Musiqualidade

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A

 

Cantores: ZÉ RENATO e RENATO BRAZ

CD: “PAPO DE PASSARIM”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

Conhecido como o país das grandes cantoras (como o é, de fato), o Brasil renega geralmente seus intérpretes masculinos a um indócil segundo plano. Realmente, os grandes homens da nossa MPB se destacam mais no quesito compositor do que no de cantor. Logicamente que já surgiram por aqui vozes de ouro atemporais, como Nelson Gonçalves, Silvio Caldas e Orlando Silva, mas atualmente, afora honrosas exceções, a exemplo de Ney Matogrosso, Emílio Santiago e Oswaldo Montenegro, é raro nos depararmos com um cantor que empolgue pela garganta.

É por isso que se faz justo soltarem-se fogos para o lançamento do CD “Papo de Passarim”, o qual chega ao mercado de maneira independente, unindo os melodiosos vocais de Zé Renato e Renato Braz. São dois grandes representantes da bela arte de cantar: donos de timbres personalíssimos, eles também pertencem àquele nicho especial dos que se entregam de corpo e alma às canções. 

Zé é capixaba e começou cedo na vida artística, atuando, aos nove anos, em uma peça dirigida pelo mestre Ziembinski. Foi na adolescência que começou a se interessar pela música, abraçando de pronto o violão como instrumento amigo. Participou de vários festivais até que, em 1979, formou o lendário quarteto vocal e instrumental Boca Livre, ao lado de Cláudio Nucci, David Tygel e Maurício Maestro. O grupo conseguiu emplacar alguns sucessos, mas, a partir de 1984, Zé começou

a atuar em dupla com Nucci, chegando a engatar as canções “Pelo Sim, Pelo Não” e “A Hora e a Vez” na trilha sonora da novela global “Roque Santeiro”, um marco da teledramaturgia nacional. Depois disso, ele optou por desenvolver carreira solo e vem lançando regularmente álbuns de incontestável qualidade.

Braz é paulista e já aos quinze anos começou a se familiarizar com a percussão, vindo a tocar, em seguida, na noite. Como seu atual companheiro de palcos, ele também participou de diversos festivais. Em 2002, foi o ganhador do Prêmio Visa – Edição Vocal e, no ano seguinte, com o CD intitulado “Quixote”, sagrou-se vencedor na categoria “Melhor Cantor” no Prêmio Visa de MPB.

O encontro desses dois artistas vinha sendo desenhado há algum tempo. Braz sempre foi fã de Zé e Zé não se cansava de elogiar o talento de Braz. A concretização do desejo mútuo se deu quando do surgimento de um convite do Canal Brasil para que ambos unissem suas vozes na gravação de um especial para a TV. Em maio deste ano, o palco do Teatro Fecap, em São Paulo, recebeu, então, os dois artistas para a realização do show intitulado “Papo de Passarim”, o qual, devidamente registrado, aportou recentemente nas lojas nos formatos CD e DVD.

Instrumentalmente falando, trata-se de um trabalho simples, já que composto apenas por violão e percussão levados a cabo, de forma alternada, por eles próprios, com a adição somente do contrabaixo de Sizão Machado. Mas, na simplicidade dessa ambiência acústica, as duas vozes se harmonizam de forma tão sublime que, ao final, o álbum parece beirar a perfeição. De qualidade fora de série, aliam-se, no primoroso repertório, pérolas praticamente desconhecidas do grande público (“Sem Fim”, de Novelli e Cacaso, e “Ponto de Encontro”, do próprio Zé ao lado de Milton Nascimento) a temas já deveras revisitados, mas que ganham nuanças praticamente definitivas (o medley que entrelaça “Kid Cavaquinho” com “De Frente Pro Crime”, ambas de João Bosco e Aldir Blanc, e a faixa-título do projeto, de Zé e Xico Chaves). Mas há muito mais. Há passagens que evocam a nostalgia ruralista (“A Saudade Mata a Gente”, de João de Barro e Antonio Almeida) e há escalas em Cuba (a instrumental “Canção Cubana” e “Adiós Felicidad”, de Ela O’Farrill, famosa nas vozes de Bola de Neve e Omara Portuondo). Há citação oportuna de “O Trenzinho do Caipira” (de Villa-Lobos e Ferreira Gullar) ao final da bonita “Desenredo” (de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro) e há samba feito para se pensar (“O Dia Em Que o Morro Descer e Não For Carnaval”, outra de Pinheiro, desta feita em parceria com Wilson das Neves). E há ainda a roda baiana de “Capoeira de Arnaldo”, do também paulista Paulo Vanzolini, e o humor inteligente e improvisado de “Panelada de Bochecha” (de Ary Monteiro e Raymundo Evangelista).

Enfim, um CD imperdível que reúne, em nobre e elegante celebração, duas vozes afinadíssimas num momento mais que especial. É para ouvir e se deleitar!

 

 

N O V I D A D E S

 

· Zéu Britto é artista performático baiano que faz as vezes de ator, cantor, compositor e apresentador. Dono de um carisma único, na música ele resolveu se arriscar pelo caminho de um brega bem-humorado e com duplo sentido. Seguindo o caminho aberto com o trabalho fonográfico de estreia, ele acaba de lançar, numa parceria com o Canal Brasil, o CD intitulado “Saliva-me – Ao Vivo”, gravado durante concorrida apresentação realizada no Teatro Livre da Fundição Progresso, no Rio de Janeiro. O repertório é basicamente autoral e idêntico ao do álbum anterior de estúdio, ficando de fora somente o tema “A Dama de Ouro” (de Maciel Melo), que fez parte da trilha sonora do filme “Lisbela e o Prisioneiro”. Em compensação, no novo projeto Zéu insere alguns poemas entre as faixas (todos bastante pertinentes, com destaque para “Amor de Montar”) e inclui a releitura de “Gosto Que Me Enrosco” (de Sinhô), além de duas canções inéditas de sua própria lavra: “Açougueiro” e “Interesseira”, esta contando com o ascendente Maurício Baia como convidado. Também surge presente, em participação especial, a conterrânea Ivete Sangalo, bem à vontade na ótima “Brega de Leila”. Outros dos melhores momentos ficam por conta de “Hino em Louvor às Raspadas”, “Ousadia no Fundo do Mar” e “Soraya Queimada”. Muito legal!

 

· Com plateia lotada, a banda sergipana A Casa do Zé lançou, semana passada, no auditório da Biblioteca Pública Epifânio Dória o primeiro CD da carreira. Intitulado “Maria Anita”, o trabalho é composto por onze faixas e mostra que o universo infantil pode ser cultivado tanto por temas recolhidos do nosso cancioneiro popular (“Peixinho do Mar”, “De Abóbora Faz Melão” e “Na Loja do Mestre André”) quanto por belas canções da MPB pinçadas com o cuidado necessário (“Bola de Meia, Bola de Gude”, “Andar com Fé” e “É Tão Bom”). No disco, o baiano Luiz Caldas aparece como convidado especial da faixa “Borboleta”. Já no show, a participação afetiva e efetiva ficou por conta do excelente Ferraro Trio. Vale a pena conhecer!  

 

· O produtor Thiago Marques Luiz capitaneia as gravações do CD que, em 2011, servirá para celebrar o centenário de nascimento do compositor e sambista Nelson Cavaquinho. Entre as presenças já confirmadas estão Arnaldo Antunes, Alcione e Zezé Motta.

 

· Lulu Santos informa que, com o advento da internet e suas mídias afins, deixou de acreditar no produto CD como meio material de disseminação da sua obra musical. Desta forma, o álbum “Lulu Acústico MTV II”, que chegou recentemente às lojas através da gravadora Universal, poderá ser o último do artista. De qualquer forma, vamos torcer para ele mudar de opinião, pois é incontestável sua capacidade em criar canções de cunho radiofônico sem cair na banalidade que costuma assolar o pop nacional. No novo trabalho (que também poderá ser encontrado no formato DVD), o artista se mostra em perfeita forma vocal e coleciona canções que alcançaram considerável sucesso em sua vitoriosa trajetória, não obstante o repertório ter priorizado temas mais recentes, a exemplo de “Baby de Babylon”, “Já é!” e “Vale de Lágrimas”, esta um dos melhores momentos em sua versão com ares de tango. Se bem que há também resgates de alguns hits mais antigos, como é o caso de “Dinossauros do Rock” e “Tudo Azul”. A sonoridade agora é bem mais acústica que a de costume, com Lulu empunhando violão no lugar de guitarra e a bateria fazendo as vezes de percussão. Há as participações especiais de Marina De La Riva em versão bilíngue de “Adivinha o Quê?” e do baixista Jorge Ailton na autoral “O Óbvio”. De quebra, Lulu apresenta uma única e interessante inédita: “E Tudo Mais”. Outros dos melhores momentos ficam por conta de “Minha Vida” e “Brumário”, esta recentemente redescoberta por Ivete Sangalo.

 

· O quarteto carioca Do Amor lançou recentemente, de forma independente, o seu primeiro CD, após ter editado, em 2007, um EP de divulgação. Formado por Gabriel Bubu (guitarra e voz), Gustavo Benjão (guitarra e voz), Marcelo Callado (bateria e voz) e Ricardo Dias Gomes (baixo e voz), o grupo tem estes dois últimos músicos também integrando a atual banda que acompanha Caetano Veloso. Produzido por Chico Neves, o álbum é composto por quatorze faixas, todas elas de autoria de seus próprios integrantes, com exceção da releitura de “Lindo Lago do Amor”, um dos últimos sucessos de Gonzaguinha. A sonoridade é pop, mas com fartas doses de experimentalismo que traz a reboque diversas referências rítmicas (rock, reggae e carimbó estão entre elas). Dentre os melhores momentos estão as canções “Dar uma Banda”, “Meu Corpo Ali” e “Perdizes”.

 

· No volume a ele dedicado da série “Perfil”, um lançamento da gravadora Som Livre e já nas lojas, Ivan Lins fez questão de regravar todas as canções selecionadas. Entre as novas versões, destaca-se especialmente “A Noite”, faixa que contou com a participação especial de Jorge Vercillo nos vocais.

 

· Já se encontra disponível o segundo CD do casal Estrela Ruiz Leminski e Téo Ruiz, os quais possuem o mesmo sobrenome, mas por pura coincidência do destino. Convém destacar, no entanto, que Estrela traz o gene criativo nas veias, posto que é filha do poeta Paulo Leminski e da letrista Alice Ruiz (parceira, dentre outros, de Itamar Assumpção, Zélia Duncan e Lucina). Estrela e Téo formaram o grupo Música de Ruiz, integrado também por Fred Teixeira (violão e vocal), Dú Gomide (violão, viola, guitarra e vocal), Érico Viensci (baixo, cavaquinho e vocal) e Denis Mariano (bateria e percussão), o qual atua regularmente em Curitiba (PR) e, através do selo Sete Sóis, estão lançando o CD intitulado “São Sons”, composto por quinze faixas criadas conjuntamente entre os dois ou por eles ao lado de diversos parceiros. Embora tanto Estrela quanto Téo também cantem, eles permitem que os destaques vocais do álbum fiquem por conta dos convidados especiais: André Abujamra, Ceumar, Natalia Mallo, Rubi, Kleber Albuquerque e Ná Ozzetti, entre outros. E não se espere ouvir canções descartáveis! Estão lá ideias da melhor qualidade emolduradas por melodias muitas vezes pouco convencionais. Todavia, ao invés de parecer apenas exótico, o resultado soa acima da média. Entre os melhores momentos estão as faixas “Chose”, “Reinvento”, “Parecer”, “Chapéu de Sobra” e “Verossímil”. No encarte, aparecem notas assinadas pelos próprios artistas comentando, faixa a faixa, o nascimento e as propostas das mesmas. 

   

· Ao fim, registramos com sincero e imenso pesar o falecimento do cantor e compositor Irmão. Grande artista sergipano, ele sempre foi um defensor da cultura local, engajando-se em vários movimentos desde sua entrada no mundo da música. Gravou discos e CD’s e durante muito tempo apresentou-se em dupla com o compadre Tonho Baixinho. Suas canções foram gravadas por vários intérpretes da nossa terra e, ao longo de sua vida, ele colecionou diversos amigos e parceiros musicais, ratificando possuir uma personalidade do bem. Sua obra possuía uma digital característica, misturando com pertinência influências do afro com o funk, com passagens pelo samba. Sua bela voz grave e suas opiniões sempre centradas decerto que irão deixar muitas saudades…

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br  

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