Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: BETH CARVALHO
CD: “NOSSO SAMBA TÁ NA RUA”
Gravadora: EMI

Embora tenha começado a cantar influenciada pela Bossa Nova e tenha alcançado seu primeiro grande sucesso com a música “Andança” (de Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós) no Festival Internacional da Canção de 1968, foi mesmo quando mergulhou por inteiro no universo do samba, a partir da década de setenta do século passado, que a cantora carioca Beth Carvalho passou a ser venerada como uma de nossas maiores intérpretes. Naqueles áureos tempos, liderava as vendas de discos e engatava um sucesso após o outro (quem não se lembra, por exemplo, de suas gravações para “As Rosas Não Falam”, “Saco de Feijão”, “Vou Festejar”, “Coisinha do Pai” e “Folhas Secas”?), dividindo com Alcione e Clara Nunes o cetro de rainha do samba. Clara, como se sabe, dona de voz privilegiada, nos deixou cedo demais. Não presenciou o arrefecimento do gênero nas décadas seguintes, quando vários modismos dominaram o mercado fonográfico nacional, motivo pelo qual Alcione optou pelas baladas de fácil apelo radiofônico e Beth teve que se contentar com um período de vacas magras.
Depois de passar por um problema nas cordas vocais, a mesma Beth viu o samba voltar a alcançar o seu merecido lugar de destaque com a redescoberta da Lapa carioca e o surgimento de ótimos artistas como Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz. Mas foi preciso que se passassem quinze anos desde o lançamento de seu último disco de inéditas (“Brasileira da Gema”, de 1996), tempo em que o samba viu renovar seu público e seus compositores, para que ela pusesse nas lojas o seu novo e aguardado CD, “Nosso Samba Tá na Rua”, o qual ora aporta no mercado através da gravadora EMI.
Já há algum tempo Beth tencionava um retorno em grande estilo ao mercado fonográfico. No entanto, novamente por questões de saúde (esteve debilitada por conta de séria inflamação na coluna), ela teve que adiar a gravação desse novo álbum, o qual foi produzido pelo experiente Rildo Hora, responsável pelos títulos comercialmente mais bem-sucedidos da discografia da cantora. O resultado é bem bacana, haja vista que ela teve a sensibilidade de aliar, no repertório escolhido, temas assinados tanto por feras já bastante conhecidas como pela turma jovem que vem lutando por um lugar ao sol.
E se é verdade que Beth não possui mais o viço vocal de outrora, também o é que ela domina como poucas a arte de cantar. A experiência de anos decerto conta para que ela saiba driblar os aperreios do tempo e vestígios deste terminam por saltar aos ouvidos tão somente de uma fatia de público mais exigente. No mais, é constatar que, ao menos em sua terça parte inicial, o recém-lançado CD se mostra soberbo! A faixa-título já abre os trabalhos em clima especial e lhe seguem quatro dos mais interessantes momentos: “Tambor” (de Almir Guineto, Daniel Oliveira e Adalto Magalha), “Chega” (de Leandro Fregonesi e Rafael dos Santos), “Colabora” (de Serginho Meriti) e “Arrasta a Sandália” (de Dayse do Banjo e Luana Carvalho, esta a filha única de Beth). Nesta faixa, aliás, a sambista conta com a participação especial do afilhado musical Zeca Pagodinho.
Com arranjos a cargo do já citado Rildo e do maestro Ivan Paulo, o CD é dedicado a Dona Ivone Lara (de quem Beth pinçou a bonita “Em Cada Canto uma Esperança”, parceria com Delcio Carvalho) e se faz percorrer sem maiores sobressaltos até porque sabiamente não se alongou o tempo das canções, exigindo mais do que cada uma poderia render. Talvez o set list se ressinta da falta de uma canção mais delicada, aquela responsável por dar uma pausa nos mil compassos. A que mais se aproxima disso é a apropriada releitura da pouco conhecida “Palavras Malditas” (de Nelson Cavaquinho – compositor recorrente na carreira de Beth – em parceria com Guilherme de Brito, canção até então gravada somente uma única vez, em 1957, pelo cantor Ari Cordovil). Mas o amor à Escola de Samba Mangueira se faz presente em “Verde e Rosa de Paixão” (de Claudinho Guimarães), assim como a africanidade é explicitada em “Negro Sim Sinhô!” (de Marquinho PQD, Elson e Franco).
As curiosidades ficam por conta da inusitada releitura de “Minha História”, hit seminal de Chico Buarque, e da inclusão de “Guaracy” (de Pagodinho, Arlindo Cruz e Sombrinha), canção composta para integrar a trilha sonora da telenovela “Fina Estampa” e que terminou ficando de fora do disco original da produção global.
Enfim, trata-se de um ótimo CD que repõe Beth Carvalho no seu merecido local de destaque. Corra e ouça! 

N O V I D A D E S

* Embalado em luxuoso box, já se encontra disponível a homenagem que a gravadora Lua Music presta aos sessenta anos de carreira de Cauby Peixoto. Intitulado “Cauby Peixoto – O Mito”, o projeto foi produzido por Thiago Marques Luiz e embala três CDs. No primeiro deles (“A Voz do Violão”), o cantor, ainda em forma vocal convincente apesar dos oitenta anos completados em fevereiro, interpreta quatorze belas canções acompanhado tão somente pelo sensacional violão de Ronaldo Rayol. Estão lá, por exemplo, “Hoje” (de Taiguara), “Guerreiro Menino” (de Gonzaguinha) e “Minha Voz, Minha Vida” (de Caetano Veloso). No segundo disco (“Caubeatles”), Cauby revisita doze temas que ficaram famosos com o quarteto de Liverpool ou foram criados por seus integrantes, dentre eles “Yesterday”, “Help” e “Let It Be”. Já o terceiro álbum (“Cauby Ao Vivo”) resultou da gravação de show realizado no Teatro Fecap, em São Paulo, no qual o artista recebeu Fafá de Belém, Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo, Ângela Maria, Emílio Santiago e Vânia Bastos como convidados. O repertório desse registro traz, entre outras músicas, “Bastidores” (de Chico Buarque), “Falando de Amor” (de Tom Jobim) e “Serenata do Adeus” (de Vinicius de Moraes).

* Discípula do canto miúdo de João Gilberto, a cantora Rosa Passos está lançando, através da gravadora Biscoito Fino, mais um CD. Trata-se de “É Luxo Só”, composto por apenas dez faixas e que surge sob o pretexto de ser uma homenagem a Elizeth Cardoso, uma das grandes intérpretes do cancioneiro nacional. Rosa é cantora correta que vem ousando pouco e, nos últimos anos, tem se deixado cativar por uma desnecessária impostação vocal anasalada. Acompanhada em todas as canções por três músicos excepcionais (Lula Galvão no violão, Jorge Helder no baixo acústico e Rafael Barata na bateria), ela poderia ter construído um álbum acima do normal. Não foi o caso. Entre os melhores momentos, além do resgate da faixa-título, estão as releituras de “Palhaçada” (de Haroldo Barbosa e Luis Reis), “Último Desejo” (de Noel Rosa) e “O Amor e a Rosa” (de Pernambuco e Antonio Maria).

* Em 29 de dezembro se completam dez anos da precoce morte de Cássia Eller. E pegando carona nesse fato, a gravadora Universal repõe no mercado os oito títulos originais lançados pela cantora, mais um CD póstumo e um registro em DVD, tudo empacotado numa única caixa (“O Mundo Completo de Cássia Eller”), a qual já se encontra disponível.

* Contendo doze faixas autorais inéditas, chegou recentemente às lojas através da gravadora Sony Music o CD “Horizonte Vertical”, o novo trabalho do mineiro Lô Borges. Ele, que integrou o lendário Clube da Esquina (espécie de movimento musical capitaneado por Milton Nascimento e que contava também com as presenças de Ronaldo Bastos, Beto Guedes, Novelli e Toninho Horta, entre outros), apresenta um álbum bem legal, realmente um marco dentro de sua discografia. Não se espere ouvir, no entanto, canções contundentes como algumas de outrora. Os tempos são outros e Lô parece saber disso, tanto que se abriu a colaboradores de gerações mais recentes. Ciente de seus limites vocais, o artista canta sozinho apenas quatro faixas, recebendo convidados nas demais. E enquanto a voz de Fernanda Takai pode ser ouvida em outras quatro faixas, o supracitado Milton (homenageando na pueril “Mantra Bituca”) comparece em dois momentos, igual quantidade à destinada a Samuel Rosa, o vocalista da banda Skank. Entre os melhores momentos do interessante repertório apresentado estão, além da faixa-título, as canções “On Venus”, “Da Nossa Criação”, “Canção Mais Além”, “Quem me Dera” e “De Mais Ninguém”.

*O quarto CD solo do cantor e compositor pernambucano Lula Queiroga já começa a causar burburinho, embora ainda não esteja disponível para compra (o ouvinte mais apressado poderá baixá-lo gratuitamente no site do artista). Intitulado “Todo Dia É o Fim do Mundo”, o trabalho vem recheado de músicas inéditas.

* “A Delicadeza que Vem desses Sons” é o título do segundo trabalho de Amélia Rabello, um lançamento da gravadora Acari Records. Formatado por uma sonoridade sutil e melancólica perfeitamente adaptada à voz suave da cantora, o álbum é composto por treze faixas, nove delas parcerias de Paulo César Pinheiro com Baden Powell, Radamés Gnattali, Luiz Moura, Afonso Machado, Julião Pinheiro, Cristóvão Bastos, Ana Rabello e Luciana Rabello, sendo que esta assina também a produção do trabalho da irmã. O restante do repertório recai sobre temas assinados por Moacyr Luz (“Tanta Despedida”), Pedro Amorim (“Com as Mãos Vazias”), Ataulfo Alves (“Tempo Perdido”) e Roque Ferreira (“Alma Vazia”). Estas duas últimas, aliás, são dois dos melhores momentos do álbum ao lado de “Santa Voz” e “Velhos Chorões”.

* Lirinha, ex-vocalista da extinta banda Cordel do Fogo Encantado, está lançando, agora em carreira solo, o seu primeiro CD. Adotando o nome artístico de José Paes de Lira, ou simplesmente Lira, ele pôs recentemente nas lojas o álbum homônimo, o qual foi produzido por Pupillo (o baterista da Nação Zumbi) e é composto por doze faixas, onze delas inéditas e autorais, algumas assinadas em parceria com Dan Maia, Fábio Trummer, Luciano Queiroga, Jorge Du Peixe e Bactéria (completa o repertório “My Life”, de autoria de seu filho, o garoto João Diniz Paes Lira, o qual também a interpreta). O artista mostra um canto menos teatral do que aquele adotado quando liderada a supracitada banda, deixando para trás a forma gritada e agora projetando a voz de maneira mais melodiosa. Entre os melhores momentos estão ”Noite Fria” (que traz Luísa Maita como uma das integrantes dos backing vocais), “Ela Vai Dançar”, “Adebayor” e “Valete” (esta contando com as participações especiais de Otto e Ângela RoRo).

* “Eu Voltei” é o sugestivo título do novo CD da cantora Ângela Maria que estará chegando às lojas ainda este ano através da gravadora Lua Music. O repertório é repleto de releituras, dentre as quais marcam espaço “Olhos nos Olhos” (de Chico Buarque), “Esse Cara” (de Caetano Veloso), “Se Queres Saber” (de Peterpan) e “Pra Mim” (de Silvio César).

* “Literalmente Loucas” é o título do CD que reúne doze cantoras da nova geração reinterpretando canções de autoria de Marina Lima. A ideia do DJ Zé Pedro, proprietário da gravadora Joia Moderna, teve a curadoria da experiente Patrícia Palumbo e possui, como ponto mais salutar, jogar luzes sobre temas menos conhecidos da artista carioca. É claro que as intérpretes com personalidades mais marcantes terminam sobressaindo, como é o caso de Andréia Dias e Marcia Castro que trouxeram para os seus universos personalíssimos as canções “Quem É Esse Rapaz” e “Meu Doce Amor”, respectivamente, dois dos melhores momentos do repertório selecionado. Também merecem destaque Karina Zeviani (em “Confessional”), Tulipa Ruiz (em “Memória Fora de Hora”) e Anelis Assumpção (em “À Meia Voz”). Completam o time Bárbara Eugênia, Graziela Medori, Nina Becker, Karina Buhr, Iara Rennó, Joana Flor e Claudia Dorei. Uma ideia bem interessante cujo resultado seria superior se alguns dos arranjos não soassem tão moderninhos a ponto de descaracterizar as canções matrizes… No final, fica a impressão de que Marina Lima ainda é a melhor intérprete de suas próprias músicas.

RUBENS LISBOA é compositor e cantor
Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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