegando carona, engatar em seguida um álbum de inéditas que possa mostrar que ainda tem gás suficiente para contribuir com novas pérolas musicais. A paraense Jane Duboc é cantora corretíssima que surgiu no mercado fonográfico no final da década de setenta e desde então vem lançando discos com certa freqüência. Dona de emissão vocal perfeita, de uma técnica irretocável e com um timbre belo e suave, nunca, no entanto, chegou a alcançar os primeiros lugares das paradas nem tampouco se transformou em recordista de vendas. Seus trabalhos muitas vezes foram temáticos e entre os melhores álbuns estão, sem sombra de dúvida, “Languidez” (de 1980) e “Todos os Caminhos” (de 1998). Artista refinada e de extrema musicalidade, algumas vezes tentou popularizar em demasia a sua arte. Talvez no antagonismo entre estes dois opostos tenha residido o fator de nunca ter alcançado o reconhecimento que seu talento, de fato, merece. Acaba de chegar às lojas, através da gravadora Biscoito Fino, o seu novo CD intitulado “Canção da Espera”. Com arranjos assinados por Gilson Peranzzetta, Fernando Merlino e Lula Galvão, foi por ela própria produzido e é totalmente dedicado à obra do carioca Egberto Gismonti, compositor bastante respeitado no meio musical e que possui incursões bastante significativas no mercado estrangeiro. Pianista por formação, desde cedo ele enveredou pela pesquisa da música popular e folclórica brasileira, passando a se interessar, em seguida, por diferentes tipos de violão e instrumentos de corda. Já há muito tempo que Jane tencionava gravar um disco somente com canções de Egberto. Ambos se conheceram em 1971, quando foram apresentados por Luiz Eça. A empatia foi imediata e, juntos, realizaram alguns trabalhos que, à época, fizeram-se bastante representativos para as suas carreiras. Quando comunicou a Egberto sua intenção de homenageá-lo, Jane recebeu dele uma lista contendo sessenta músicas como sugestões para compor o repertório. Delas, a intérprete pinçou uma dúzia, dez delas resultantes de parcerias entre Egberto e o poeta Geraldo Carneiro. Apenas a bonita “Mais Que a Paixão” (um dos destaques do disco) tem letra de João Carlos Pádua e o samba “Saudações” recebeu versos escritos por Paulo César Pinheiro. As canções de Egberto não são fáceis de serem assimiladas. Construídas sobre harmonias rebuscadas, suas melodias são difíceis de serem cantadas, o que requer bons intérpretes para que não se sucumba às suas armadilhas. Nesse quesito, Jane se sai com maestria. Também musicista, ela sabe o terreno em que está pisando. Continua mandando muito bem, não obstante neste CD em particular fique clara a sua opção por tons mais baixos do que aqueles que geralmente escolhe para perpetuar os seus registros. No bojo, trata-se de um trabalho sofisticado que peca porque algumas canções terminam soando monocórdias. É o caso, por exemplo, de “Quatro Cantos”, “Água e Vinho” e “Bodas de Prata”. Assim, o que poderia ter resultado em um trabalho irrepreensível, termina, em alguns momentos, soando um pouco repetitivo. A densidade talvez almejada fica um tanto prejudicada por uma linearidade que poderia ser evitada. Mas há grandes momentos, sim! E estes ficam a cargo da envolvente “Auto-Retrato”, da bonita “Feliz Ano Novo” e da exótica faixa-título. Também as canções em que Jane recebe seus convidados se destacam: “Sanfona” (com Olívia Byington), “Janela de Ouro” (com Pery Ribeiro) e “Ano Zero” (com o filho Jay Vaquer). Jane segue produzindo, o que por si só já merece louvor. Seu novo CD não é o melhor de sua carreira, mas decerto que merece ser conhecido pelo muito de luzes que joga sobre as criações (em grande parte desconhecidas pelo grande público) de Egberto Gismonti. N O V I D A D E S · A gravadora EMI promete para dentro em breve o lançamento de uma caixa embalando onze CD’s que a cantora Simone gravou entre os anos de 1973 e 1980. Um deles, “Festa Brasil” (de 1974), nunca chegou ao mercado anteriormente no formato CD e registra encontro da Cigarra com o violonista João de Aquino sob a direção de Hermínio Bello de Carvalho. Muito legal! · Já está escolhendo canções para compor o seu segundo álbum a cantora Mariana Baltar que estreou em 2006 no mercado fonográfico com o belo CD “Uma Dama Também Quer se Divertir”. Dentre as canções já selecionadas estão “Sonâmbulo” (de Edu Kneip e Thiago Amud), “Pra Você Gostar de mim” (de Joyce e Zé Renato) e “Pipa” (de Raphael Gemal). · Tetê Espíndola disponibilizou no YouTube o clipe gravado por ela para uma canção inédita de Itamar Assumpção intitulada “Adeus Pantanal”. · Chega às lojas, de maneira independente, o primeiro e bom CD da intérprete goiana Fernanda Guedes. Intitulado “Amor Até o Fim” (nome do belo samba de Gilberto Gil presente no repertório) e produzido por Marcelo Maia, o trabalho contém doze faixas, metade delas regravações. Dentre estas merecem destaque “Juazeiro” (de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) e “Dindi” (de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira). Já no campo das canções inéditas, os melhores momentos ficam por conta de “Choro Pecado” (de Rondon de Castro e Andréa Flor) e “Quando Eu Voltar Pra Você” (de Christina Guedes e Lidiane Carolina), esta contando com a participação especial do cantor Nilton Rabello nos vocais. · É comum que os artistas baianos ligados ao axé disponibilizem canções específicas nas proximidades do Carnaval a fim de pegar os foliões ávidos por novidades. É deste modo que, nem bem lançou seu último CD, Margareth Menezes já começa a divulgar duas canções inéditas (“RagaMaga” e “Fique à Vontade”) gravadas especialmente para os festejos momescos. · Mesmo sem as presenças do vocalista Toni Garrido (agora às voltas com a finalização de seu primeiro trabalho solo) e do guitarrista Da Gama, a banda Cidade Negra já começou a formatar, em estúdio carioca, o seu próximo CD que chegará às lojas neste primeiro semestre. Com produção a cargo de Nilo Romero, o destaque deverá ser uma canção inédita composta por Ana Carolina. · “Fado Mulato” é o título do CD que o poeta português Tiago Torres da Silva acabou de gravar com a fadista Maria João Quadros. Entre regravações das canções nacionais “Gota d’Água” e “Amor Alheio” (anunciadas como homenagens a Chico Buarque e Paulo César Pinheiro, respectivamente), há melodias compostas por Chico César, Zeca Baleiro, Ivan Lins, Pedro Luís e Francis Hime especialmente sobre alguns dos belos versos de Tiago. RUBENS LISBOA é compositor e cantor
R E S E N H A 1 Cantor: LÔ BORGES
CD: “INTIMIDADE”
Gravadora: SOM LIVRE
Cantora: JANE DUBOC
CD: “CANÇÃO DA ESPERA”
Gravadora: BISCOITO FINO
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