Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: ZÉLIA DUNCAN
CD: “TUDO ESCLARECIDO”
Gravadora: WARNER MUSIC

Que em nosso cenário musical brasileiro predominam as cantoras, isso ninguém tem dúvida. De Dalva de Oliveira a Marisa Monte, de Ângela Maria a Roberta Sá, de Marlene a Ná Ozzetti, de Marisa Gata Mansa a Ithamara Koorax, de Elis Regina a Maria Rita, de Nana Caymmi a Maria Gadú, passando por Maria Bethânia, Elza Soares, Leila Pinheiro, Cássia Eller e Zizi Possi, só para ficar em alguns poucos nomes, nossas intérpretes realmente são um estouro! No entanto, no meio delas existe uma que decerto é a que atualmente se mostra mais corajosa. Trata-se da fluminense Zélia Duncan, uma intérprete de fartos recursos vocais que vem se mostrando tanto eclética quanto perfeita em seus últimos trabalhos.
Dona de voz potente e grave, ela demorou um pouco para cair nas graças do grande público, o que só ocorreu em 1994 através do mega sucesso alcançado com a canção “Catedral”. De lá para cá, Zélia lançou alguns discos e emplacou vários hits, mas o mais interessante é que nunca se aquietou com o supostamente mais fácil. Sua carreira vem num crescendo e ela, que podia ter se acomodado no terreno do pop para o qual sempre demonstrou competência, arriscou-se com desenvoltura por várias vertentes: revisitou a nata do cancioneiro nacional no CD “Eu Me Transformo em Outras” (de 2004), aventurou-se como vocalista em uma nova formação da banda Mutantes (em 2006), dividiu um belo projeto com a diva Simone (em 2008) e agora, através da gravadora Warner Music, acaba de lançar um novo CD, tão ousado quanto bem-vindo.
Trata-se de “Tudo Esclarecido” (disponível em três versões: normal, digipack e de luxo), um álbum totalmente voltado para a obra inquieta do saudoso Itamar Assumpção, compositor presente nos discos de Zélia desde seu terceiro trabalho (“Intimidade”, de 2006). Composto por treze faixas (seis delas inéditas e cinco em parceria com Alice Ruiz) e dirigido por Kassin, o CD é realmente um grande achado. Itamar sempre foi tido como um compositor difícil. Surgiu com a chamada Vanguarda Paulista ao lado de nomes como Arrigo Barnabé e Luiz Tatit e, ainda que alguns nomes importantes da nossa MPB tenham registrado algumas de suas canções (como é o caso de Ney Matogrosso, Chico César e Virgínia Rosa), ele nunca chegou de fato a ser reconhecido como deveria. Uma pena já que suas criações não se fazem somente únicas pelas letras inteligentes, recheadas de ideias e tiradas impagáveis. Também muitas de suas melodias, embora a grande maioria traga a grife característica, são muito legais e, se bem entendidas, grudam na mente do ouvinte.
Vários exemplos disso podem ser encontrados no recém-lançado disco de Zélia que tem como o maior mérito o de tentar trazer a música de Itamar às gerações atuais. A deliciosa “Noite Torta”, por exemplo, que já recebeu registros muito bem feitos tanto de Tetê Espíndola quanto de Silvia Machete, ganha uma versão mais sutil, com Zélia praticamente mastigando as palavras. É um dos grandes momentos de um repertório que tem ainda muitas outras cartas na manga, como a bonita balada “Mal Menor” (já gravada com esmero por Vange Milliet e que nasceu no formato mais tradicional da canção), a criativa “Isso Não Vai Ficar Assim” (registrada recentemente com elegância por Carlos Navas e que agora conta com Ney Matogrosso como convidado especial) e as delicadas (e inéditas) “Quem Mandou” e “Não É Por Aí”.
Cercada por músicos dos mais requisitados do mercado fonográfico atual (o próprio Kassin no baixo, Marcelo Jeneci nos teclados e acordeão, Pedro Sá na guitarra, Thiago Silva na percussão e Stephane Sanjuan na bateria, além do velho parceiro Christiaan Oyens no violão), Zélia se permitiu construir arranjos simples mas de incontestável eficiência. E, esperta, soube conduzir Itamar ora pelo caminho regional (no forró “Vê Se Me Esquece”, já gravado pela ótima cantora paranaense Rogéria Holtz), ora pela cadência do samba (em “É de Estarrecer”, faixa que conta com a participação de Martinho da Vila). E se a pop até a raiz “Tua Boca” abre o CD dando pinta do que virá, a quase experimental “Zélia Mãe Joana” (cuja letra foi entregue à artista pelo próprio homenageado na folha de um calendário) fecha o álbum, mostrando que Itamar será de fato sempre um compositor único.
Enfim, um CD bacanérrimo que já tem lugar especial na discografia de Zélia Duncan, artista que merece ser reverenciada não somente pelo talento inato que possui, mas principalmente por querer e saber ousar. E a ousadia – saibam – é característica dos grandes. Corra e ouça!

N O V I D A D E S

* Aproveitando a mega exposição por conta de ter sido um dos quatro avaliadores do bem sucedido e recém-findo programa global “The Voice”, o cantor e compositor Carlinhos Brown acaba de lançar, através da gravadora Sony Music, mais um CD. Trata-se de “Mixturada Brasileira Vol. 1”, na realidade um projeto em que ele reveste suas canções com programações eletrônicas, estas a cargo de Fernando Deeplick. A obra musical de Brown é, via de regra, percussiva e orgânica e, por assim ser, termina propiciando fartas possibilidades para leituras as mais variadas. Embora soe um tanto repetitivo em alguns momentos, a constatação final é que o artista conseguiu construir um álbum razoavelmente interessante. O repertório de quatorze faixas é inteiramente autoral, embora não seja composto somente por material inédito. Brown, que está cantando cada vez melhor, conta, entre outras, com as participações especiais de Ivete Sangalo (na politicamente correta “Mixturação”, a primeira faixa de trabalho), Ítala Marques (em “Seu Cabelo É Bom”) e Amanda Santiago (em “Fofoqueira”), três dos melhores momentos do set list apresentado, ao lado de “Baile do Amor – Chuá” e de “Página Futuro” (esta uma parceria com os tribalistas Arnaldo Antunes e Marisa Monte). Outros destaques ficam por conta das regravações de “Magalenha” e “Garoa”, temas anteriormente registrados por Elba Ramalho e Simone, respectivamente. Há, ainda, novas versões para as conhecidas “Tantinho” e “Tastatá”. Brown é bem legal!

* Com vistas a comemorar as sete décadas de vida, o sambista Paulinho da Viola realizou recentemente show no Parque Madureira, no Rio de Janeira, o qual foi devidamente registrada para futuro lançamento em CD e DVD.

* A trilha sonora do filme “O Filho do Holocausto”, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt, que traz a lume a obra do cantor, compositor e violinista Jorge Mautner acaba de chegar ao mercado por iniciativa do Canal Brasil. O CD, produzido pelo tecladista Berna Ceppas e pelo baixista Kassin (que juntamente com o baterista Domenico Lancellotti, o guitarrista Pedro Sá e o saudoso violonista e parceiro mais frequente Nelson Jacobina formam a banda que executa os arranjos), contém quatorze faixas que traçam um painel do cancioneiro do irrequieto artista. O repertório logicamente contempla as canções mais conhecidas de Mautner, tais como “Maracatu Atômico”, “Lágrimas Negras”, “O Rouxinol”, “Manjar de Reis”, “O Vampiro”, “Todo Errado” e “Encantador de Serpentes”. Caetano Veloso e Gilberto Gil surgem como convidados especiais.

* Para festejar trinta anos de carreira, Zeca Pagodinho lançará em 2013 um projeto cujo repertório será formado por regravações de grandes sambas, todos inéditos na voz do cantor. Marisa Monte será uma das convidadas especiais.

* Idealizado pelo DJ Zé Pedro, estará chegando em janeiro próximo ao mercado, através da gravadora Joia Moderna, o CD “Mulheres de Péricles” que vem celebrar a cultuada obra do cantor, compositor e músico carioca Péricles Cavalcanti. Em quinze faixas, dezessete cantoras, dentre as quais Céu, Tiê, Karina Buhr, Nina Becker e Tulipa Ruiz, emprestam os seus talentos a pérolas como “Blues”, “Elegia”, “Medo de Amar nº 3”, “Negro Amor” e “Nossa Bagdá”. Realmente imperdível!

* Na derradeira homenagem ao centenário do nascimento de Luiz Gonzaga, está chegando às lojas o CD intitulado “Luas do Gonzaga”. Trata-se de uma iniciativa do cantor e compositor Gereba Barreto que resolveu resgatar um lado musical pouco conhecido do Mestre Lua: o de criador de valsas e choros. Reuniu, então, algumas dessas melodias compostas nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado e as entregou a outros artistas, os quais escreveram letras (a exemplo de Carlos Pitta, Maciel Melo, Ronaldo Bastos, Abel Silva, J. Velloso, Fernando Brant, Tuzé de Abreu e Capinam), transformando-se, assim, em parceiros póstumos do Rei do Baião. São dezesseis faixas (apenas duas delas já existiam prontas antes do projeto: “Treze de Dezembro” e “Rei Bantu”, gravadas por Gilberto Gil e Lenine com Margareth Menezes, respectivamente) que trazem as vozes de, entre outros, Elba Ramalho, Fagner, Dominguinhos, Zeca Baleiro, Jussara Silveira, Ná Ozzetti, Jorge Vercillo e Jair Rodrigues. Uma ideia bastante interessante!  

* Guto Goffi é o baterista da banda Barão Vermelho desde a sua formação original. Portanto, seria de se esperar que seu CD de estreia em carreira solo fosse se caracterizar por um viés roqueiro. Mas não é isso que se constata após a audição de “Alimentar”, uma produção independente arquitetada há seis anos e que só agora chegou ao mercado. Composto por dez faixas inéditas assinadas pelo próprio artista ao lado de vários parceiros como João de Aquino, Fernando Magalhães, Maurício Barros, Dé e outros, o álbum comprova que Guto possui talento também no que tange à arte de criar, tanto que do repertório emergem boas canções como a valsa “Despertar seu Coração”, o samba funk “Zé Carioca” e o tango “O Último Beijo”. Como cantor, Guto não faz feio (como se pode constatar através da interessante “O Amor Não se Destrói Assim”), mas decerto ainda um tanto inseguro convocou Frejat e Tico Santa Cruz para participações nas faixas “Olho no Olho” e “Simples”, respectivamente, além de Rodrigo Santos e George Israel em “Pra Tudo Acontecer”. Ao final, fica-se com uma impressão muito boa do trabalho!

* De maneira independente, o ótimo cantor e compositor Kleber Albuquerque está lançando seu mais recente CD. Intitulado “10 Coisas Que Eu Podia Dizer No Lugar de Eu Te Amo”, o álbum, totalmente inédito e autoral, é composto por quatorze faixas, dentre as quais “Besouro”, “Procura no Google”, “Permitido” e “Devoluto”.

* O quarteto sergipano Cataluzes está lançando o terceiro CD de sua espaça discografia. Intitulado “Voltar a Aldeia”, o álbum foi gravado no estúdio Alcateia, no Rio de Janeiro, e chega ao mercado através da gravadora Fina Flor de propriedade do violonista Ruy Quaresma, também responsável pela produção. Formado atualmente por Valdefrê, Claudio Miguel, Tonho Amaral e Oswaldo, o grupo apresenta um repertório autoral, inédito e composto por treze faixas, dentre as quais se destacam “Estarei Por Aí”, “Navio Gaiola” e a regravação de “Juriti, Zabelê”, registrada originalmente no primeiro trabalho do cantor Sena. Músicos de ponta do cenário nacional são encontrados na ficha técnica, a exemplo de Marcelo Caldi (acordeão), Léo Amoedo (guitarra) e Jurim Moreira (bateria).

* A todos os leitores deste blog e aos amantes da boa música, um Feliz e Santo Natal! Que o Menino Jesus, nosso irmão maior, possa guiar nossos passos e nos ajudar para que possamos reconstruir um novo mundo, mais humano, justo e fraterno!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor
Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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