Musiqualidade

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A

 

Cantora: ADRIANA CALCANHOTTO

CD: “O MICRÓBIO DO SAMBA”

Gravadora: SONY MUSIC

 

Quando a gaúcha Adriana Calcanhotto chegou ao Rio de Janeiro no final da década de oitenta, trazia na bagagem tão somente alguma experiência como cantora na noite de Porto Alegre, onde se apresentava em barezinhos, churrascarias e casas noturnas. Alçada ao posto de grande revelação da nossa música popular brasileira logo ao lançar, em 1990, o seu primeiro disco (“Enguiço”), veio em seguida ratificar o que dela se anunciava, tanto que conseguiu construir uma carreira sólida, lançando álbuns esporádicos mas sempre coerentes e frequentando com regularidade as paradas de sucesso.

É bom que aqui se ressalte que Calcanhotto já cravou o seu nome no pequeno e seleto grupo das compositoras de real talento (ao lado de nomes como Rita Lee, Dolores Duran, Marina Lima, Chiquinha Gonzaga e Dona Ivone Lara) em um país que, embora seja conhecido como o celeiro das grandes cantores, no quesito criação faz-se mesmo destacar é com autores do sexo masculino.

Depois de também se aventurar com inteligência pelo universo infantil sob o heterônimo de Adriana Partimpim, ela acaba de fazer chegar às lojas, através da gravadora Sony Music, o seu novo e interessante CD. Intitulado “O Micróbio do Samba” (nome inspirado em declaração do conterrâneo Lupicínio Rodrigues) e produzido por Daniel Carvalho, esse trabalho surge composto por uma dúzia de canções (dez delas inéditas), todas assinadas unicamente pela própria artista (a exceção é “Vem Ver’, parceria dela com Dadi).

Calcanhotto sabe o que faz e não mergulhou no terreno do samba de uma hora para outra. Ela se apropriou de sua vivência de anos em terras cariocas e criou músicas pertinentes, revestindo-as, contudo, com uma grife toda própria. E isso se faz claro através da forma como escolheu para emoldurar a sua obra: os arranjos concisos não são os característicos de discos de samba; pelo contrário, ao se unir a músicos da nova geração, tais como Alberto Continentino (contrabaixo) e Domenico Lancellotti (bateria e percussão), ela termina por apresentar uma sonoridade despojada e moderna. Os mais conservadores, no entanto, podem ficar tranquilos porque (felizmente), mesmo em assim sendo, não há nada de excêntrico nem de experimental. Talvez ela faça, digamos assim, um samba cool.

O fato é que o CD desce redondinho e a cada nova audição vai se fazendo fixar aos ouvidos. Calcanhotto não é uma intérprete excepcional daquelas que arrebatam logo de cara. Tampouco não possui uma voz fora do comum. Sua extensão é pequena, mas de uma claridade ímpar. Afinada, possui um timbre agradabilíssimo e neste novo trabalho se mostra especialmente inspirada nessa seara.

Seu flerte com o samba teve início quando ela compôs “Vai Saber?”, cuja intenção era que fosse gravada por Mart’nália. Quis o destino que essa canção terminasse caindo nas mãos de Marisa Monte que a incluiu em seu álbum “Universo ao Meu Redor”, lançado em 2006. No ano passado, foi a vez de a sambista Teresa Cristina registrar no disco “Melhor Assim – Ao Vivo” outro bom tema de Calcanhotto (“Beijo Sem”, coincidentemente contando com a participação de Marisa Monte), que caiu de imediato nas graças do público (atualmente faz parte da trilha sonora da telenovela global “Insensato Coração”). Foi impulsionada pela boa receptividade dessas duas músicas que Calcanhotto teve o insight de gravar esse álbum conceitual que aporta no mercado em muito boa hora.

Boa letrista (embora, por vezes, demasiadamente concisa), Calcanhotto conta as aventuras e desventuras amorosas através da ótica feminina, fazendo isso sem culpas e de maneira contemporânea, não obstante recorra, vez por outra, a uma tipologia de imagens associada ao universo do samba. Só que agora é a cabrocha quem deixa o companheiro esperando por ela e cai de cabeça no Carnaval (“Tá na Minha Hora”) ou a mulher que passa na cara do ex-amor que encontrou um amante melhor (“Pode Se Remoer”). E se há espaço para o samba de roda (“Você Disse Não Lembrar”, que conta com a intervenção de Moreno Veloso no prato e faca), uma abertura estilística permite a inclusão da marcha-rancho “Tão Chic”. Alguns dos melhores momentos ficam por conta de “Já Reparô?” (que conta com a guitarra de Rodrigo Amarante e traz versos que ressaltam a falta de molejo da namorada substituta), “Eu Vivo a Sorrir” (canção que remete ao fado e foi eleita a música de trabalho da edição lusitana desse disco, o qual está sendo lançado concomitantemente aqui no Brasil e em Portugal) e “Deixa, Gueixa” (marchinha carnavalesca com direito a coro de amigos e cavaquinho de Davi Moraes).

Enfim, trata-se do primeiro grande CD de 2011! Se você curte Adriana Calcanhotto, este é um lançamento imperdível. E se, por acaso, ainda não a curte, está aí uma ótima oportunidade para rever seus conceitos…

 

 

N O V I D A D E S

 

· Gianfrancesco Guarnieri foi autor de memoráveis peças de teatro, além de ator dos melhores que já passaram por este país (a interpretação dele para a personagem Tonho da Lua, na primeira versão da telenovela “Mulheres de Areia” levada ao ar nos anos setenta pela TV Tupi, é um dos grandes momentos de toda a história da teledramaturgia brasileira). Também compositor, sua obra musical está sendo merecidamente revista através do CD intitulado “Um Grito Solto no Ar”, o qual chegou recentemente ao mercado através da gravadora CPC Umes. Produzido com competência por Heron Coelho, vinte criações de Guarnieri são apresentadas às novas gerações. A maioria das canções, todas de valor histórico inquestionável, foi composta ao lado de parceiros como Toquinho e Edu Lobo. O álbum é ancorado na bela voz da cantora (e também atriz) Georgette Fadel, infelizmente ainda pouco conhecida pelo grande público, mas uma dessas raras intérpretes que sabem o que estão cantando. Há as participações especiais de Carlos Lyra, Francis Hime, Celso Sim e Carlos Navas. Alguns dos melhores momentos ficam por conta das faixas “Canção do Medo”, “Estatuinha”, “Nóis Não Usa as Blequetais” e “Memórias de Marta Saré”, além das mais conhecidas “Upa Neguinho” e “Feio Não É Bonito”, ambas famosas na voz de Elis Regina. Um lançamento realmente imperdível! Em tempo: está mais do que na hora de as trilhas originais de peças criadas por Guarnieri e seus parceiros voltarem ao catálogo.

 

· “Doce Devassa” é o título do CD que a cantora e compositora carioca Marília Bessy acaba de lançar através da gravadora Discobertas. De sonoridade roqueira, o trabalho traz canções inéditas autorais e algumas regravações. Produzido pelo baixista Rodrigo Santos, um dos destaques do eclético repertório é a faixa “O Que Você Quer de Mim” que conta com a participação especial de Ney Matogrosso.

 

· Para marcar o início da carreira profissional, a banda Jota Quest estará lançando em abril a coletânea “15 Anos na Moral” que trará no repertório, além dos maiores sucessos, a inclusão de três músicas inéditas. Especialmente para fãs!

 

· Depois de Maria Gadú, será a vez de a cantora Thaís Gulin receber todo o apoio (leia-se: estratégia de marketing) da gravadora Som Livre (através de seu selo SLAP), um dos braços integrantes das Organizações Globo. Estará chegando ainda este mês às lojas o segundo CD da artista (o seu homônimo álbum de estreia saiu em 2006 pela Rob Digital), o qual se intitula “ôÔÔôôÔôÔ” e leva as assinaturas dos descolados Alê Siqueira e Kassin na produção. No repertório estão presentes canções de autoria de Adriana Calcanhotto, Ana Carolina, Rodrigo Bittencourt, Tom Zé e Chico Buarque (estes dois últimos, aliás, surgem como convidados especiais das autorais e inéditas faixas “Ali Sim, Alice” e “Se Eu Soubesse”, respectivamente).

 

· O novo e esperado CD de Gal Costa (que terá o repertório composto somente por canções inéditas de Caetano Veloso) contará com as participações do Rabotnik, grupo de música instrumental que atua na cena indie mais experimental, e da BandaCê. Em tempo: logo a seguir, Gal já tenciona voltar-se (novamente) para o repertório de Tom Jobim num projeto provisoriamente intitulado de “Tom de Gal”.

 

· Trinta e cinco dos incontáveis álbuns gravados por Mercedes Sosa voltarão brevemente ao catálogo. Uma bela iniciativa da gravadora Universal Music que informou ainda que todos esses discos serão devidamente remasterizados.

 

· Originalmente lançado em 1984, chegou recentemente às lojas (em nova edição levada a cabo pelo selo Discobertas) o álbum “Waldick Soriano Interpreta Roberto Carlos”. São doze faixas que reúnem dezesseis sucessos do Rei, sendo priorizados os de sua fase mais romântica. Estão lá, dentre outras canções, “Proposta”, “Amada Amante”, “A Distância”, “Café da Manhã”, “Cavalgada” e “Eu Quero Apenas”.

 

· Embora já lançado na Europa no ano passado, o CD “Aquarius” que une os talentos de Joyce e João Donato somente ganhará sua edição nacional no próximo ano. Quem viver, ouvirá!

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br  

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