Musiqualidade

R E S E N H A

Cantor: MARTINHO DA VILA
CD: “LAMBENDO A CRIA”
Gravadora: MZA MUSIC

 

Poucos sabem, mas na realidade Martinho da Vila nasceu no interior do Estado do Rio, embora sua carreira tenha se consubstanciado mesmo no bairro de Vila Isabel, localizado na Capital carioca, logo após a participação em festivais de música no final da década de sessenta. Em 1969, ele lançou o seu primeiro disco do qual constavam três dos inúmeros sucessos que colecionou ao longo dos anos: “Casa de Bamba”, “O Pequeno Burguês” e “Iaiá do Cais Dourado”.

Foi, no entanto, em 1973 que, com o álbum “Canta, Canta, Minha Gente”, ele veio a alcançar o grande estouro nacional com o já antológico samba “Disritmia”.
Pesquisador incansável da cultura popular e dono de um gingado todo próprio, Martinho foi um dos poucos artistas que não se curvou a modismos, nem mesmo quando o samba passou por um período de relativo ostracismo durante as décadas de oitenta e noventa. Foi, decerto, por conta dessa insistente e louvável ousadia que o publico sempre esteve ao seu lado e o transformou em um grande vendedor de discos. Canções como “Mulheres”, “Devagar, Devagarinho”, “Quem É do Mar Não Enjoa”, “Você Não Passa de uma Mulher” e “Sonho de um Sonho” são apenas alguns exemplos de músicas que se entranharam no inconsciente coletivo nacional.

Artista em constante ebulição criativa (prova disso é que, na contramão do que vem acontecendo no mercado fonográfico com a maioria de nossos ídolos, ele vem lançando CD’s com espantosa e invejável frequência), Martinho é um compositor eficiente e que sabe se abrir a parcerias. Como intérprete, tem a sabedoria de se fazer expressar com doses exatas de malícia e melancolia. É com essa (talvez) dispensável apresentação que se chega ao seu mais recente projeto, o CD intitulado “Lambendo a Cria”, o qual aportou semana passada no mercado através da gravadora MZA Music (e também se faz disponível no formato DVD, este dividido entre takes de estúdio e imagens da roda de samba armada e captada ao vivo em março de 2010). Como o título já entrega, trata-se de um disco feito no meio familiar de Martinho. E aí entenda-se família em seu sentido mais amplo. Pai de oito filhos, Martinho arregimentou cinco deles para fazerem parte desse novo trabalho (e é com esses – Mart’nália, Maíra Freitas, Juju Ferreira, Analimar Ventapane e Tunico Ferreira – que posou para a foto da capa), mas não restringiu as participações afetivas apenas a eles. A chamada “Família Musical” que se faz presente na boa faixa-título instrumental que abre o CD também contempla Gabriel de Aquino, Paulinho Black, Wanderson Martins, Kiko Horta, Victor Melo, Cláudio Jorge, Marcelinho Moreira, Paula Tribuzy e Ivan Machado, músicos que fazem parte da banda que acompanha o sambista. Todos terminam também por soltar a voz, com exceção do último, um exímio baixista.

O resultado soa acima da média e constata-se nítida a entrega de todos os envolvidos. Trata-se, de fato, de um dos melhores títulos da vasta discografia de Martinho. O repertório (que traz várias regravações e poucas canções inéditas) é composto por dezesseis faixas, a maioria delas de autoria do próprio sambista. E se falhas há nesse quesito, isso fica por conta da inclusão desnecessária da versão de “Gracias a La Vida” (de Violeta Parra, mundialmente projetada pela voz de Mercedes Sosa), bem como de “Vivo Pra Sentir Seu Prazer” (um insosso pagode romântico). No mais, tudo se encaixa perfeitamente, sejam as apropriadas escolhas das filhas Mart’nália e Maíra Freitas para cantarem os belos temas “Jobiniando” (parceria com Ivan Lins) e “Lara” (feita com Zé Catimba), homenagens explícitas a Tom Jobim e Dona Ivone Lara, respectivamente, sejam as convincentes interpretações de Martinho para o samba-enredo “Noel – A Presença do Poeta” ou para “Na Minha Veia”, canção dada a Simone e que foi incluída no mais recente álbum da cantora, lançado em 2009 (aliás, ela dedicou, em 1996, um disco inteiro à obra de Martinho).

Alguns dos destaques do set list ficam por conta da delicada “Todos os Sentidos” (faixa em que Martinho se faz acompanhar unicamente pelo violão do parceiro Gabriel de Aquino, filho de João de Aquino), da esfuziante “Que Bom!” (parceria com Dudu Nobre e defendida com garra pela filha Analimar) e da bem-humorada “Cuca Maluca” (cantada por Ovídio Brito, famoso percussionista que faleceu precocemente em 2010, oito meses após ter posto a voz nessa canção que é de autoria de Gracia do Salgueiro). Ao abrir espaço para brilharem os seus “filhos” (de sangue ou de afinidade musical), Martinho da Vila, além de concretizar um desejo antigo de fazer um CD praticamente coletivo, mostrou-se grande no que tange a maturidade e despreendimento artísticos. Um ótimo lançamento que merece ser conhecido pelos amantes da música brasileira de qualidade!

N O V I D A D E S

 

• A cantora paulista Rita Gullo está lançando seu primeiro CD, uma produção independente dirigida por Mario Gil. Cantora de voz pequena, mas bastante equilibrada e afinada, fruto de anos de aulas de canto lírico, ela selecionou, entre as treze faixas, canções assinadas por gente do porte de Caetano Veloso (“Oração ao Tempo”), Milton Nascimento (“Sentinela”) e Chico Buarque (“A Mulher de Cada Porto”, parceria com Edu Lobo), este presente em participação especial. Entre os melhores momentos desse bom disco de estreia de Rita (que é filha do escritor Ignácio de Loyola Brandão) estão as faixas em que o seu timbre suave melhor se amolda como, por exemplo, “Cruzada” (de Tavinho Moura e Márcio Borges), “Maria Del Carmem” (de Consuelo de Paula e Elson Fernandes) e “Xote” (pérola pouco conhecida de Gilberto Gil e Rodolfo Stroeter).

• Embora com um certo atraso se comparada a outras produções da Rede Globo, a gravadora Som Livre confirma para este mês o lançamento da trilha sonora original da telenovela “Morde & Assopra”. Entre os fonogramas selecionados para servir como pano de fundo para a trama estão “Coração” (com o Jota Quest), “Esquinas” (com Roberta Spindel), “Olha” (com Ivete Sangalo), “Barato Bom” (com o grupo Moinho), “As Palavras” (com Vanessa da Mata), “Feminino Frágil” (com Silvia Machete), “Ovo de Codorna” (com a banda Aviões do Forró) e “Amar Não É Pecado” (com Luan Santana).

• A verdade é que às vezes (infelizmente, cada vez menos) os artistas surpreendem: a sambista Teresa Cristina, quem diria, se uniu ao grupo carioca de rock Os Outros e já vem realizando alguns shows nos quais aborda, com pegada característica, canções do repertório de Roberto Carlos, a exemplo de “As Curvas da Estrada de Santos”, “Detalhes” e “Aquele Beijo que te Dei”. Tomara que, oportunamente, esse projeto se transforme em CD e DVD!

• A trilha sonora do filme “Capitães de Areia”, dirigido por Cecília Amado e que tem como ponto de partida o livro homônimo de Jorge Amado, está sendo produzida por Carlinhos Brown. São oito canções de sua autoria, sendo três delas inéditas (“Capoeira Futuro”, “Tema de Dora” e “Espírito Bravo”).

• De maneira independente, o compositor cearense Xico Bizerra está lançando o CD “Candeeiros e Neons” que vem a ser o volume 9 de um grande projeto intitulado “Forroboxote”. São dezesseis canções de ritmo eminentemente nordestino que contam com diversas participações especiais, entre as quais Elba Ramalho, Quinteto Violado, Silvério Pessoa, Irah Caldeira, Maciel Melo e Geraldo Maia. Os destaques do repertório ficam por conta das faixas “Cores da Alegria”, “Estrada Longa”, “Hoje Tem Forró”, “Pise de Mansinho” e “O Longe É Perto”.

• Os setenta anos de vida e cinquenta de carreira de Sergio Mendes serão festejados com o lançamento de uma coletânea dupla que chegará às lojas no mês de junho. Intitulada “Celebration – A Music Journey”, trará quarenta fonogramas gravados pelo artista ao longo da vitoriosa trajetória musical, sendo dois deles inéditos: “Chove Chuva” (de Jorge Ben Jor) e “The Fool on the Hill” (de John Lennon e Paul McCartney), os quais contam com as participações especiais de Ivete Sangalo e da cantora e compositora norte-americana Siedah Garreth, respectivamente.

• A Microservice anuncia que, ainda neste primeiro semestre, estará fazendo chegar ao mercado um box que conterá diversos fonogramas gravados pela cantora sertaneja Inezita Barroso entre os anos de 1955 e 1980, período em que a artista era uma das contratadas da extinta gravadora Copacabana. Muito legal!

• Com a ficha técnica repleta de nomes de artistas emergentes da cena indie nacional (a exemplo de Pedro Sá, Marcelo Calado, Ricardo Dias Gomes, Gabriel Bubu, Antonia Adnet, Davi Moraes e Moreno Veloso), o cantor e compositor carioca Mariano Marovatto lançou recentemente, através do selo Bolacha Discos, o seu primeiro CD (“Aquele Amor Nem Me Fale”), o qual foi produzido por ele próprio ao lado do pianista Jonas Sá. Mariano faz um som contemporâneo e ficam nítidas tanto as boas intenções do artista quanto o fato de que ele ainda tem um longo caminho a percorrer. Intérprete de voz agradável, ele formatou o repertório de nove faixas com duas regravações (“Não É Por Não Falar”, dos Titãs, canção gravada originalmente em 1991 no álbum “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, e “Não Tem Lua”, do baiano Durval Lélys, divulgada pelo grupo Asa de Águia) e sete temas autorais inéditos. Dentre estes, merecem destaque “Pequena Flor”, “Volta Por Cima” e “Teu”. A cantora Alice Sant’anna é a responsável pelos vocais da faixa “Acho que Não”.

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br 

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