R E S E N H A 1
Cantora: GAL COSTA
CD: “RECANTO”
Gravadora: UNIVERSAL
Um disco novo de Gal Costa é sempre um acontecimento. Canções inéditas de Caetano Veloso também. Quando se unem esses dois fatores, então, torna-se motivo de comemoração. Assim acontece, então, com “Recanto”, o recém-lançado CD da baiana, composto por onze faixas, todas de autoria do conterrâneo (nove delas novinhas em folha). Trata-se de um lançamento da gravadora Universal, o qual foi produzido pelo próprio Caetano ao lado do filho mais velho, Moreno Veloso.
Gal e Caetano começaram praticamente juntos. O primeiro disco de ambos (“Domingo”, lançado em 1967) foi em conjunto e de lá pra cá suas carreiras se entrelaçaram tanto na Tropicália quanto nos Doces Bárbaros. Quando Caetano e Gilberto Gil rumaram para o exílio nos chamados anos de chumbo, foi Gal quem ficou por aqui e lhes garantiu a voz.
Desta forma, resulta natural este novo encontro fonográfico que vem sendo muito bem-recebido pela crítica especializada. E se é verdade que o trabalho soa em geral muito mais Caetano do que Gal, também é fato que ela, como poucos, sabe “dizer” o que Caetano quer. Dona de voz cristalina, Gal se entregou sem medo às vontades de Caetano, o qual se mostra, como compositor, em um momento de reflexão da vida e dos seus sentimentos, exalando uma poética sombria e melancolia (sim, as ideias se impõem sobre as melodias apresentadas).
Os dois artistas são bastante experientes e, ao longo de suas trajetórias, sempre se mostraram antenados com as novidades. Por isso, a sonoridade eletrônica foi a adotada para esse novo álbum, exceção feita à última faixa, a pseudo embolada “Segunda”, um dos destaques do repertório, urdida de forma acústica unicamente com violão, cello, prato e faca executados pelo citado Moreno. Nos demais momentos, sintetizadores e programações, a maioria sob a batuta de Kassin, tomam a linha de frente. Para o ouvinte médio, algumas passagens poderão causar certa estranheza, dando a impressão de que excessos de batidas, sons e ruídos poderiam ser repensados, mas se trata do conceito adotado e é por aí que a banda toca.
Da ficha técnica fazem parte nomes que vêm se destacando na cena indie nacional, a exemplo do guitarrista Pedro Sá, do tecladista Donatinho e das bandas Robotinik e Duplexx, embora também se façam presentes músicos bastante conhecidos como Jaques Morelenbaum, Davi Moraes e Daniel Jobim.
As faixas “Mansidão” e “Madre Deus” são as únicas já lançadas anteriormente (nas vozes de Jane Duboc e Zé Miguel Wisnik/Jussara Silveira, respectivamente) e terminam não chamando a atenção em meio a outras mais contundentes, como é o caso de “Recanto Escuro” (em cuja letra se encontra o oportuno verso: “Coisas sagradas permanecem”), “Neguinho” (crítica ao modo descartável de vida dos tempos atuais) e “Miami Maculelê” (o único tema mais dançante no qual Caetano faz uma intervenção vocal em forma de funk). E se “O Menino” parece ter sido criada em homenagem ao filho que Gal adotou há pouco tempo, “Autotune Autoerótico” (autotune é o nome do software que corrige imperfeições das vozes e dos instrumentos nos estúdios de gravação) se destaca pela nota super grave alcançada na palavra “plexo” – perfeita! – e pela forma como ela brinca com a ferramenta constante do título nos improvisos. Completam o repertório “Sexo e Dinheiro”, “Cara do Mundo” e “Tudo Dói”.
Um CD que confere novo vigor à carreira de Gal Costa!
R E S E N H A 2
Cantora: MARIA GADÚ
CD: “MAIS UMA PÁGINA”
Gravadora: SLAP / SOM LIVRE
Está chegando às lojas, no apagar das luzes de 2011, o novo e aguardado CD de Maria Gadú. Trata-se de mais uma superprodução do Slap, selo que integra a gravadora Som Livre, responsável pelos lançamentos da artista. Acondicionado em embalagem de luxo, o álbum se intitula “Mais uma Página” e traz a assinatura do competente Rodrigo Vidal na produção.
Embora já saia com a expressiva tiragem inicial de setenta mil cópias e deva ser recebido com entusiasmo pelos milhares de fãs de Gadú, é fato que ele não possui o apelo comercial do trabalho anterior (não há, no repertório, nenhum tema grudento como “Shimbalaiê”, por exemplo). Mas, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, é um disco muito bacana, superior, inclusive, ao de estreia.
O repertório é composto por quatorze canções (embora um ouvinte mais perspicaz vá notar que, logo após a última faixa, existe outra escondida: “Beleza”), oito assinadas pela própria cantora, metade delas sozinha. Gadú se abre a novas parcerias com nomes talentosos como Edu Krieger e Ana Carolina, o que terminou resultando em dois dos melhores momentos do CD, as interessantes “No Pé do Vento” e “Reis”, respectivamente.
Inegavelmente uma ótima cantora, ela é dona de voz rouca e marcante e nesse novo trabalho está cantando melhor ainda. Como compositora, dá um salto à frente, mostrando que não quis repetir fórmulas que deram certo anteriormente, tanto que apresenta duas insuspeitas criações: “Estranho Natural” e “A Valsa”, esta contando, nos vocais, com a participação especial do cantor português Marco Rodrigues. O outro convidado é Lenine que dá um brilho todo especial a “Quem?”, outro ponto alto do projeto. De Gadú, há também “Taregué”, esta de menor impacto.
E como a artista já possui considerável aceitação também fora do Brasil, torna-se perfeitamente justificável as inclusões de músicas em inglês (“Like a Rose” e “Long Long Time”, ambas parceria dela com Jesse Harris, a primeira tendo sido gravada com a Orquestra Filarmônica de Praga) e espanhol (“Extrangero”, de Cassyano Correa e Maycon Ananás), pois decerto a gravadora tenciona expandir o seu campo de trabalho além fronteiras nacionais.
No terreno das regravações, Gadú resgata a ultra conhecida “Amor de Índio” (de Beto Guedes e Ronaldo Bastos) e a sensível “Oração ao Tempo” (de Caetano Veloso, tema de abertura da atual telenovela global “A Vida da Gente”), além de “Anjo de Guarda Noturno”, delicioso baião romântico de Miltinho Edilberto. Já o emergente e talentoso Dani Black fornece duas inéditas, as quais possuem grande potencial para se transformarem em hits imediatos: a impactante “Axé Acappella” (escolhida como primeira música de trabalho pela gravadora e já em rotação nas rádios) e a bem acabada “Linha Tênue”, exemplo de pop inteligente.
Maria Gadú passou com louvor no teste do segundo disco de carreira e, agora sim, pode ser considerada um nome de responsa dentro da nossa MPB. Corra e ouça!
N O V I D A D E S
* Arnaldo Antunes está lançando o CD intitulado “A Curva da Cintura”, ao lado do guitarrista Edgard Scandurra e de Toumani Diabaté, músico do Mali. Trata-se de um ótimo álbum, composto por dezoito faixas (quatro delas são instrumentais e aparecem como bônus). A maior parte do repertório preponderantemente inédito é resultado da parceria entre Arnaldo e Edgard. E enquanto este arrasa nos arranjos que insuspeitadamente tendem para o acústico, aquele mostra que já é um bom cantor, amenizando o gutural característico de seu timbre e tornando sua voz mais maleável às melodias. Entre os destaques estão as canções “Um Senhor”, “Cê Não Vai me Acompanhar”, “Que Me Continua” e a versão de “Meu Cabelo”, tema originalmente composto por Serge Gansbourg e Michel Colombier. Nada, no entanto, supera a delícia que é “Cara”, de fato o melhor momento desse bem-vindo trabalho.
* “Sinceramente”, o terceiro e último disco do cantor e compositor Sérgio Sampaio, lançado originalmente em 1982, está sendo reeditado em formato CD e chega às lojas através de uma iniciativa da Saravá Discos. Sucessor dos ótimos “Eu Quero É Botar meu Bloco na Rua” (de 1973) e “Tem que Acontecer” (de 1976), o álbum é composto por onze canções autorais e conta com a participação especial de Luiz Melodia na faixa “Doce Melodia”.
* Estando vivo, o baiano Assis Valente estaria a completar em 2011 um século de vida. Foram poucas as homenagens prestadas a esse magnífico compositor que sedimentou sua obra enquanto morou no Rio de Janeiro, porém acaba de ser lançada uma coletânea dupla (“Assis Valente Não Fez Bobagem – 100 Anos de Alegria”), a qual chega as lojas através da gravadora EMI. Os fonogramas foram compilados pelo pesquisador musical Rodrigo Faour e mostram como Assis, que se suicidou em 1958, era talentoso e eclético. O CD 1 traz algumas das canções mais conhecidas do artista nas vozes de grandes nomes da nossa MPB, a exemplo de Elza Soares (“Fez Bobagem”), Maria Bethânia (“Camisa Listrada”), Ademilde Fonseca (“Recenseamento”), Marlene (“Um Jarro d’Água”) e Maria Alcina (“Maria Boa”). Já o CD 2 resgata, em gravações originais, temas menos conhecidos mas não menos interessantes. Estão lá, entre outros, Orlando Silva (“Alegria”), Carmen Miranda (“Deixa Comigo”), Moreira da Silva (“Pra Lá de Boa”), Dircinha Batista (“Ele Disse que Não Dá”) e o Bando da Lua (“Gosto Mais do Outro Lado”). Imperdível!
* E enquanto a banda Barão Vermelho não retorna à ativa, o baixista Rodrigo Santos está lançando o DVD intitulado “Ao Vivo em Ipanema”, cujo repertório condensa os três discos solo anteriormente lançados. O artista conta com diversas participações especiais, tais como Ney Matogrosso, Pepeu Gomes, Evandro Mesquita, Léo Jaime, Leoni, Frejat e Chris Pitman, o tecladista do grupo Guns N’Roses.
* Carlinhos Vergueiro aproveita o ano que ora se finda para homenagear o centenário do sambista Nelson Cavaquinho através de oportuno CD que chega ao mercado através da gravadora Biscoito Fino. São onze faixas selecionadas entre o melhor da obra autoral do artista e mais a canção “O meu Pecado’, creditada somente a Zé Ketti, mas na verdade uma parceria entre este e Nelson. Há as participações especiais de Chico Buarque (“Nome Sagrado”), Wilson das Neves (a antológica “Folhas Secas”), Cristina Buarque (“Beija-Flor”) e Marcelinho Moreira (“Pranto de Poeta”). Entre os melhores momentos interpretados por Vergueiro estão as faixas “Palhaço”, “Notícia” e “Luz Negra”. E embora poucos até hoje saibam, Nelson, mesmo trazendo o cavaquinho no sobrenome artístico, na verdade tinha o violão como ferramenta de trabalho. O mais curioso, contudo, é que ele nunca compôs qualquer de suas belas canções fazendo uso do instrumento. Autodidata, criava-as intuitivamente e só depois colocava os acordes, harmonizando as melodias criadas, as quais em geral ganhavam letras de parceiros, sendo o mais constante o criativo Guilherme de Brito.
* A paraense Gaby Amarantos (cantora tecnobrega que ficou conhecida na mídia como a "Beyoncé do Pará" por ter gravado versão em português de “Single Ladies”, intitulada “Tô Solteira”) anuncia para breve o lançamento de seu primeiro trabalho solo. Intitulado “Treme” e produzido pelo experiente Carlos Eduardo Miranda, o CD trará as participações especiais de Fernanda Takai (em “Pimenta com Sal”) e de Nona Onete, lenda viva da música do Norte do país (em “Mestiça”). Gaby ganhou a canção inédita “Como Acontece a Chuva”, parceria de Thalma de Feitas e Iara Rennó.
* Angela Maria está lançando “Eu Voltei”, CD que chega ao mercado através da gravadora Lua Music e tem o seu título pinçado da letra de “O Portão” (tema assinado pela dupla Roberto e Erasmo Carlos). Uma das maiores cantores de toda a história da nossa MPB e atualmente com mais de oito décadas de vida, ela já não possui a potência vocal dos áureos tempos, mas mostra que ainda põe a quilômetros de distância muitas dessas jovenzinhas que acham que cantar é somente sussurrar e enfileirar algumas notas. Composto por uma dúzia de músicas, o álbum tem a produção assinada por Thiago Marques Luiz que peca somente por teimar em não incluir uma única canção inédita, o que por certo conferiria necessário ar de novidade. No repertório de regravações, os melhores momentos ficam por conta de “Menino Grande” (de Antonio Maria), “Eu Não Sei” (de Jair Amorim e Evaldo Gouveia) e “Olhos nos Olhos” (de Chico Buarque). Os arranjos muito bem elaborados ficaram a cargo do excelente violonista Ronaldo Rayol e Cauby Peixoto surge como convidado especial em “Se Queres Saber” (de Peterpan).
* Chegamos ao final de mais uma jornada. Despedimo-nos, assim, do ano que se finda, mas novos desafios virão no ano que se iniciará em poucos dias. Desejo a todos os leitores deste blog que 2012 surja repleto de realizações e que venha com muita saúde, paz, amor, grana e música! Na próxima semana extraordinariamente não será veiculada nossa Musiqualidade que retornará no dia 09 de janeiro listando os doze melhores CDs de 2011. Quem viver, lerá!
RUBENS LISBOA é compositor e cantor
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