R E S E N H A
Cantor: TOM ZÉ
CD: "TROPICÁLIA LIXO LÓGICO"
Gravadora: INDEPENDENTE
Mais do que um cultuado movimento musical, a Tropicália serviu para mostrar ao Brasil os talentos de Caetano Veloso e Gilberto Gil, à época de sua eclosão (1968) ainda praticamente no início de suas carreiras. Serviu também para apresentar uma cantora que viria a se transformar em uma das grandes divas do nosso cancioneiro: Gal Costa. Mas além dos três artistas, havia outro baiano que, ainda que não tenha conseguido o sucesso (inclusive comercial) dos conterrâneos e até amargado um período de ostracismo, conseguiu voltar à ativa, depois de redescoberto pelo músico David Byrne no final de década de oitenta do século passado, e vem lançando com frequência discos que se caracterizam por possuir conceitos bem amarrados.
Está-se, pois, a falar de Tom Zé, cantor e compositor dono de uma obra única na nossa MPB, e que, de maneira independente, acaba de pôr no mercado mais um CD. Autor de alguns poucos sucessos, como "Parque Industrial", "São São Paulo, Meu Amor" e "Nave Maria", e depois de gravar álbuns temáticos como "Estudando o Samba" (1976), "Estudando o Pagode" (2005) e "Estudando a Bossa" (2008), o original e controvertido artista está lançando o CD intitulado "Tropicália Lixo Lógico" através do qual, apresentando dezesseis faixas autorais e inéditas e sob a produção do multi-instrumentista Daniel Maia, tenta expor suas teses sobre as origens do movimento que ele próprio ajudou a formatar, recorrendo inclusive à filosofia e dados históricos.
Não se esperem canções fáceis de serem digeridas. Melodicamente, Tom Zé é adepto do que causa surpresa e nada soa muito arrumadinho ou dentro de padrões convencionais. Como letrista, ele é um propulsor de ideias e estas, às vezes de tão mirabolantes, se tornam por demais complexas para o ouvinte médio acompanhar. Mas o fato é que o senhor de setenta e seis anos já há muito está acima do bem e do mal e se tornou um dos poucos nomes do nosso cancioneiro que se permite criar da forma como bem entende, sem se influenciar por modismos ou fenômenos midiáticos pontuais.
Com voz em forma, ainda que não possa ser ele catalogado exatamente como um cantor de fartos recursos, ele parece acreditar que, de fato, a Tropicália é o "braço cantado do pensamento que levou o Brasil da Idade Média para a 2ª Revolução Industrial", conforme faz constar do encarte do recém-lançado álbum, o qual se abre e fecha com as indigestas "Apocalipsom A" e "Apocalispsom B". Mais palatáveis são a nordestina "Capitais e Tais" e a bacaninha "Marcha-Enredo da Marcha Tropical". Outros bons momentos ficam por conta da interessante "Amarração do Amor", do sambinha "A Terra, meus Filhos" e da contundente "Não Tenha Ódio no Verão".
Como costuma fazer em seus trabalhos, neste também o time de convidados se revela bastante eclético e vai de Mallu Magalhães (em "Tropicalea Jacta Est" e "O Motobói e Maria Clara") ao rapper Emicida (na derradeira faixa), passando pelo hermano Rodrigo Amarante (em "NYC Subway Poetry Department", parceria – a única de todo o CD – com Henrique Marcusso) e pelos ainda pouco conhecidos Pélico (em "De-De-Dei Xá-Xá-Xá") e Washington (na faixa-título).
De espírito libertário, Tom Zé sabe muito bem diferenciar o luxo do lixo e, ainda que à primeira vista sua música possa não parecer guardar muita lógica, ela de fato possui a marca dos inquietos e o fogo dos que não se acomodam.
N O V I D A D E S
* Para comemorar as sete décadas de vida completadas em junho passado, bem como os cinquenta anos de sua vitoriosa carreira, o cantor e compositor Gilberto Gil apresentou, em maio deste ano, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o show “Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo”, o qual foi devidamente registrado e acaba de ser lançado nos formatos CD e DVD pela gravadora Biscoito Fino. Programado dentro da série “MPB & Jazz”, criada por Giselle Goldoni e Wagner Tiso, o espetáculo foi captado pelas lentes do cineasta Andrucha Waddington e mostra o artista acompanhado pela Banda Quatro (formada pelo filho Bem Gil ao violão, Gustavo Di Dalva na percussão, Jaques Morelenbaum ao violoncelo e Nicolas Krassik ao violino, e mais Eduardo Manso nos efeitos eletrônicos) e pela Orquestra Petrobrás Sinfônica. Com a direção musical a cargo do próprio baiano e tendo os arranjos sob as regências dos maestros Carlos Prazeres e Jaques Morelenbaum, foi apresentado um roteiro no qual se dosaram com inteligência poucas canções das mais conhecidas de Gil, vários lados B de sua vasta discografia e algumas releituras de temas criados por outros artistas que influenciaram a sua obra musical. Nesta seara, resgatam-se a delicada “Outra Vez” (de Tom Jobim), a atemporal “Juazeiro” (de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) e a romântica “Tres Palabras” (bolero do cubano Oswaldo Farres). E se nunca é demais ouvir as pérolas “Oriente”, “Andar com Fé” e “Domingo no Parque” (ainda mais em novas roupagens), melhor ainda é constatar a beleza de, por exemplo, “La Renaissance Africaine”, “Estrela” e “Não Tenho Medo da Morte”. Outros destaques ficam por conta da ótima inédita “Eu Descobri” e da obra-prima tropicalista “Panis et Circenses” (parceria com o amigo Caetano Veloso). Parabéns a Gil e à música popular por ter esse gênio como um de nossos maiores representantes!
* O sambista Almir Guineto fez chegar há pouco tempo às lojas o CD “Cartão de Visita”, o qual marca o seu retorno em grande forma ao mercado fonográfico nacional após um longo hiato de onze anos. Distribuído pela Radar Records e com a produção assinada pelo experiente Ivan Paulo, o álbum é composto por uma dúzia de faixas, nove delas criadas pelo artista ao lado de parceiros dentre os quais se destaca Adalto Magalha. Almir, como se sabe, manda muito bem e entende do riscado como poucos, o que se comprova inclusive quando dá voz a sambas alheios como, por exemplo, o delicioso “Partideiro Caseiro”, de Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz (tema que conta, nos vocais, com a participação especial deste último). Trata-se de um dos melhores momentos do disco ao lado das faixas “Tá Tudo Mudado”, “Tambor” e “É Você”.
* O ótimo cantor português Antonio Zambujo lançou recentemente aqui no Brasil seu novo CD intitulado “Quinto” e o fez através de uma parceria entre as gravadoras MP,B e Universal. No repertório de quatorze faixas é lógico que há a predominância de fados. Zambujo aparece como co-autor em apenas dois momentos: “Flagrante” e “Noite Estrelada”. Entre os destaques estão as canções “Algo Estranho Acontece”, “Lambreta” e “Queria Conhecer-te um Dia”. Os compositores brasileiros Márcio Faraco e Rodrigo Maranhão se fazem presentes, contribuindo respectivamente com os temas “Fortuna” e “Maré”.
* E a cena musical do Pará está mesmo com a bola toda. Nem bem o Brasil se acostuma com o fenômeno Gaby Amarantos, logicamente catapultada para a fama ajudada pela força absurda da Rede Globo, os admiradores da boa arte já devem estar atentos para outra ótima cantora paraense: trata-se de Aíla que está a lançar o CD intitulado “Trelêlê”. Alguns podem dizer que é só um modismo e que vai passar rapidamente. Pode até ser, mas é inegável a força que a música do norte do país possui. Dançante e contagiante em fartas doses, pega o ouvinte fácil e quando encontra uma cantora de categoria como Aíla, aí mesmo é que vale a pena se abrir a essas novas tendências. Dona de um timbre bastante bonito e particular, ela mostra um trabalho em que há pouco de superficialidade. Produzido com competência pelo conterrâneo Felipe Cordeiro, o álbum possui uma sonoridade leve, embora traga doses misturadas de guitarrada, (tecno)brega, salsa, merengue, cha cha cha e até Jovem Guarda, resultando em um caldeirão de sabor pop contemporâneo. Composto por doze faixas, o trabalho traz as participações especiais de Dona Onete e da citada Gaby respectivamente em “Proposta Indecente” (da proporia Onete) e “Garota” (de Alípio Martins), dois dos destaques do repertório ao lado de “Brechot do Brega” (de Antonio Novaes), “Vamos” (de Felipe Cordeiro) e “Todo Mundo Nasce Artista” (de Eliakin Rufino). E há ainda uma inspirada versão do delicioso carimbó “Dona Maria” (de Pinduca), sucesso nacional de Eliana Pittman na década de setenta do século passado. Um lançamento muito legal!
* O cavaquinista João Callado (projetado no Grupo Semente) e o violonista Fernando Temporão (que vem do Sereno da Madrugada) estão compondo juntos há algum tempo e para dar vazão a essas parcerias eles lançaram recentemente, através da gravadora Biscoito Fino, o CD intitulado “Primeira Nota”. Com a produção a cargo de ambos, eles apresentam um repertório coeso, formado por uma dúzia de canções inéditas, metade delas interpretadas pelo próprio Temporão. As demais receberam as interpretações de Áurea Martins, Marcos Sacramento, Mônica Salmaso, Moyseis Marques, Soraya Ravenle e Teresa Cristina, artistas convidados do projeto. Entre os melhores momentos estão as faixas “Nem Bossas Nem Blues”, “Valsa de Marés”, “Pavio”, “Janeiro” e “Girassol”.
* Nasi já se encontra em estúdio paulista terminando de gravar as canções que farão parte de seu terceiro CD solo cujo título será “Perigoso” e trará a produção assinada por Apollo Nove. Entre os regravações selecionadas estão “Dois Animais na Selva Suja da Rua” (de Taiguara) e “Tudo Bem” (da banda indie paulistana Garotas Suecas), mas o repertório inclui inéditas do artista e de compositores como Johnny Boy e Nivaldo Campopiano.
* A ótima cantora paranaense Anna Toledo está pondo no mercado de maneira independente o CD intitulado “Meu Coração É…”, registro ao vivo de show realizado no Sesc Paço da Liberdade, em Curitiba, em junho de 2010. Nesse seu terceiro trabalho, a artista se faz acompanhada por um trio de exímios instrumentistas: Fábio Cardoso ao piano, André Prodóssimo ao violão e Marcio Rosa na percussão. Intérprete de recursos vocais acima da média, Anna conduz o repertório do disco através do poema homônimo de autoria de Assionara Souza. São treze faixas que condensam quinze canções, nenhuma delas inédita. Mas o que poderia soar repetitivo dá lugar a um álbum bem interessante, muito pela abordagem criativa dos arranjos que adicionam insuspeitas novas tintas a, por exemplo, “Amendoim Torradinho” (de Henrique Beltrão), “Apaga o Fogo, Mané” (de Adoniran Barbosa) e “Nervos de Aço” (de Lupicínio Rodrigues), os três maiores destaques do set list apresentado. Como cereja do bolo, surge, ao final, uma faixa bônus que condensa “Esses Moços” (outra de Lupicínio), “Fala Baixinho” e “Carinhoso” (ambas de Pixinguinha) trazendo um excepcional encontro vocal de Anna com Amélia Gomes e Guilherme Terra. Realmente massa!
* Gravado ao vivo em agosto passado durante apresentação realizada na casa Tom Jazz, em São Paulo, o novo CD de Zizi Possi, que se intitulará “Tudo se Transformou” (nome de um bonito samba de Paulinho da Viola), trará no repertório canções de autoria de Arnaldo Antunes, Guilherme Arantes, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Chico Buarque. A cantora se fez acompanhada por Jether Garotti Jr. (piano e clarineta), Kecco Brandão (teclados), Webster Santos (violão e cordas) e Guello (percussão). A previsão é de que seja lançado ainda este ano. Quem viver, ouvirá!
RUBENS LISBOA é compositor e cantor
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