Musiqualidade

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A

 

Cantor: MARCIO TUCUNDUVA

CD: “ANTIMODERNO”

Selo/Gravadora: ETANOISE/INDEPENDENTE

 

Não é à toa que o trabalho musical do cantor e compositor paulista Marcio Tucunduva traz, na sua essência, genes conceituais da obra de Raul Seixas. Com letras inspiradas e corrosivas, emolduradas por melodias que combinam elementos de música brasileira com a força e a contundência característica do rock e do blues, o artista iniciou sua trajetória tendo como “professor” o próprio Maluco Beleza. É que, aos treze anos, Tucunduva, por morar vizinho a Raul, lhe bateu à porta, sendo muito bem recebido e, a partir daí, teve com ele aulas de violão, gravou fitas caseiras ao seu lado e chegou a segui-lo durante as gravações em estúdio de seu penúltimo disco.

Tucunduva, impulsionado pelo ídolo, seguiu em frente, começando a compor e atuando em bandas. Quando de sua passagem pelo Rio de Janeiro, conheceu o renomado tecladista Mu Carvalho, ex integrante da lendária banda A Cor do Som, e dele se tornou parceiro, tendo conseguido, logo em seguida, ver incluída a canção “Enjoado Jungle” na trilha sonora da telenovela global “Vila Madalena”, exibida em 2000. Três anos depois, Tucunduva lançou o CD “Etanoise”, o qual obteve ótima aceitação da crítica especializada.

Acaba de chegar ao mercado o álbum “Antimoderno”, uma produção independente, lançada em formato de envelope e capitaneada pelo próprio Tucunduva ao lado do guitarrista Marcos Ottaviano. Aliás, eles dois e mais Andrei Ivanovic no baixo e Mário Fabre na bateria compõem o quarteto de músicos responsáveis pelos arranjos e execuções das canções. As dez faixas que integram o repertório foram compostas somente por Tucunduva, com exceção de “Caixa-Forte” que é resultante de uma parceria dele com o citado Ottaviano.

Trata-se de um trabalho para ser depurado devagarzinho e com gosto (feito bebida rara). É que são várias as influências explicitadas que vão desde (musicalmente falando) Jimi Hendrix (na excelente faixa-título que também flerta escancaradamente com o samba) até (com citações de versos) Chico Buarque (nas ótimas “Que Sabe a Cabra?” e “Salada Mista”). Aliás, ressalte-se aqui, a primeira metade do disco revela-se de uma inspiração incontestável com destaque para a verborrágica “No Meio do Caminho”. Da mesma forma que não reside qualquer dúvida sobre a evolução e o amadurecimento musical de Tucunduva que, hoje, possui todas as credenciais para ser respeitado como um dos nomes de ponta da nossa música atual.

Ótimo intérprete, com uma extensão considerável de voz e dotado de grande poder de persuasão, ele mostra que, de fato, acredita no que canta. Com um timbre que (e isso é incrível!) lembra também o de Raul (é só ouvir, por exemplo, “Entre a Cana e o Tédio” e “A Amizade É a Mesma”), ele sabe se fazer cativar pelo ouvinte seja quando abaixa o tom para ressaltar o ar sombrio de “Olha Quanta Coisa” (que expõe com maestria o tédio urbano), seja quando traz a lume os ecos nordestinos do repente em “Parafuso Horário” ou ainda quando soa mais que direto em “Soladeira”. É bem verdade que fica claro que o que pulsa mais intensamente em suas veias é o sangue nervoso do rock, o que faz com que, em geral, ele destile críticas bastante ácidas. No entanto, uma fina ironia também lhe é inerente ao espírito, reverberando bem consistente quando ele tira onda com os “moderninhos” de plantão. Essa opção por ir de encontro ao vigente, aliás, é entregue ao ouvinte logo na foto da capa, onde se vê, em preto e branco, a boca escancarada do artista.    

Marcio Tucunduva definitivamente não se adequa a rótulos, não segue fórmulas e nem se vende a estratégias de marketing. Relevante e mordaz nas medidas certas, ele faz do novo CD um cartão postal de sua criatividade. Com tiradas inteligentes e uma música com assinatura própria, confirma seu talento inato. Vale super a pena conhecer!

 

 

N O V I D A D E S

 

· Depois de lançar o primeiro CD nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, a cantora paulistana Luísa Maita, filha do músico Amado Maita e sobrinha de Daniel e Benjamim Taubkin, coloca-o nas lojas brasileiras através do selo Oi Música. A artista já vem colecionando experiências no meio musical, vez que participou dos Trovadores Urbanos (trupe paulistana especializada em serenatas), integrou o grupo pop Urbanda e teve composições gravadas por Virgínia Rosa e Mariana Aydar. O álbum, intitulado “Lero-Lero”, chega, portanto, em muito boa hora e mostra uma artista inspirada e com boas ideias para mostrar. Produzido por Paulo Lepetit, é composto por onze faixas, sendo oito delas de autoria da própria artista. E Luísa se mostra de fato uma boa criadora de canções, capaz de construir temas contagiantes como “Alento”, “Fulaninha” e “Anunciou”, além da faixa-título, quatro grandes momentos. As três músicas restantes são de autoria do seu namorado (com destaque para “Desencabulada”, parceria com Luís Felipe Gama), o músico e compositor Rodrigo Campos, nome também emergente no atual cenário da nossa música popular. Luísa tem voz delicada (que lembra muito o timbre de Vanessa da Mata) e canta com segurança e desenvoltura. A sonoridade do trabalho é urbana, com predominância do samba sem, contudo, a ele se prender, e os arranjos contam com programações eletrônicas que servem para realçar as intenções e universalizar as influências regionais. Bem legal!

 

· Chegou recentemente às lojas o CD “Noite Preta”, também disponível em DVD, registro ao vivo de show realizado por Preta Gil na boate The Week, no Rio de Janeiro, em outubro do ano passado. Os arranjos pouco convincentes atrapalham o projeto que revê os dois maiores sucessos da carreira da própria artista (“Andaraí” e “Sinais de Fogo”, esta contando com a participação especial de Ana Carolina), rebobina hits de Xuxa (“Doce Mel”) e dos Paralamas do Sucesso (“Lourinha Bombril”) e apresenta uma boa música inédita, “Stereo”, outro presente que ganhou da citada Ana em parceria com Antonio Villeroy. O papai Gilberto Gil é o convidado especial na faixa “Flora”, momento mais calmo do repertório ao lado da releitura de “Cheiro de Amor”, tema que se tornou famoso com a interpretação de Maria Bethânia. Se no quesito voz Preta ainda deixa a desejar, não se pode negar que ela sabe animar a festa como poucos.

 

· Devidamente remasterizadas, as vinte canções que resultaram de dois memoráveis encontros entre Tom Jobim e Frank Sinatra acabam de ser reeditadas na inédita compilação “Sinatra Jobim – The Complete Reprise Recordings”. Anteriormente lançada nos Estados Unidos pela gravadora Concord Music, a coletânea chega agora ao mercado nacional através da gravadora Universal. Os maiores hits do nosso Maestro Soberano estão lá, magistrais, na interpretação sempre elegante do Rei da Voz. Os grandes destaques do primoroso repertório ficam por conta de “Dindi”, “Meditation (Meditação)”, “The Song of the Sabia (Sabiá)”, “Wave” e “Bonita”. Imperdível!

 

· Clara Sandroni lança, através da gravadora Biscoito Fino, mais um CD. Desta vez, o repertório de treze faixas vem formado por regravações de canções assinadas, entre outros, por Caetano Veloso (“Cajuína”), Dorival Caymmi (“Rosa Morena”) e Tom Jobim (“Desafinado”, parceria com Newton Mendonça). Cantora de timbre exótico, ela se faz acompanhar apenas pelo piano de Paulo Malaguti Pauleira. Os melhores momentos ficam por conta de “Laser” (de José Miguel Wisnik e Ricardo Breim), “Iracema Voou” (de Chico Buarque) e “Na Asa do Vento” (de João do Vale e Luiz Vieira).

 

·  Em 1979, quando estourou nacionalmente com a canção “Clareana”, composta em homenagem a duas de suas filhas, a cantora Joyce já tinha um certo tempo de estrada e quatro discos lançados. Mas foi com o álbum intitulado “Feminina”, lançado no ano seguinte, que a também ótima compositora realmente viu seu nome passar a ser conhecido por um público considerável. Esse disco acaba de ganhar caprichada reedição e volta ao catálogo através da gravadora EMI. Produzido por José Milton, o trabalho é composto por dez canções, tendo quase todas elas se transformado em sucessos, a exemplo de “Essa Mulher”, “Mistérios” e “Da Cor Brasileira” que mereceram belíssimos registros por parte de Elis Regina, Milton Nascimento e Maria Bethânia, respectivamente. A instrumental “Aldeia de Ogum” que se transformou, nos anos noventa, em hit das pistas de danças europeias, é outra faixa que merece incontestável destaque.

 

· A cantora Nina Becker ainda é desconhecida do grande público, mesmo sendo, já há alguns anos, uma das vocalistas da cultuada Orquestra Imperial (a outra é a também atriz Thalma de Freitas), grupo de jovens artistas do universo indie carioca que está em franca ascensão no mercado musical nacional. Mergulhando de cabeça na carreira solo, a artista acaba de lançar, salutar e corajosamente, dois discos de forma simultânea, os quais chegaram ao mercado através da gravadora YB Music. Ambos os álbuns levam a assinatura dela própria na produção, ao lado de Maurício Tagliari e Carlos Eduardo Miranda e são compostos por dez faixas. A sonoridade tende para o cool e a voz delicada de Nina (que lembra muito o timbre de Marisa Monte – outra!) se adequa perfeitamente aos arranjos etéreos que foram formatados, em sua maioria, com pouquíssimos instrumentos. Em “Azul”, destacam-se as faixas “Samba Jambo” (de Jorge Mautner e Nelson Jacobina), “Ela Adora” (de Nina, Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes), “Não Tema” (de Ricardo Martins) e “Não Me Diga Adeus” (de Paquito, Luís Soberano e João Correia da Silva). Já em “Vermelho” (gravado com os músicos da banda carioca Do Amor), os melhores momentos ficam por conta de “Toc Toc” (de Rubinho Jacobina), “Superluxo” (de Nina e Nervoso) e “Lágrimas Negras” (outra da dupla Mautner e Jacobina). As faixas “Lá e Cá” (de Moreno Veloso, Quito Ribeiro e Bartolo) e “Janela” (de Nina e Domenico Lancellotti) aparecem nos dois CD’s, mas em versões diferentes.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

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