Paulista, Cris Aflalo estreou no mercado fonográfico em 2003 com o premiado e elogiado CD “Só Xerém”, no qual reviu a obra de seu avô, o compositor cearense Xerém. A inspiração nordestina revelou uma cantora pronta, de voz afinada, suave e trabalhada, com um timbre tão bonito que impressiona a todos desde a primeira audição. Já no finalzinho do ano passado, Cris pôs nas lojas, através da distribuidora Tratore, o seu segundo álbum, gravado de maneira independente, o qual leva a sua assinatura ao lado do exímio violonista Luiz Waack na produção. Nele, a artista diversifica o seu canto, mostrando que, embora suas raízes musicais já estejam fincadas, as antenas continuam a toda, captando as diversas influências que permeiam a nossa música popular. “Quase Tudo Dá” é o (bom) título do trabalho que se mostra ao mesmo tempo enxuto (são onze faixas) e convincente. O CD soa orgânico e não vem adornado com modismos; mesmo assim, traduz-se atual muito pela forma delicada e inventiva que Waack imprimiu aos arranjos, baseados em violões e em uma bela camada percussiva levada a cabo pelo competente Guilherme Kastrup. O disco já começa com uma daquelas canções que soam atemporais: “Tudo Que Respira Quer Comer”, de autoria de Carlos Careqa, compositor inspirado que já brindou o nosso cancioneiro com outra pérola: “Acho” (gravada em 1997 por Vânia Abreu). Esperta o suficiente para saber pinçar belas canções ainda pouco conhecidas, Cris apresenta apropriadas releituras, como “Conceição dos Coqueiros” (de Lula Queiroga, recentemente visitada por Elba Ramalho). Outra música que recebe novas nuances e se destaca no azeitado repertório é “Um Tom”, de Caetano Veloso, que cresce sobremaneira na voz de Cris, ainda mais porque surge entremeada com alguns versos de “Alguém Cantando”, uma das melhores canções do mano mais famoso de Bethânia. Cris também se mostra uma compositora inspirada ao assinar quatro canções, duas delas em parceria (“Finzinho da Chuva”, com Rita Rameh, e “Aroeira”, com o já citado Waack). Das que assina sozinha (“Matutu” e “Imaculada”), o destaque fica com esta última, deliciosa criação que, de forma bem humorada, faz uma ode à cachaça e surge “embriagada” por um inspirado naipe de metais. E se o insuperável Gilberto Gil de tempos atrás se faz representado pela ótima “Língua do Pê” (grande sacada da cantora!), dois temas atuais de Arnaldo Antunes também se fazem presentes (“Quase Tudo”, parceria com Péricles Cavalcanti, e “Um Som”, composta com Paulo Tatit). Completa o seleto set list a faixa “Sinto Seco”, de autoria dos (ainda) desconhecidos Tatto Ferraz e Julli Pop, exótica melodia composta sobre oportuno jogo de palavras. O trabalho gráfico do CD é um luxo à parte: aberto nas cinco partes, forma-se a imagem inteira da artista que, na capa, só se permite ver através de uma das mãos. Cris Aflalo é, decerto, uma cantora de quem o Brasil vai ouvir falar muito. Se você não quiser ficar por fora do movimento, está na hora de conhecê-la. Corra e ouça! Cantora de grandes recursos vocais, Paula Lima chega ao seu quarto trabalho movida por uma energia incomum. É fato que, até agora, a artista não chegou a deslanchar de fato e os fatores são vários: desde a inconsistência do mercado fonográfico atual até a sua clara opção por fazer uma música dançante mas que não se sustenta em canções de fato facilmente assimiláveis. Embora denominado “Samba Chic”, seu novo projeto (recentemente lançado pela gravadora Indie Records) não tem sua base no samba tradicional, aquele tipo genuíno que o público médio está acostumado a ouvir. O samba de Paula não deixa de ser elegante, no sentido de que incorpora vários outros elementos como o funk, o soul, o balanço e o jazz, mas, muito embora tente pregar uma mistura entre a tradição e a modernidade, termina apenas roçando em uma e outra. De tradicional, tem muito pouco, posto que, em alguns momentos, chega a soar rebuscado. De moderno pode até ter a intenção, mas na verdade não chega a inovar, utilizando-se de vários ganchos hoje em dia em voga, mas que não trazem efetivamente quase nada de novo. Formada em piano clássico e em direito pelo Mackenzie, Paula marcou a sua entrada no mundo da música com o grupo Unidade Bop, integrando, em seguida, a banda Zomba e caindo, por fim, no cultuado Funk Como Le Gusta. O primeiro CD solo saiu em 2001, conseguindo boa aceitação da crítica especializada. Em 2003, o segundo álbum chegou às lojas pela gravadora Universal, cercado de grande expectativa. Não fosse, todavia, a razoável aceitação da ótima faixa “Pactocombaco” (de Eugenio Dale), teria passado em brancas nuvens. O terceiro trabalho (“Sinceramente”) foi lançado em 2006 e denotou nítida tentativa de aproximação com uma fatia menos sofisticada de público, haja vista a inclusão de sambas diretos assinados pelo competente Arlindo Cruz (“Já Pedi Pra Você Parar” e “Tirou Onda”). Estas duas músicas também integram o repertório do novo álbum (produzido pela própria Paula e por Walmir Borges), resultado de registro ao vivo do show realizado, em agosto próximo passado, na Casa das Caldeiras em São Paulo. São quatorze faixas em que a bela intérprete negra mostra sua incontestável musicalidade. Dona de um timbre forte e muito bonito, ela só peca pelo excesso de floreios vocais, influência desnecessária (e por vezes irritante) que vários dos nossos intérpretes ainda fazem questão de importar dos americanos. O DVD traz cinco faixas a mais: “Tudo Certo ou Tudo Errado” (do já citado Arlindo Cruz e Maurição), “É Isso Aí” (de Sidney Miller), “Novos Alvos” (de Zélia Duncan), “Deixa Isso Pra Lá” (de Edson Menezes e Alberto Paes) e um pot-pourri que reúne canções de Dona Ivone Lara (“Alguém Me Avisou”, “Tiê” e “Sonho Meu”). Entre temas assinados por Jorge Ben Jor (“Meu Guarda-Chuva” e “Jorge da Capadócia”) e Seu Jorge (“Quero Ver Você no Baile”, “Mangueira” e “Gafieira S.A.”), os melhores momentos do trabalho ficam por conta de “Samba Sem Nenhum Problema” (de Márcio Local), “Eu Já Notei” (de Ana Carolina e Antonio Villeroy) e “Amor dos Outros” (de Geovana). O mesmo Seu Jorge é o convidado especial da faixa “Cuidar de Mim” e Toni Garrido se faz presente nos vocais de “Negras Perucas” (de Marcus Vinicius e Nilo Pinheiro). Paula Lima segue cantando aquilo que acredita. E embora se torne claro que ela realmente poderia render mais se apostasse em um repertório mais diversificado, o fato é que, dentro do que se propõe a fazer, faz bem feito. Que a receptividade, desta vez, faça jus ao seu talento! N O V I D A D E S · Foram superlotadas todas as apresentações que Ithamara Koorax realizou, no mês passado, nas casas Mistura Fina e Bar do Tom, ambas no Rio de Janeiro (RJ). No ano passado, a vitoriosa cantora realizou mais de cinquenta shows no exterior e em novembro ganhou elogio do crítico Frank-John Hadley na tradicional revista DownBeat, nos seguintes termos: “Ithamara Koorax é uma das mais belas vozes da criação”. Presença constante na lista de melhores do ano feita pelos leitores da publicação (considerada a bíblia do jazz), Ithamara se encontra atualmente em fase de pré-produção do próximo CD, o qual começará a ser gravado em abril e será centrado no repertório de Dave Brubeck, compositor pianista de formação clássica que fez seu nome no circuito do jazz a partir da segunda metade dos anos 40. E para deixar muita gente rosa de raiva, em meados de fevereiro, ela voltará ao Japão para participar de concertos com a New Tokyo Philharmonic. Além disso, já em março, iniciará nova turnê pela Europa. Sorte para a diva! · A trilha sonora do filme “Se Eu Fosse Você 2” já está nas lojas e garante os seus melhores momentos com as gravações de Luiz Melodia em “Pra Você” (de Silvio César) e de Toni Garrido em “Pela Luz dos Olhos Teus” (de Vinicius de Moraes). · A gravadora Biscoito Fino lança, devidamente remasterizado, DVD contendo o filme “Os Doces Bárbaros”, originalmente lançado em 1978 e que documentou a turnê coletiva do show homônimo feita por Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Há momentos interessantes como a prisão de Gil em Florianópolis por porte de maconha e uma entrevista dada por Bethânia na qual ela deixa sem graça um jornalista, ressaltando, assim, a conhecida altivez de sua personalidade. · Embalada pela ótima receptividade de seu último disco, a matogrossense Vanessa da Mata vai lançar, dentro em breve, um DVD cujo registro foi feito em show realizado em novembro do ano passado na bela cidade de Paraty, no Rio de Janeiro. Dentre os seus maiores sucessos, a cantora mostra a inédita “Esperança”, resgata a pouco conhecida “Acorde” (gravada originalmente por Shirle de Moraes) e revisita hits do repertório de Cartola (“As Rosas Não Falam”) e de Guilherme Arantes (“Um Dia, Um Adeus”). · Este ano a luso-brasileira Carmen Miranda completaria cem anos, se viva estivesse. A data redonda servirá como chamariz para várias comemorações. A primeira delas será a reedição de parte das 313 músicas gravadas pela Pequena Notável entre 1929 e 1950. Ótima pedida! · E o tão aguardado DVD contendo vinte e um clipes que a cantora Clara Nunes gravou no período de 1973 a 1983 para o programa Fantástico (da Rede Globo) acaba de chegar às lojas através da gravadora EMI. Dentre as canções que fazem parte da história musical da cantora estão lá “Conto de Areia”, “O Mar Serenou”, “Guerreira” e “Você Passa Eu Acho Graça”. Imperdível! RUBENS LISBOA é compositor e cantor
R E S E N H A 1 Cantora: CRIS AFLALO
CD: “QUASE TUDO DÁ”
Gravadora: INDEPENDENTE / TRATORE
Cantora: PAULA LIMA
CD: “SAMBA CHIC – AO VIVO”
Gravadora: INDIE RECORDS
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