MUSIQUALIDADE

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantora: SELMA REIS

CD: “A MINHA HOMENAGEM AO POETA DA VOZ”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

Carioca de São Gonçalo, a cantora Selma Reis chegou a cursar faculdade de Comunicação, mas durante o período em que viveu na França resolveu estudar Letras e Música, especialmente técnica vocal. Foi no seu retorno ao Brasil que ela mergulhou no mundo artístico de cabeça, lançando em 1987, de maneira independente, o seu primeiro disco. No entanto, somente em 1990, quando teve a canção “O Que É o Amor” (de Danilo Caymmi e Dudu Falcão) incluída na trilha sonora da minissérie global “Riacho Doce”, é que começou de fato a ser conhecida, posto que tal tema se transformou em um dos mais executados daquele ano. De lá para cá, é verdade que ela lançou alguns bons discos, porém nos últimos tempos andou um tanto à margem do mercado fonográfico, o que lhe permitiu fazer incursões esporádicas como atriz tanto no teatro como na televisão.

No finalzinho do ano passado, depois de um considerável período de maturação, chegou ao mercado o novo e esperado CD da intérprete, um mais que merecido tributo ao grande letrista Paulo César Pinheiro. Intitulado “A Minha Homenagem ao Poeta da Voz”, o trabalho é composto por quatorze faixas e mais “Ofício”, belo texto que vem declamado pelo próprio homenageado. Somente a faixa “Passatempo” é inédita. Trata-se de canção que denota se encontrar Pinheiro em perfeita fase criativa. Aliás, ele assina sozinho a autoria dela, ratificando o interesse que vem demonstrando ultimamente de também criar melodias.

Selma, por sua vez, mostra o seu vozeirão sem medo, ainda que em alguns momentos baixe o tom, o que faz de forma apropriada, amoldando-se à emoção que cada canção lhe pede. Ela é (sempre foi) do tipo de intérprete visceral, daquelas que, por vezes, chega a beirar o over. Não é, todavia, o que acontece nesse novo trabalho. Seu timbre grave pode ser ouvido na medida certa e, ousada, ela formou o repertório do disco com algumas músicas anteriormente já gravadas por gente do porte de Elis Regina, Clara Nunes e Simone. O resultado é muito bom e tem tudo para fazer com que Selma volte a tocar com a frequência que lhe é devida nas rádios.

As canções de Pinheiro, por sua vez, dispensam comentários. Difícil mesmo encontrar, em toda a história da MPB, um criador tão prolífico quanto ele. Escreve compulsivamente, suas letras são sempre interessantes e abordam temas bastante variados. Por isso, Selma deve ter tido dificuldade para escolher o repertório. Contudo, terminou por fazê-lo, em sua maioria, com canções compostas por Pinheiro ao lado de seus vários parceiros e lançadas na década de setenta. O CD é aberto e fechado, magistral e respectivamente, com uma versão percussiva de “Banho de Manjericão” e com um emocionante registro de “Minha Missão” (ambas parcerias com João Nogueira) e segue seu percurso musical pescando pérolas como “Cicatrizes” (com Miltinho), “Viagem” (com João de Aquino), “Cordilheiras” (com Sueli Costa) e “Tô Voltando” (com Maurício Tapajós). Já “Vou Deitar e Rolar” (com Baden Powell) e “Bolero de Satã” (com Guinga), ambas pinçadas do repertório da Pimentinha, se transformam em dois dos melhores momentos desse bem-vindo álbum que tem como único senão a versão despojada conferida à faixa “As Forças da Natureza”, a qual traz a participação especial de Diogo Nogueira, uma vez que contrasta com a profundidade de sua letra apocalíptica. A outra convidada do CD é Beth Carvalho que surge altaneira em “Portela na Avenida” (parceria com Mauro Duarte), faixa que conta ainda com floreios operísticos de Selma no contracanto, permitindo-lhe explorar os registros agudos de sua voz.

Ancorada, na execução dos arranjos, pela arte de músicos talentosos (o pianista Paulo Malagutti, o percussionista Robertinho Silva e o guitarrista Victor Biglione estão entre eles), Selma Reis voltou ao cancioneiro popular, após pisar por algum tempo no terreno sacro, com o pé direito. Agora, é partir para o abraço.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: JULIANA KEHL

CD: “JULIANA KEHL”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

País musicalmente rico este nosso onde surgem tantos cantantes a cada semana. Sempre em maior quantidade que os homens (estes sempre se destacaram mais na arte de compor), as intérpretes femininas se proliferam em solo tupiniquim com uma profusão impressionante. Grande parte delas, todavia, beira o lugar comum e roça o rasteiro, motivo pelo qual terminam ficando no disco de estreia ou, quando muito, lançam trabalhos esporádicos que geralmente terminam passando batidos.

É certo que não há receita para se conquistar uma aceitação maior. Em algumas das vezes, cantoras talentosas terminam sendo subestimadas em detrimento de outras que, por algum motivo, a mídia resolve idolatrar. É que, na verdade, tudo o que envolve arte e seus derivados é mesmo muito complexo.

Essas considerações iniciais estão sendo feitas para se adentrar nas observações sobre o primeiro CD da cantora Juliana Kehl, uma produção assinada a quatro mãos por Gustavo Ruiz e DiasPaes (Dipa), o qual chegou ao mercado fonográfico no finalzinho do ano passado. Composto por uma dúzia de faixas, dez delas de autoria da própria artista (algumas criadas ao lado de parceiros), trata-se de um trabalho que merece atenção especial por parte de quem realmente gosta de música de qualidade.

Juliana, paulistana e também artista plástica, é irmã da poetisa Maria Rita Kehl (de quem musicou os versos de “Viação Cometa”, presente no repertório do álbum) e terminou por realizar um trabalho consistente no qual se constata a pluralidade de influências que molda sua personalidade musical. Logo na faixa de abertura, a interessante “Rede de Varanda”, percebe-se que ela não está para brincadeira: uma melodia bem construída emerge de versos criativos, emoldurados por um arranjo em que se destaca a pertinência de vários detalhes.

Complexo se torna, porém, catalogar a obra de Juliana, já que ela soa moderna sem se fazer de modernosa. Utilizando-se, em algumas passagens, de programações eletrônicas, o faz com a contrição adequada, pelo que as torna um charme a mais. Há, entre as canções selecionadas, samba de primeira categoria (“Ele Não Sabe Sambar”), ciranda de deliciosa condução (“Sinhô do Tempo”) e até passagem pelo toque do afoxé (“Carruagem”), além da bonita regional “Diadorim” (esta contando com a participação especial de Tulipa Ruiz, outra cantora em ascensão).

As regravações, duas apenas, foram muito bem escolhidas e ficam por conta de “Oiê” (do pernambucano Junio Barreto – que, aliás, participa dos vocais da faixa “Tá Perdido, Nego”) e “Outras Mulheres” (grande e pouco conhecida parceria de Joyce e Paulo César Pinheiro). Ambas terminam se transformando em pontos altos do recém-lançado disco.

Mas Juliana é, sim, uma compositora inspirada, conforme se detecta, por exemplo, de “A Música Mais Bonita”, canção de delicada tessitura e que conta com a intervenção sutil de scratches a cargo do DJ Marco. E também possui uma voz super afinada e melodiosa, dessas que cativam desde a primeira audição. Revela-se uma intérprete inteligente ao passar emoções precisas e se entrega à música sem se deixar enganar por preciosismos. Faz do seu canto um instrumento límpido e conquista pela aparente simplicidade que reveste sua base de cantora pronta. Quanto à lista de músicos participantes, essa inclui desde a inconfundível sanfona de Dominguinhos até o violão preciso de Swami Jr, passando pelo tecladista Marcelo Jeneci, pelo trombonista Bocato e pelo baterista Guilherme Kastrup. Gente de primeira linha!

Por ser o seu disco um trabalho inaugural independente, Juliana Kehl decerto necessitará de um empurrãozinho para se fazer devidamente conhecida. Pelo talento e compromisso que demonstra ter, faz-lhe cabível tal merecimento. Ouça a bela sem medo de ser feliz!

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     Patrícia Polayne ganhou, na sexta-feira passada, em Salvador (BA), o 1º lugar do Festival de Música da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub) com a canção “Arrastada” de sua autoria. A garota é mesmo arretada… Palmas pra ela!

 

·                     Produzido por John Ulhoa (integrante da banda Pato Fu), a cantora mineira Érika Machado lança o seu terceiro CD (sucessor de “No Cimento”, de 2006, e “O Baratinho”, de 2003). Intitulado “Bem Me Quer Mal Me Quer”, o trabalho traz treze canções em um repertório coeso e eminentemente autoral (a artista assina todas as faixas ao lado de parceiros, com exceção de “Plutônio Enriquecido”, composta por Ulhoa). Os arranjos, delicados e inteligentes, fazem constatar o cuidado da produção e possibilitam a Érika se sentir segura para entoar versos que destilam, em sua maioria, visões e experiências próprias. E embora ela não seja exatamente uma cantora de recursos vocais extraordinários, é constatável o avanço no seu cantar desde a estreia fonográfica. O timbre adolescente já soa seguro e se amolda perfeitamente aos temas escolhidos para as canções que surgem com um agradável formato pop. Dentre os melhores momentos do álbum estão “Dependente”, “Sei Lá”, “O Menino Perfeito” e “Control Z”.

 

·                     “Saudosismo” é o título do ótimo CD que reúne os talentos da cantora Elaine Guimarães e do violonista André Bedurê. São doze canções bem trabalhadas que mostram uma intérprete afinadíssima, segura e de timbre claro e bonito, passeando por arranjos bem concebidos e embebidos na MPB tradicional. Apenas duas faixas são inéditas: “A Verdade do Amor” e “Trilhas”, ambas de autoria dos dois artistas. As demais ficam por conta de releituras de temas criados, entre outros, por Caetano Veloso (a canção-título), Amado Régis (“O Samba e o Tango”), Cartola (“Acontece”) e Dorival Caymmi (“Vatapá”).

 

·                     João Donato se junta ao baixista Luiz Alves e ao baterista Robertinho Silva e juntos lançam, através da gravadora Dubas, o CD “Sambolero”, composto por doze faixas, todas de autoria de Donato em parceria com Lysias Ênio, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Abel Silva e outros. Trata-se de um disco instrumental, exceção feita à faixa “Sambou, Sambou” (criada por Donato ao lado do nosso saudoso João Mello) que conta, nos vocais, com a participação especial do irreverente Zeca Pagodinho.

 

·                     Talvez incentivado pela ótima aceitação da regravação de “Um Dia de Domingo” (de Michael Sullivan e Paulo Massadas) feita ao lado de Ana Carolina (a qual foi incluída, inclusive, na trilha sonora da recém-finda telenovela global “Caras & Bocas), o cantor e compositor Celso Fonseca resolveu gravar um CD (intitulado “Voz e Violão” e que chega ao mercado através da gravadora Universal) no qual se mostra voltado para o seu lado de intérprete. Registrado durante show realizado na casa de espetáculos “Estrela da Lapa” (RJ), em setembro do ano passado, o novo álbum (também disponível em DVD) traz quatorze canções num formato enxuto que ganham, aqui e ali, algumas intervenções eletrônicas pré-gravadas. Apenas duas das faixas escolhidas são de autoria do próprio artista (“Febre” e “Slow Motion Bossa Nova”, parceria com Ronaldo Bastos). No restante do repertório, Celso resgata sucessos de Rita Lee (“Caso Sério”), Gilberto Gil (“Tempo Rei”), Lulu Santos (“Tudo Bem”) e Synval Silva (“Adeus Batucada”), entre outros.

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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