R E S E N H A 1 CD: “O CIRCO SINGULAR – CANÇÕES DE EXÍLIO” Desde que ganhou o festival “Canta Nordeste” – edição 1996 com a bela canção “Camará”, a cantora Patrícia Polayne vinha sendo cobrada para que lançasse o primeiro CD. Os anos foram passando, ela continuou na estrada e, mutante por natureza, passeou por várias vertentes e estilos musicais. Voltou ao Rio de Janeiro em 2002 (cidade onde nasceu, muito embora tenha sido registrada aqui em Aracaju, o que lhe confere a possibilidade de se dizer cariopana, uma mistura de carioca com sergipana), mambembeou durante quatro anos por vários cantos do país (com parada mais contundente pelas Minas Gerais) e no retorno a Aracaju resolveu investir, de fato, no seu lado de compositora. Intérprete irrepreensível, dona de um timbre peculiar, afinada ao extremo e carismática como poucas quando enfrenta um palco, Patrícia também demonstrou ter talento para elaborar canções. No geral, as suas criações têm uma assinatura própria, com harmonias simples, mas envoltas em melodias interessantes que recebem versos bem originais. Pois bem: a cobrança por parte de seus fãs acabou. Patrícia foi contemplada com a gravação de um disco por conta da seleção no Projeto Pixinguinha e este acaba de chegar ao mercado. Contendo onze canções, o álbum foi gravado inteiramente em Recife (PE), tendo à frente da produção Junior Areia, o baixista da banda Mundo Livre S/A. Por conta dessa opção, o som do trabalho resultou mais seco e percussivo. Os arranjos terminaram por engendrar a artista numa fórmula diferente do que ela costumava apresentar até então, o que para muitos termina soando como amadurecimento e para outros como estranhamento. Pelo menos duas das canções apresentadas já merecem o status de pequenas obras-primas pelo que resultam do real primor conseguido entre letra e melodia. São elas: “Aparelho de Memoriar” e “Sapato Novo”, ambas de certa forma já conhecidas do público sergipano. Está aí, pois, um grande trunfo da artista: com o CD em mãos, ela poderá agora direcionar-se para outras paragens onde suas músicas decerto soarão como novidades. O álbum recebeu o curioso título de “O Circo Singular”, canção que é uma colagem de referências e soa como um verdadeiro cartão de visitas. Como subtítulo se avista “As Canções de Exílio” e é curioso observar aqui como o mesmo se encaixa no que fica do resultado após reiteradas audições. Embora Patrícia venha registrando, em várias entrevistas, que o seu trabalho inaugural tem um clima “pra cima”, na realidade o que se denota é uma certa nostalgia (talvez a nostalgia da modernidade a que um antigo lobo roqueiro já se referiu outrora com propriedade). Há um comedimento que não se restringe somente à quantidade de instrumentos utilizados (basicamente bateria, baixo, percussão, guitarra e violões), mas que vem ratificar (talvez até inconscientemente) o supracitado subtítulo utilizado. E é fato que talvez Patrícia pudesse nos ter brindado um pouco mais com seu trabalho de intérprete (que aqui se fez representar tão somente pela interessante “Lentes de Contato”, de Kleber Melo e Bruno Montalvão), embora seja justo destacar a beleza das canções “Arrastada” e “O Dote da Donzela” (ambas de sua autoria, a segunda em parceria com Marta Mari). Mas é que quem a conhece, sabe que ela é uma grande garimpadora de canções e, mais que isso, que quando se entrega com vontade a uma música alheia esta cresce sobremaneira, ganhando novas e multifacetadas cores. Ainda assim, trata-se de um ótimo disco que merece lugar de destaque entre os que compõem a trajetória da música sergipana. Decerto que Patrícia pode mais e muito mais fará. No CD recém-lançado, ela conta com o aval e a participação do renomado e virtuoso violonista Roberto Menescal em uma das duas versões de “Rio Sim”. É o começo de um reconhecimento mais amplo. A garota que sonha em conquistar o mundo deu um passo muito importante para tal. Agora, é ter a cabeça no lugar e os pés no chão. Com a torcida da gente ela já conta há muito tempo! CD: “O BAILE DO SIMONAL” Gravadora: EMI O carioca Wilson Simonal conheceu o auge do sucesso na segunda metade da década de sessenta, época em que o Brasil passava por mudanças incontestáveis tanto nos costumes, acompanhando as transformações sociais e sexuais do mundo, quanto na política, com o advento dos chamados anos de chumbo. Descoberto pelo compositor Carlos Imperial, Simonal começou a deslanchar quando passou a cantar na lendária casa de shows Beco das Garrafas, o templo da Bossa Nova, e os seus primeiros sucessos, tais como “Nanã” e “Lobo Bobo” foram incursões nesse movimento, embora, logo em seguida, tenha enveredado para o caminho das canções mais dançantes. Cheio de ginga e com um balanço característico, o artista (que capitaneou um estilo musical denominado “pilantragem”) enfileirava um hit após o outro e não tinha, de norte a sul do país, quem não soubesse cantarolar músicas como “Meu Limão Meu Limoeiro”, “Vesti Azul” e “País Tropical”, por exemplo. Mas dizem os historiadores que o fato de um negro chamar tamanha atenção em tempos onde o preconceito se fazia escancarado foi determinante para a derrocada de uma carreira até então brilhante, embora o motivo oficialmente veiculado foi o de ele ter sido acusado de ser o mandante de uma surra, dada por dois policiais, no contador de sua firma, que o teria roubado. Denunciado, Simonal foi condenado e, durante o inquérito, um agente do antigo Dops afirmou que o cantor era informante do órgão, o que, até hoje, não se sabe se aconteceu ou não. No entanto, com essa acusação de dedurismo em plena ditadura militar, Simonal passou imediatamente a ser boicotado, inclusive por muitos dos colegas de profissão. Aproveitando o lançamento praticamente concomitante de uma biografia do cantor (“Nem Vem que Não Tem” – A Vida e o Veneno de Wilson Simonal”, de Ricardo Alexandre) e de um filme que narra a sua ascensão e queda (“Ninguém Sabe o Duro que Dei”, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal), a gravadora EMI reuniu, em agosto próximo passado, no Vivo Rio (RJ), um seleto grupo de intérpretes da nossa música, o qual revisitou o cancioneiro gravado por Simonal. Produzido pelos seus dois filhos, Wilson Simoninha e Max de Castro, ambos também cantores e compositores, o projeto se transformou em CD e DVD ao vivo (este com dois números adicionais: “Menininha do Portão” e “Tributo a Martin Luther King”). Intitulado “O Baile do Simonal”, recebeu um tratamento diferenciado quando comparado a iniciativas desse tipo, o que resultou numa homenagem bem bacana em que merecem destaque os arranjos sofisticados (porém descontraídos) da banda-base, os quais no geral respeitaram a música do Rei do Swing. Reunindo nomes de várias vertentes, o trabalho tem como mérito resgatar várias ótimas canções presentes no inconsciente de quem tem mais de quatro décadas de vida e que merecem ser redescobertas. É o caso da deliciosa “Mamãe Passou Açúcar em Mim”, cantada com dose certa de malícia pela esperta Mart’nália ou de “Mustang Cor de Sangue” que soa apropriada na releitura feita pelos Paralamas do Sucesso. O solícito Caetano Veloso comparece com um tema pouco conhecido de sua própria autoria (“Remelexo”) e os sambistas Péricles e Thiaguinho (do Exaltasamba) se mostram perfeitamente à vontade com a latinidade de “Na Galha do Cajueiro). Alguns dos melhores momentos ficam por conta de Samuel Rosa (vocalista da banda Skank) em “Carango”, Sandra de Sá em “Balanço Zona Sul” e o pessoal da Orquestra Imperial em “Teresinha”. Completam o time: Seu Jorge, Marcelo D2, Rogério Flausino (do Jota Quest), Fernanda Abreu, Diogo Nogueira, Frejat, Maria Rita, Ed Motta e Alexandre Pires. Além de Lulu Santos, o responsável por “Zazueira”, única faixa que foi gravada em estúdio. Trata-se de uma iniciativa muito bem-vinda que tenta recuperar a memória de Wilson Simonal, talvez o maior showman da nossa MPB. N O V I D A D E S · Composto pelas cantoras Amora Pêra, Fernanda Gonzaga, Isadora Medella e Paula Leal, o quarteto vocal Chicas lança, através da gravadora Biscoito Fino, seu segundo CD (disponível também em DVD). Soa precipitado, uma vez que, oriundo de registro gravado durante apresentação no Teatro Rival, traz um repertório calcado naquele do álbum de estreia (o ótimo “Quem Vai Comprar Nosso Barulho?”, editado em 2006). Intitulado “Em Tempo de Crise Nasceu a Canção”, o disco traz quatorze faixas, entre canções criadas pelas próprias componentes (“Você”, “Ter Que Esperar”, “O Cofre” e “Nosso Tempo”, estas duas últimas inéditas) e releituras, caso, por exemplo, de “Divino Maravilhoso” (de Caetano Veloso e Gilberto Gil) e de “Menina Amanhã de Manhã” (de Tom Zé e Perna). Entre vocais em uníssonos e solos esporádicos, as garotas optam por arranjos de forte pulsação percussiva com a presença marcante de violino e cello. Os melhores momentos ficam por conta de “Me Deixa” (de Marcelo Yuka) e “Androginismo” (de Kleiton Ramil, hit inicial do grupo Almôndegas). Gonzaguinha (pai de Amora e de Fernanda) se faz presente no repertório com a contundente “Moleque” e a animada “Felicidade”. Uma versão alternativa de “Caras e Bocas” (de Dudu Falcão e Mu Carvalho), o tema de abertura da telenovela global homônima, fecha o disco. · Leandro Lehart planeja para breve o lançamento de seu novo projeto. Trata-se de “SambaPopBrasilMestiço – Ao Vivo em Sampa”, que sairá nos formatos CD e DVD e trará as participações de amigos como Alcione, Jair Rodrigues, Seu Jorge, MV Bill e Jorge Aragão. O lançamento será da Arsenal Music, mas com a distribuição da multinacional Universal Music. · “Nego” é o título do CD que a gravadora Biscoito Fino pôs recentemente nas lojas. Produzido por Jaques Morelenbaum, Moogie Canazio e Carlos Rennó, é um álbum que tem como mote quatorze versões feitas por este último para canções criadas por compositores judeus que se estabeleceram nos Estados Unidos a partir dos anos 20, a exemplo de Irving Berlin, Richard Rodgers, Lorenz Hart, Jerome Kern e a dupla George & Ira Gershwin. Como todo trabalho nesse sentido, muitas das letras terminam por soar frouxas e sem muita naturalidade. Já os (bons) arranjos servem de cama confortável para as vozes de uma seleção estelar de intérpretes formada, entre outros, por Zélia Duncan, Ná Ozzetti, Elba Ramalho, Emílio Santiago e Gal Costa. Os melhores momentos ficam por conta de “Encantada” (com Maria Rita), “Sábio Rio” (com João Bosco) e da faixa-título (com Paula Morelenbaum). · A cantora Nô Stopa lança seu segundo CD. Intitulado “Novo Prático Coração” e produzido por Érico Theobaldo, o álbum é composto por dez faixas, oito delas inéditas, assinadas pela própria artista (algumas ao lado de parceiros). As regravações ficam por conta de “Strangelove” (de Depeche Mode) e “Caramujo” (de Kleber Albuquerque e Tata Fernandes, que conta com a participação especial, nos vocais, do cantor e compositor Zé Geraldo, pai de Nô). O trabalho mostra a visão pop moderna da artista de voz suave e encontra os seus melhores momentos nas faixas “Deixa Andar” e “Dia D”. · Outra que chega ao segundo CD é Andrea Ferrer. Com produção assinada por ela e Luca Maciel, o novo e homônimo trabalho tem o repertório formado majoritariamente por regravações, dentre as quais merecem destaque “Vida” (de Chico Buarque) e “Melodia Sentimental” (de Heitor Villa Lobos e Dora Vasconcelos). Quatro das doze faixas são de autoria da própria Andrea ao lado de parceiros, mas a constatação é que a bela moça se sai muito melhor como intérprete (com sua voz doce e segura) do que como compositora. · Além dos dois discos postos recentemente no mercado (“Tua” e “Encanteria”), Maria Bethânia gravou este ano, em surdina, um terceiro trabalho: trata-se de um projeto pessoal da cantora voltado somente para a poesia, mas que a princípio não será comercializado. Tomara que a estrela mude de ideia! RUBENS LISBOA é compositor e cantorCantora: PATRÍCIA POLAYNE
Gravadora: INDEPENDENTE
Cantores: VÁRIOS
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