M U S I Q U A L I D A D E CD: “AFRICANATIVIDADE – CHEIRO DE BRASIL” Gravadora: UNIVERSAL Quando Sandra de Sá surgiu na música popular brasileira, o ano era 1980 e a Rede Globo levava ao ar um festival de música que foi muito bem recebido pelo público, tanto que ali também começaram a ver suas carreiras de fato alavancadas nomes como Oswaldo Montenegro, Joyce e Fátima Guedes. A artista (que durante certo tempo denominou-se artisticamente Sandra Sá – o “de” veio depois, por conta da numerologia) incendiou o Brasil com “Demônio Colorido” e começou a frequentar as paradas de sucesso. Chegou a receber, logo em seguida, a alcunha de “Tim Maia de saias” por conta de sua predileção por canções ligadas ao funk e ao soul com bases rítmicas acentuadas e nítidas influências tanto do movimento negro americano quanto das raízes africanas. Mas carioca do bairro de Pilares, ela também se mostrava à vontade no terreno do samba e, eclética, vez ou outra se aventurava no terreno do blues. Todas essas vertentes de certa forma estão presentes, em maior ou menor quantidade, no CD intitulado “AfricaNatividade”, o qual acaba de chegar ao mercado através da gravadora Universal, quebrando um jejum fonográfico de dez anos no que tange a um projeto de inéditas. De fora, ficaram apenas – e ainda bem – as baladas açucaradas e grandiloquentes que, por alguns anos, fizeram de Sandra uma das maiores vendedoras de discos em terras tupiniquins, mas que, por outro lado e de certa forma, macularam sua trajetória (“Bye Bye Tristeza”, “Solidão” e “Retratos & Canções”, por exemplo, estão entre elas). O novo álbum chega, então, em muito boa hora porque uma década é um período considerável (e perigoso) para um artista ficar fora da mídia, especialmente no que se refere às novas gerações, público consumidor em potencial. Nele, do começo ao fim, sente-se a mão forte de Sandra (para o bem e para o mal). Composto por quinze faixas, possui treze delas assinadas pela própria cantora, algumas ao lado de parceiros tais como Macau, Mombaça, Luiz Caldas, Renata Arruda e Zé Ricardo. Aí está um fator complicativo, vez que, embora a parte melódica soe diversificada nessa seara, as letras se revelam um tanto quanto frouxas. Especialmente resultam medianas as quatro canções criadas ao lado de Zé Ricardo, com destaque registrável apenas para a pseudo-bossa “Viver Pra Viver” que conta com a ilustre intervenção de Rildo Hora na gaita. Melhor resultado é alcançado com “Cheiro do Brasil”, “Baile no Asfalto” (que traz a participação especial de Seu Jorge) e “Movimento (Bagulho Doido)”, esta contando com um refrão pra lá de contagiante. Cantando absurdamente bem (ela passou recentemente por um período onde a voz se mostrou cansada, mas se apresenta novamente em forma, consolidando-se, com seu timbre vigoroso e caloroso, como uma das nossas melhores cantoras), Sandra é daquele tipo de intérprete que mergulha de cabeça naquilo que canta. O exemplo maior disso é o que ela se mostra capaz de fazer em “Imaginação”, um dos momentos mais bem resolvidos do álbum, ao lado da bonita “Pé de Meia”, composição antiga pinçada de seu primeiro disco. Outras duas faixas que resultaram interessantes são o samba “Tem Alguma Coisa Errada Aí” e a regravação mais suave de “Sina” (de Djavan), inteligentemente podada do dispensável “caetanear”. A viagem musical de Sandra de Sá apresenta algumas paradas obrigatórias na Mãe África (como, aliás, o próprio título do trabalho já entrega), mas a base é mesmo bem brasileira. E convém ressaltar a intervenção de barulhinhos bons que pipocam aqui e ali nos arranjos, salientando um cuidado sonoro elogiável. Se ainda não é o grande CD que a artista deve ao público, serve como um pontapé para uma volta com garra. Aos trinta anos exatos de carreira, ela pode, sim! CD: “DISNEY ADVENTURES IN SAMBA” Gravadora: WALT DISNEY RECORDS Para falar a verdade, quase sempre soam risíveis esses projetos que tentam tirar as canções de seus gêneros musicais originais e convertê-las em ritmos outros. São geralmente produtos oportunistas que não dizem a que vêm e passam em branco como as nuvens que sobrevoam diariamente as nossas cabeças. No entanto, não é o que acontece com o CD “Disney Adventures in Samba”, o qual acaba de chegar às lojas através da gravadora Walt Disney Records. Nele, surpreendentemente, a ideia de reembalar temas de filmes e de desenhos de Disney na cadência do samba termina soando muito legal. Anteriormente, já tinha sido lançado um álbum no mesmo formato, mas com artistas brasileiros interpretando alguns desses temas em ritmo de Bossa Nova. Ali, no geral, ficou uma sensação de que alguma coisa não funcionou muito bem. Neste recém lançado disco, ao contrário, a maioria das quatorze faixas apresentadas descem bem redondinhas. Produzido pelo competente Alceu Maia, o qual dividiu os arranjos das músicas com o não menos respeitável Ivan Paulo, o CD traz algumas canções originalmente compostas no nosso idioma pátrio para filmes como, por exemplo, “Você Já Foi à Bahia?” e “Alô, Amigos!”, e outras vertidas para o português, criadas, entre outras, para as películas “A Pequena Sereia”, “O Rei Leão” e “Mary Poppins”. Logicamente, soa tudo mais natural no primeiro caso, como se pode depreender das boas releituras conferidas às conhecidas “Na Baixa do Sapateiro” (de Ary Barroso) e “Você Já Foi à Bahia?” (de Dorival Caymmi) pelas belas vozes de Daniela Mercury e Margareth Menezes. São dois dos melhores momentos do projeto, ao lado de “Os Quindins de Yayá” (outra de autoria de Ary) com o grupo Casuarina e das ótimas versões de “Aqui no Mar” e “Supercalifragilisticexpialidoso” que ganharam interpretações irrepreensíveis dos sambistas Diogo Nogueira e Ana Costa. Entre alguns que apenas cumprem o dever de casa (Leci Brandão em “Tico-Tico no Fubá”, Martinho da Vila em “A Estrela Azul”, Alcione e sua sobrinha Sylvinha em “A Bela e a Fera”, Jorge Aragão em “Amigo Estou Aqui” e os grupos Exaltasamba em “O Que Eu Quero Mais É Ser Rei” e Molejo em “Eu Vou”), surgem Alexandre Pires e Dudu Nobre que conseguem se destacar com adequadas presenças em “Aquarela do Brasil” e “Somente o Necessário”. Fechando o trabalho, aparece a inédita “Pagode na Disney”, na qual Arlindo Cruz desfia uma série de clichês em letra mais que previsível. Entre mais altos do que baixos, o CD se firma como uma curiosidade que pode proporcionar bons momentos de deleite. Curta se puder! N O V I D A D E S · Ed Motta surgiu com alarde no mercado fonográfico muito por conta de ser sobrinho de Tim Maia e se assemelhar musical e fisicamente com o chamado “síndico”. Depois de alguns poucos sucessos iniciais, ele lançou discos mais elaborados, mas de complexa aceitação popular, o que terminou por restringir sobremaneira o seu público. Talvez sentindo a necessidade de conquistar uma fatia maior num mercado ávido por músicas palatáveis, ele lançou recentemente, através da gravadora Trama, o CD “Piquenique”. Não é um disco excepcional, até porque a música dançante que ele escolheu como mola-mestra para sua carreira assim não permite. E também porque todas as doze faixas inéditas são de sua autoria e ele definitivamente não é um dos compositores mais talentosos do nosso cancioneiro. No entanto, não dá para deixar de registrar que, se devidamente trabalhadas, algumas faixas têm boas chances radiofônicas. É o caso, por exemplo de “Minha Vida Toda Com Você”, “O Mestre e o Aprendiz”, “Nicole Versus Cheng” e “Nefertiti” (a única em parceria com Rita Lee, já que todas as demais são assinadas por ele e sua mulher Edna Lopes). A canção “Mensalidade” foi a escolhida para puxar o trabalho, mas é “A Turma da Pilantragem” (que conta com uma insossa participação especial de Maria Rita) que faz parte da trilha sonora da telenovela global “Viver a Vida”. · O cantor pernambucano Gonzaga Leal está lançando mais um CD. Intitulado “E O Que Mais Aflore”, o novo trabalho resvala para o lado folclórico, trazendo a lume algumas tradições culturais brasileiras. Eminentemente acústico, o álbum é composto por dezesseis faixas, dentre as quais merecem destaque “Na Primeira Cadeira Que Encontrei” (de Juliano Holanda), “Deu Saudade” (de Roberto Mendes e Herculano Neto) e principalmente o apropriado resgate de “Última Estrofe” (de Cândido das Neves). · Catapultada à fama através da internet, a cantora Mallu Magalhães lança o segundo CD (batizado com seu nome) através da gravadora Sony Music, dando sequência à carreira iniciada com um precipitado disco de estreia. Cultuada pelos moderninhos, a moça, recém-saída da adolescência (está com dezessete anos) e que atualmente namora Marcelo Camelo (ex integrante da banda Los Hermanos), tenta garantir o seu lugar ao sol. Desta feita, apresenta treze faixas divididas quase que meio a meio entre canções com letras em português e em inglês. Todas são de autoria dela própria, o que decerto terminou conferindo um clima um tanto quanto repetitivo ao final da audição. No entanto, não há como deixar de ressaltar o salto qualitativo dado com relação ao primeiro álbum. Mallu canta legalzinho, não obstante seu timbre seja demasiado pueril. O problema maior é sua insistência em anasalar as notas, o que por vezes termina lhe fazendo soar meio fanha. Produzido por Kassin, o som de Mallu, que se caracteriza por uma levada pop-folk (com tons de música country e ecos psicodélicos dos anos sessenta) surge envolvido por letras que retratam seu mundinho teen-blasé, mas termina ganhando profundidade em canções como “Shine Yellow” e “É Você Que Tem”, as quais receberam tratamento sonoro caprichado com a adição de sopros e cordas, respectivamente. Na ficha técnica, constata-se que a artista também foi a responsável pela execução de alguns instrumentos, tais como violões, ukulele e kazoo. Dentre as canções que merecem destaque estão “Te Acho Tão Bonito”, “Bee On The Grasse” e “O Heroi, o Marginal”. · Pedro Luís (vocalista e capitão-mor do grupo Pedro Luís e a Parede) lançará, em breve, o seu primeiro disco solo com produção assinada pelo duo carioca Ministereo, formado por Jr. Tostoi e Rodrigo Campello. Vem coisa boa por aí! · O cantor e compositor gaúcho Márcio Faraco, radicado há anos em Paris, lança aqui no Brasil o seu mais novo CD intitulado “Um Rio”. São canções de clima lounge, que possuem melodias elegantes emolduradas basicamente pelo seu violão e pelo piano majestoso de Philippe Baden Powell, co-autor, inclusive de duas das onze faixas. Como intérprete, Márcio põe sua voz miúda (que segue a escola de João Gilberto) a serviço de um clima bossa-jazz que encontra os seus melhores momentos nas faixas “Em Segredo” (parceria dele com Paulo Berquó) e “No Balanço do Mar” (com Philippe). Há mergulho no repertório de Edith Piaf (“À Quoi Ça Sert l’Amour”, de Michel Emer), homenagem aos povos indígenas (“Kanoê”) e até uma melodia criada sobre versos de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa (“O Guardador de Rebanhos”). Milton Nascimento surge como convidado especial na canção “Cidade Miniatura”. RUBENS LISBOA é compositor e cantor Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br Cantora: SANDRA DE SÁ
Cantores: VÁRIOS
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