R E S E N H A 1 CD: “CANIBÁLIA” Quando estourou nacionalmente em 1992, a soteropolitana Daniela Mercury havia lançado, no ano anterior, um disco que pouco aconteceu, mas que já trazia, nas faixas “Swing da Cor” (de Luciano Gomes) e “Menino do Pelô” (de Gerônimo e Saul Barbosa), lampejos do sucesso que a cantora viria a obter em pouco tempo. Só que a explosão do chamado axé music aconteceu mesmo foi com os temas “O Canto de Cidade” (dela e Tuta Gira) e “O Mais Belo dos Belos” (de Guiguio) e surgia ali, totalmente pronta, uma artista que viria a ter muitas seguidoras sem que nenhuma, no entanto, conseguisse roçar a qualidade de sua obra (é certo que atualmente as conterrâneas Ivete Sangalo e Cláudia Leite vendem bem mais discos e são mais assediadas pela mídia, mas nenhuma delas realiza um trabalho meticuloso como Daniela que se desdobra a cada novo disco, mostrando-se atenta a todos os detalhes de suas produções). Daniela, desde cedo, demonstrou interesse pela música, fã assumida que sempre foi de Elis Regina. Aos dezesseis anos começou a se apresentar em barezinhos com um repertório essencialmente de MPB e, em 1988, chegou a integrar a banda de Gilberto Gil como backing vocal. Durante a sua carreira (que é pontuada, anualmente, por apresentações suntuosas a bordo de seu trio elétrico no Carnaval de Salvador) já flertou com canções de cunho romântico, com programações eletrônicas e com a nata do nosso cancioneiro mais cult, porém sua melhor praia é quando mergulha nas músicas dançantes. Acaba de chegar às lojas o seu novo e aguardado álbum. Intitulado “Canibália” (de inspiração antropofágica), traz em quatorze faixas a produção caprichada que costuma caracterizar os seus trabalhos e pode ser considerado um dos melhores álbuns lançados este ano, além de ser um ponto alto na discografia da cantora. Lançado com cinco alternativas de capa (com a ordem das músicas alternada), ressai do CD como um todo uma merecida homenagem a Carmem Miranda, presente tanto na bonita “Trio em Transe” (composta por Daniela ao lado do filho Gabriel Póvoas e Marivaldo dos Santos, e a qual ressalta, na extensa letra, a admiração pelo cinema nacional) como na regravação de “O Que é Que a Baiana Tem” (de Dorival Caymmi) em que Daniela faz um dueto virtual com a própria Carmem, em registro original de 1939 (um primor de colagem proporcionada pelas modernidades da tecnologia). E se em “Preta” (pout-porri que reúne as canções “Eu sou Preta” e “Sorriso Negro”), surge, como convidado especial, o onipresente Seu Jorge, em “Oyá por Nós” (um dos melhores momentos do álbum), quem dá o ar da graça é Margareth Menezes, co-autora da faixa. Já a bilíngue “This Life is Beautiful” conta com a presença do rapper americano Wyclef Jean. Há, sim, momentos desnecessários, como a releitura programada de “Tico-Tico no Fubá” (de Zequinha Abreu e Aloysio de Oliveira) e “Bênção do Samba” (um medley que junta “Na Baixa do Sapateiro”, “O Samba da Minha Terra” e “Samba da Bênção” sem nada acrescentar – talvez o objetivo seja o mercado exterior). Contudo, nada ofusca os bons fluidos deixados por canções acima da média como o reggae “Sol do Sul” (outra assinada por Daniela e seu rebento), a pungente “Cinco Meninos” (só dela) e principalmente a inspiradíssima “Dona Desse Lugar” (de Daniela, Marcelo Quintanilha e Paulo Daflin). Daniela Mercury segue sua trajetória mostrando uma luz toda própria. Conhecer sua música sem preconceitos se faz aconselhável a todos os que cultuam uma festa bem feita. É um disco para dançar, sim, que junta percussão tribal com experiências eletrônicas, mas que, em algumas passagens, serve também para fazer pensar. Ao explicitar referências e assumir intenções, a artista reafirma sua inquietude e talento. Vale a pena conhecer! CD: “BANDADOIS” Gravadora: WEA Foram primeiramente as canções cantadas por Luiz Gonzaga e Orlando Silva que despertaram em Gilberto Gil o encantamento pela música. E foi ainda na infância, aos nove anos, quando se mudou de Ituaçu (BA) de volta à sua terra natal, Salvador, que ele começou a aprender acordeão, chegando a formar, aos dezoito anos, o conjunto “Os Desafinados”. 1962 foi especial pois, além de gravar o primeiro compacto solo, Gil conheceu Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa, com quem, a partir dali, veria entrelaçado o seu caminho musical. O primeiro LP (“Louvação”) saiu em 1967, quando ele já residia no Rio de Janeiro. Foi nessa época que participou de vários festivais de música. Em seguida, com uma proposta antropofágica de valores culturais estrangeiros baseada em idéias de Oswald de Andrade, surgia o Tropicalismo, movimento capitaneado por ele e Caetano. Exilado por uns tempos na Inglaterra por conta da ditadura, voltou em janeiro de 1972. Gil é, sem sombra de dúvida, uma das mais criativas e influentes personalidades da música brasileira e certamente já tem seu nome garantido na história do nosso cancioneiro. Num país de grandes compositores, que vão de Noel Rosa a Milton Nascimento, passando por Lupicínio Rodrigues, Tom Jobim e Djavan, certamente é ele, juntamente com Caetano e Chico Buarque, quem integra a trilogia máxima. E embora sejam inquestionáveis a beleza melódica e poética de quase toda a obra buarquiana e o dom midiático que Caetano possui de, sempre que deseja, se tornar o foco das atenções (sem qualquer demérito à qualidade de suas criações), é de Gil a capacidade de se transmutar com maior facilidade e felicidade. Também um grande instrumentista (ele toca violão com destreza), sempre se mostrou em sintonia com o que ocorre de novo na música mundial, passeando, com talento ímpar, pelos mais diversos gêneros musicais: já bebeu na fonte da cultura nordestina, já abraçou o pop, o rock e o reggae, já flertou com a brejeirice sertaneja e já mergulhou no plural terreno do samba. Também atuante na política (nos anos 80, foi vereador em Salvador e titularizou, até há bem pouco tempo, o Ministério da Cultura do Governo Lula), é um militante das causas ecológicas. Depois de um tempo afastado do mercado fonográfico, Gil lançou, no ano passado, o álbum “Banda Larga Cordel”, o qual não obteve a receptividade a que fazia jus. Para aproveitar as vendas que anualmente são alavancadas com as proximidades do período natalino, o artista acaba de lançar, através da gravadora WEA, o CD “BandaDois” (o qual será brevemente também disponibilizado no formato DVD), gravado durante duas apresentações realizadas no final de setembro deste ano no Teatro Bradesco (SP). Acompanhado somente pelo seu violão e pelos filhos Bem Gil (em algumas faixas no pandeiro e tamborim e ocasionalmente no outro violão) e José Gil (no baixo de “Babá Alapalá” e “Refavela”), Gil desfia um repertório de grandes canções, a maioria de sua própria autoria (as únicas exceções ficam por conta de “Chiclete com Banana”, de Almira Castilho e Gordurinha, e “Saudade da Bahia”, de Dorival Caymmi). Nesse contexto e se utilizando de novas roupagens (embora os arranjos logicamente soem mais enxutos, realçam certas novas nuanças e pegadas), ele resgata pérolas como “Superhomem – a canção”, “Refazenda”, “Expresso 2222”, “O Rouxinol” (em versão bilíngue) e “Lamento Sertanejo” (parceria com Domiguinhos). E como plus, apresenta duas inéditas: “Quatro Coisas” e “Das Duas, Uma” (uma outra, “Pronto pra Preto”, faz parte apenas do DVD). A cantora Maria Rita surge como a única convidada especial do projeto, soltando sua voz macia em “Amor até o Fim”, canção que foi gravada anteriormente (e de forma magistral) por sua mãe, Elis Regina. Ainda com reminiscência de problemas nas cordas vocais (mas um pouco melhor), Gilberto Gil brinda os ouvintes com um trabalho ao mesmo tempo simples e bonito. Palmas pra ele! N O V I D A D E S · O terceto sergipano Café Pequeno (formado por Guga Montalvão no violão, Pedrinho Mendonça na percussão e Júlio Rego na gaita) está lançando oficialmente o primeiro CD. Intitulado “Na Cozinha de Badyally”, o excelente trabalho mostra diversas influências que vão da MPB tradicional ao flamenco. A maioria do repertório das nove faixas é autoral, mas há a inclusão de temas assinados por João Rodrigues (“Maneiroso”), Hermeto Pascoal (“Bebê) e Manuel De Falla (“Cancíon del Fuego Fátuo”). Imperdível! · Já está nas lojas “Skut”, o novo CD da banda Blitz que estourou, na década de oitenta, com vários hits, dentre os quais “Você Não Soube Me Amar”, “Betty Frígida” e “A Verdadeira História de Adão e Eva”. A pegada é parecida com o som alegre do início e a mistura de rock e blues ainda funciona, mas a verdade é que os tempos são outros. E embora os temas continuem atuais e abordados de forma criativa, já soam deslocados na voz (ainda em forma) do cinquentão Evandro Mesquita. Entre novas parcerias com Erasmo Carlos, Leoni, Fernanda Takai e John Ulhoa, a faixa escolhida para puxar o disco foi “Eu, Minha Gata e Meu Cachorro”, porém os melhores momentos do álbum ficam por conta da bem construída “Baseado em Clarice”, da hilária “O Homem de Avental” e das baladas “Nuvens” e “Vida Mansa”. · Ângela Ro Ro apresentou, em 2004 e 2005, um programa semanal no Canal Brasil intitulado “Escândalo”. Os áudios gravados especialmente para a abertura de algumas das edições foram resgatados e deram origem a um CD homônimo que acaba de chegar às lojas através do selo Discobertas. Acompanhada unicamente pelo piano de Ricardo Mac Cord, a cantora demonstra se encontrar em ótima forma vocal através das interpretações de dezoito canções, a maioria assinada por ela própria (que completou este ano trinta anos de carreira). Dentre os destaques estão as faixas “Compasso”, “Fogueira”, “Raiado de Amor” e “Quero Mais”. · Cantora que conheceu o auge do reconhecimento na década de sessenta quando também mereceu elogios de João Gilberto e chegou a participar de várias apresentações no exterior, Maricenne Costa acaba de lançar, através da gravadora Lua Music, um novo CD (intitulado “Bossa.SP”), no qual se faz somente acompanhada pelo violão e a guitarra do exílio instrumentista Marcus Teixeira, com algumas raras interseções (Vítor Lopes na gaita em “Ilusão à Toa”, de Johnny Alf, e Jonas Moncaio no violoncelo em “Dá-me”, de Adilson Godoy, por exemplo). Como o título do disco já entrega, trata-se de uma homenagem da cantora a compositores paulistas ou que tiveram suas carreiras projetadas em Sampa. O repertório de treze faixas prioriza a Bossa Nova e traz as participações especiais de Alaíde Costa (em “Tristeza de Amar”, de Luiz Roberto de Oliveira e Geraldo Vandré) e Moisés Santana (em “Azul Contente”, de Walter Santos e Tereza Souza). Dentre os melhores momentos estão “Mantiqueira” (de Nelson Ayres), “Menino das Laranjas” (de Théo de Barros) e “Lua Cheia” (de Toquinho e Chico Buarque). Mas a voz em forma de Maricenne é o ponto alto do álbum. · A pernambucana Alessandra Leão, criadora da banda Comadre Florzinha, lança o CD solo “Dois Cordões”, um trabalho eminentemente voltado para as tradições folclóricas nordestinas. São doze faixas, a maior parte criada por ela própria, nas quais sua voz agreste encontra ponto seguro. Dentre os destaques estão “Boa Hora”, “Andei” e “Chave de Ouro”. · Mariozinho Rocha, o diretor musical da TV Globo, já trabalha na trilha sonora da novela “Tempos Modernos” que substituirá “Caras & Bocas” em janeiro de 2010. A cantora Myllena, revelada no quadro “Garagem” (do Domingão do Faustão), cantará o tema de abertura, “Cérebro Eletrônico” (de Gilberto Gil). Também estão confirmadas fonogramas interpretados por Cássia Eller, Zé Ramalho, Ana Carolina, Arnaldo Antunes, Zélia Duncan e Maria Rita. · Caberá a Rildo Hora a produção do esperado novo álbum de Beth Carvalho que já começa a ser formatado para ser lançado no próximo ano. Deve vir coisa muito legal por aí! · Em tempos de comemoração pelo nascimento do Cristo Jesus, desejo a todos os leitores um feliz e santo Natal e que o espírito de cooperação permaneça durante todos dos dias de nossas existências!Cantora: DANIELA MERCURY
Gravadora: SONY MUSIC
Cantor: GILBERTO GIL
RUBENS LISBOA é compositor e cantor
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