R E S E N H A
Cantor: ZÉ RAMALHO
CD: “SINAIS DOS TEMPOS”
Selo: AVÔHAI MUSIC
A virada da década de setenta para a de oitenta do século passado foi especialmente interessante para a nossa música popular brasileira. Nomes que migraram do Nordeste para o Sudeste maravilha começaram a despontar de forma avassaladora. Era basicamente o início das carreiras de gente que veio para ficar, a exemplo de Alceu Valença, Fagner, Amelinha, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho, e de alguns outros como Belchior e Ednardo, artistas inegavelmente talentosos que lançaram grandes discos e canções, mas que atualmente praticamente foram esquecidos pelo mercado fonográfico.
Um dos principais nomes daquela geração é, sem sombra de dúvida, Zé Ramalho, cantor e compositor paraibano que até seus vinte anos tinha como maiores influências a Jovem Guarda, os Beatles e os Rolling Stones. Sua primeira canção registrada foi “Avôhai” pela cantora Vanusa e dali em diante, já contratado pela gravadora CBS, uma das majors da época, gravou trabalhos memoráveis.
O primeiro disco individual foi lançado em 1978 e trazia a pegada característica que tendia a fundir a música nordestina com o rock e o pop. Ao longo dos anos seguiram-lhe diversos sucessos, tais como "Admirável Gado Novo", "A Dança das Borboletas”, “A Terceira Lâmina", “Chão de Giz”, “Frevo Mulher”, “Garoto de Aluguel”, “Cavalos do Cão” e “Eternas Ondas” e, embora ele tenha passado por uma crise artístico-pessoal a partir da segunda metade da década de oitenta, a qual durou alguns anos, viu o reconhecimento voltar a lhe bater às portas em 1997 quando lançou o bem sucedido CD “Antologia Acústica" e, logo em seguida, os três volumes de "O Grande Encontro", projeto dividido com Elba e Geraldo.
Acaba de chegar ao mercado o novo álbum de inéditas do artista. Intitulado “Sinais dos Tempos” (o 26º de sua discografia), inaugura o seu próprio selo musical, o Avôhai Music. E dividindo a produção ao lado de Robertinho de Recife, apresenta uma fornada de doze novas canções, todas criadas solitariamente por ele.
É claro que Zé sabe que os tempos são outros e que ele já não traz toda aquela aura mítica de quando surgiu. No entanto, suas criações, via de regra, continuam eficientes, embora a vida naturalmente tenha lhe apagado certas arestas (e se entenda isso para o bem e para o mal). A voz grave, beirando o gutural, continua em forma e as palavras, como de costume, lhe saem da garganta quase pronunciadas e em perfeita consonância com o estilo adotado desde o início da carreira.
Algumas das faixas ora apresentadas chegam a lembrar, de fato, aquele Zé Ramalho visionário de outrora, como é o caso de “O que Ainda Vai Nascer” e de “Sinais”, dois dos bons momentos do repertório, ao lado do xote “Um Pouco do que Queira” (que conta com o vocal de João Ramalho, filho de Zé com Amelinha, que se faz presente também em “Olhar Alquimista”) e da agalopada “A Noite Branca”.
Já na faixa de abertura (“Indo com o Tempo” que conta com a participação especial do guitarrista Jesse Robinson) Zé, que sempre se saiu bem com os versos (ora mais diretos, ora psicodélicos), faz um auto-inventário, assumindo se lembrar de tudo aquilo que viveu, inclusive da “fase negra” pela qual passou. E se em “Justiça Cega” transparece certo ceticismo e amargura, em “O Começo da Visão” mostra um romantismo pouca vezes anteriormente explicitado.
Trata-se de um bom disco que tem como maior mérito o de mostrar que Zé Ramalho continua produzindo. Após tributos às obras de Raul Seixas, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro e de revisitar algumas vezes e em vários formatos os seus hits, ele poderia ter se acomodado em berço esplêndido, o que felizmente não aconteceu. E mesmo que os tempos sejam outros e difíceis, ele comprova que talento não tem prazo da validade.
N O V I D A D E S
* Através da gravadora Som Livre, a cantora potiguar Liz Rosa está lançando um CD homônimo composto por treze faixas e que traz a assinatura do violonista Ricardo Silveira na produção e nos arranjos. Com dez anos de carreira, ela vê agora sua grande oportunidade de se projetar além fronteiras de seu Estado. Liz canta muito bonito, segura do que quer dizer e afinada ao extremo. Também possui uma divisão rítmica extraordinária, conforme se pode constatar ouvindo o que ela faz na faixa “Morô?”, de Krystal. Tem que ter cuidado somente para não ver seu canto indissociavelmente associado ao de Maria Rita, uma vez que, de forma natural, os timbres de ambas se parecem, embora o de Liz soe mais encorpado. O álbum dosa regravações de temas mais conhecidos (e nesta seara se destacam “A Violeira”, de Tom Jobim e Chico Buarque em registro que roça a beleza do original feito por Elba Ramalho, e “Tareco e Mariola”, de Petrúcio Amorim, que, ao ganhar andamento e interpretação mais delicados, vê ressaltado sua beleza melódica) com canções praticamente inéditas, como é o caso da ótima “De Cabo a Rabo” (do conterrâneo Roberto Taufic), da realista “Eu Sou Aquela” (parceria de Joyce com Paulo César Pinheiro) e da interessante “Dois Tempos” (outra de Krystal, também natural do Rio Grande do Norte). A ficha técnica contém músicos da linha de frente da nossa MPB: Jessé Sadoc, Marcelo Martins, Jorge Helder e Gilson Peranzzetta estão entre eles. Uma intérprete acima da média que realmente merece ser conhecida!
* O cantor e compositor Jorge de Altinho apresenta sua homenagem ao centenário de nascimento de Luiz Gonzaga: trata-se do CD “100 Anos de Gonzagão”, um lançamento da Polydisc. São dez faixas pinçadas do repertório do Mestre Lua, mas que, com exceção de “Sabiá” (parceria de Gonzaga com Zé Dantas), não estão entre as mais conhecidas, o que passa a ser um ponto positivo do trabalho. Altinho canta bonito com sua voz talhada para o forró. E, embora experiente no ramo, confiou a produção e os arranjos do álbum a Luciano Magno e este os fez com competência. Entre os melhores momentos estão as faixas “Fulô da Maravilha” (de Luiz Bandeira), “O Fole Roncou” (de Gonzaga e Nelson Valença), “Amei à Toa” (de João Silva e Joquinha Gonzaga) e “Mané Gambá” (parceria entre Altinho e Gonzaga).
* O selo Discobertas está trazendo de volta ao catálogo o disco “Diabo a 4”, lançado pelas Frenéticas em 1983. Já, à época, como um quarteto que começava a deixar de ser o centro das atenções (vez que Sandra Pêra e Regininha abandonaram o barco, deixando órfãs as remanescentes Lidoka, Leiloca, Edir e Dudu), o trabalho tem como destaque maior a deliciosa “Você Escolheu Errado o seu Super Herói” (de Aguillar, Thomas Bruni, Go e Dekinha), canção que dominou as rádios naquele já distante ano. Mas há outros momentos interessantes, como as releituras de “O Saco Cheio de Noel” (de Gonzaguinha), “Tente Outra Vez” (de Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta) e “Rock da Cachorra” (de Léo Jaime, grande sucesso na voz de Eduardo Dussek), além do belo registro de “Canção de Amor” (de Astor Piazzolla e Geraldo Carneiro).
* Quem poderia imaginar que, poucos dias após o lançamento de um novo CD (“Contigo Aprendi”, posto nas lojas pela gravadora Biscoito Fino), o MPB-4 iria perder um de seus integrantes? Faleceu semana passada Magro Waghabi, o tecladista e arranjador do grupo que, juntamente com Aquiles, Miltinho e Ruy encantaram gerações com suas belas harmonizações vocais (lembrete: Ruy afastou-se do grupo, desde 2004, sendo substituído por Dalmo Castello). Fica sua obra inconfundível e a saudade que já dói no peito dos amigos e admiradores. Quanto ao trabalho recém-lançado, trata-se de um ótimo disco que contém onze faixas, as quais são versões inéditas em português de boleros famosos feitas por gente do quilate de Caetano Veloso, Carlos Rennó, Abel Silva, Hermínio Bello de Carvalho, Fernando Brant e Paulo César Pinheiro, entre outros. A produção é esmerada e os arranjos são excelentes (todos calcados em violões), posto que executados por músicos de ponta da nossa atual música popular: os integrantes do Quarteto Maogani, do Trio Madeira Brasil e do Duofel, além do já lendário Toninho Horta. Entre os destaques do repertório estão as faixas “A Barca”, “Sabe Deus”, “Noite de Ronda” e “Relógio”. Que os três remanescentes do grupo possam encontrar forças para seguir em frente pois certamente essa seria a vontade de Magro…
* Marcelo D2 anuncia ainda para este mês o lançamento de um novo CD, o qual aportará no mercado através da gravadora EMI Music. Uma das faixas, “Eu Já Sabia” (produzida por Mario Caldato), já se encontra em rotação em algumas rádios mais antenadas e o clipe da mesma já está rolando na MTV.
* Lúcia Menezes é cantora cearense que, desde 1991 (quando lançou o seu primeiro disco), vem tentando mostrar sua arte para um público maior. De lá para cá, gravou mais quatro álbuns, tendo o mais recente acabado de chegar ao mercado. Trata-se de “Lucinha”, uma produção independente capitaneada pelo experiente José Milton. Cercada por músicos fora-de-série, a exemplo de Cristóvão Bastos (piano), João Lyra (violão), Jamil Joanes (baixo), Paulo Braga (bateria) e Dirceu Leite (flauta), Lúcia realizou o seu melhor trabalho. Mostrando uma maior segurança ao cantar, ela desfia um repertório de inatacável qualidade que reúne samba e música nordestina em doses certas. E o faz com inteligência, conseguindo pinçar ótimos temas de grandes compositores, mas que não estão entre os muito batidos. Do conterrâneo Ednardo resgatou “Estaca Zero” (parceria com Climério), assim como de Chico César soube se apropriar da bonita “Moer Cana”. De outro Chico, o Buarque, trouxe a lume a deliciosa “Injuriado” e de Luiz Gonzaga redescobriu “O Torrado” (parceria com Zé Dantas). Alguns dos melhores momentos do repertório apresentado ficam por conta de “Requebrado” (de Ângela Brandão), “O Amor É Velho e Menina” (de Tom Zé), “Que Loucura” (de Sérgio Sampaio) e “Vapô de Carangola” (de Manezinho Araújo e Fernando Lobo).
* A banda italiana InventaRio está gravando em estúdio carioca um CD totalmente dedicado à obra de Ivan Lins. O álbum contará com as participações especiais de Chico Buarque, Maria Gadú, Vinicius Cantuária e Vanessa da Mata.
* O CD “Ame ou se Mande” da cantora Jussara Silveira está voltando às lojas em nova edição com distribuição da Universal Music. O repertório é o mesmo de sua tiragem original, mas a foto da capa recebeu tratamento colorido. Jussara é o nome principal da próxima edição do projeto MPB Petrobrás, que se realizará aqui em Aracaju no dia 16, quinta-feira próxima, a partir das 21 horas, no Teatro Tobias Barreto, com show de abertura sob a responsabilidade do exímio flautista João Liberato e do excelente violonista João Omar. Realmente imperdível!
RUBENS LISBOA é compositor e cantor
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