Musiqualidade

R E S E N H A

Cantores: VÁRIOS
CD: “SAMBABOOK MARTINHO DA VILA”
Distribuição: SOM LIVRE

Nas décadas de setenta e oitenta do século passado, quando o samba dominava as paradas musicais e seus representantes eram grandes vendedores de disco, as grandes intérpretes do gênero foram Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes (o conhecido “ABC do Samba”) e os compositores mais lembrados, sem sombra de dúvida, Martinho da Vila e Paulinho da Viola. Por isso, mostra-se bastante sintomático que seja este a abrir o Sambabook dedicado à obra daquele, o segundo projeto da Musickeria (o primeiro, como se sabe, homenageou João Nogueira), o qual acaba de chegar ao mercado nos formatos de CD duplo e DVD sob a direção musical de Alceu Maia. Enquanto Paulinho sempre foi associado a uma ala mais elegante, Martinho ficava com uma feição mais popular. Isso não impediu que, com o tempo, a admiração recíproca aumentasse, tanto que a interpretação conferida a “Quem É do Mar Não Enjoa” se consubstancia entre as mais interessantes das releituras ora apresentadas.
Cada um dos dois CDs contém treze faixas, resultando em vinte e seis canções que traçam um interessante e abrangente painel do cancioneiro martinhiano, o que, por si só, torna-se uma excelente oportunidade para os seus admiradores relembrarem grandes temas e para as novas gerações conhecerem um dos autores mais consistentes do nosso cancioneiro. O repertório prioriza logicamente grandes sucessos colecionados por Martinho ao longo de sua vitoriosa carreira, tais como “Disritmia” (em registro contido de Luiz Melodia), “Ex-Amor” (com gravação protocolar de Ney Matogrosso), “Casa de Bamba” (com Leci Brandão, literalmente em casa) e “O Pequeno Burguês” (em que Zeca Baleiro tenta imprimir contornos bem-humorados).
Martinho, que geralmente assina sozinho as suas criações, às vezes se abre a parcerias e estas se fazem representar pelas faixas “Quero Tanto lhe Ver” (composta com Nelson Rufino e interpretada por Diogo Nogueira), “Deixa a Fumaça Entrar” (feita com Beto Sem Braço e interpretada por Toni Garrido), “Odilê, Odilá” (criada ao lado de João Bosco e interpretada por Ana Costa, outro destaque do repertório), “Na Minha Veia” (parceria com Zé Catimba e interpretada por Marcelinho Moreira), “Amor Não É Brinquedo” (composta com Candeia e interpretada por Jair Rodrigues), “Filosofia de Vida” (com Fred Camacho e Marcelinho Moreira e interpretada por Dorina) e “Sonho de um Sonho” (com Rodolpho da Vila e Tião da Roça na interpretação de Fernanda Abreu com a adição da Bateria da Escola de Samba Vila de Isabel).
Também participam do projeto, como intérpretes, dois famosos parceiros de Martinho: João Donato (em “Meu Laiá-Raiá”) e João Bosco (em “Menina Moça”), além de três dos seus filhos: Mart'nália (em “Segure Tudo”), Tunico da Vila (em “Meu Off Rio”) e Maíra Freitas (em “Fim de Reinado”). Já a galera da nova geração do samba carioca se faz presente através de Moyséis Marques (em “Renascer das Cinzas”) e do grupo Casuarina (em “Pra Tudo se Acabar na Quarta-Feira”). Até Pitty, uma roqueira a princípio estranha no ninho, mostra-se à vontade em “Roda Ciranda”.
Completam o time dos artistas selecionados Paula Lima (que, ao controlar os costumeiros maneirismos vocais, saiu-se muito bem em “Grande Amor”), Pedro Luís (cada vez mais correto em “Pra Que Dinheiro?”) e a irresistível Elza Soares (driblando o tempo do alto de sua vasta experiência em “Madalena do Jucu”).
O próprio Martinho também se faz presente, emprestando sua característica divisão às novas versões de “Canta, Canta, Minha Gente” (adicionada com as vozes dos convidados) e de “Tom Maior” (embalada com a excelência da Orquestra Petrobrás Sinfônica, que se faz responsável também pela execução de “Abertura do Concerto Negro”, faixa que encerra com chave-de-ouro a muito bem-vinda homenagem).
Depois de reiteradas audições, constata-se, até surpreendentemente (porque em iniciativas similares o resultado costuma soar irregular), que o produto desce redondo. E se é fato que, quase em sua totalidade, os intérpretes se mostram fiéis às criações de Martinho, não tentando reinventar a roda (o que, em muitos casos, termina por desconfigurar a música originalmente criada), também é verdade que se observa uma entrega bem sincera às canções. Há de se ressentir somente a ausência da cantora Simone, uma das grandes admiradoras da obra de Martinho (ela que, inclusive, já gravou um álbum inteiro somente com canções do sambista, “Café com Leite”, de 1996).
No geral, vale super a pena tomar partido do novo e belo Sambabook de Martinho da Vila!

N O V I D A D E S

* Integrante do excelente grupo vocal Arranco de Varsóvia, a cantora carioca Andrea Dutra está lançando o seu segundo trabalho solo. Trata-se do CD intitulado “Jamba”, o qual chegou recentemente ao mercado através da gravadora Mills Records. Produzido pela própria artista ao lado de Carlos Mills, o álbum é composto por doze faixas que transitam entre o samba e o jazz. Os arranjos são assinados pelo pianista Paulo Malaguti Pauleira que capitaneia uma enxuta e competente banda completada por Augusto Mattos no baixo acústico, Zé Luiz Maia no baixo elétrico, Rafael Barata na bateria e Marcelo Martins nos sopros. O eclético e interessante repertório contempla revisitas a conhecidos temas de Djavan (“A Ilha”), Vinicius de Moraes (“Medo de Amar”) e Caetano Veloso (“Muito Romântico”), mas também joga luzes a boas canções menos conhecidas assinadas por Fátima Guedes (“Sete Véus”), Moacir Santos (“Sou Eu”, parceria com Nei Lopes), Monarco (“Vou Procurar Esquecer”, feita com Ratinho) e Moacyr Luz (“Mandingueiro”, composta com Aldir Blanc). Andrea é uma cantora acima da média e uma intérprete inteligente que entende o que está cantando. Também compositora, ela assina três faixas (a bonita “Mea Culpa”, “A Criação”, parceria com Fred Martins, e “Branquinha”, criada ao lado do já citado Pauleira que assina sozinho “Obstinada”), as quais se consubstanciam como  grandes momentos do disco, ao lado de “Estilo”, de Paulo Bi. Um CD que, em muito boa hora, vem confirmar o talento de Andrea, merecendo ser conhecido por todos os amantes da música de real qualidade.

* O cantor paulista Carlos Navas, um dos melhores intérpretes masculinos da atualidade, estará realizando uma única apresentação aqui em Aracaju no dia 24 deste mês, oportunidade em que mostrará algumas das várias canções que gravou ao longo de sua carreira. A apresentação ocorrerá no Museu da Gente Sergipana e os ingressos serão gratuitos e limitados. Por isso, é bom correr para garantir lugar porque decerto será uma apresentação concorrida e realmente inesquecível.

* “Clareia” é o título da canção inédita que a cantora Karyme Hass está lançando com o objetivo de homenagear Clara Nunes. Composta por Norma Acquarone, a gravação da música contou com a produção de Carlinhos 7 Cordas e teve o arranjo desenvolvido pelo experiente Leonardo Bruno.

* O cantor e compositor carioca Marcos Valle juntou-se à cantora norte-americana de jazz Stacey Kent e registrou show realizado durante miniturnê que passou por Fortaleza (CE), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) na primeira quinzena de abril do ano passado. O resultado está cristalizado em um CD que chegará às lojas em breve e cujo repertório se concentra na obra do artista, autor de sucessos como “Viola Enluarada”, “Preciso Aprender a Ser Só”, “Mustang Cor de Sangue”, “Black is Beautiful” e “Que Bandeira”.

* E como já era de se esperar, Vanessa da Mata anuncia o lançamento, nos formatos CD e DVD, do registro do espetáculo no qual interpreta somente canções de Tom Jobim. Produzido por Kassin e mixado por Edu Costa, o projeto está sendo masterizado por Ricardo Garcia no Rio de Janeiro e chegará às lojas no comecinho do segundo semestre, atropelando, inclusive e de forma equivocada, o lançamento de um álbum de inéditas que a cantora já tem pronto desde o ano passado, mas que agora deverá esperar um pouquinho para chegar ao mercado.

* Natural do Amapá, a cantora Patrícia Bastos está lançando “Zulusa” (termo que se refere à fusão de zulus e lusitanos, os quais, juntando-se a influências indígenas, forneceram as bases étnicas do som de sua terra), seu quinto e independente CD que traz as assinaturas de Dante Ozzetti e Du Moreira na produção. Composto por quatorze faixas que passeiam por múltiplos ritmos como batuque, zoulk, guitarrada, embolada, marabaixo, cúmbia e até fado, o álbum mostra uma intérprete que merece ser reconhecida além dos muros nortistas. Patrícia canta bonito, com segurança e afinação ímpares. Seu estilo não é adepto dos grandes arroubos vocais, mas o timbre límpido e a emissão perfeita impressionam desde a primeira audição. Embora não seja exatamente um trabalho de cunho regionalista, posto que essa catalogação o engessaria de maneira injusta, grande parte das letras das canções constantes do repertório possui temas característicos e a presença do Trio Manari, responsável pela base percussiva, confere uma pegada amazônica, tornando-se inevitável a remessa a imagens tribais. A opção pela sonoridade acústica se faz realçada, por exemplo, pela presença de flauta, acordeão e clarinete, instrumentos a cargo de Marta Ozzetti, Toninho Ferragutti e Zé Pitoco, respectivamente, embora a base seja efetivamente calcada no violão de Dante e no baixo de Du. Há as participações especiais de Felipe Cordeiro (em “Mais Uma”, dele em parceria com Júnia Vale), Heloísa Fernandes (piano em “Ribeirinho”, de Guinga e Paulo César Pinheiro) e Marcelo Pretto (em “Rodopiando”, de Ronaldo Silva, e “O Batuque”, de Amadeu Cavalcante e Joãozinho Gomes). Entre os melhores momentos estão “Miss Tempestade” (de Vitor Ramil e Ricardo Corona), “No Laguinho” (de Paulo Bastos), “Boi de Rua” (de Floriano e Jorge Andrade) e “Causou” (de Dante e Luiz Tatit).

* E para quem curte este blog, uma ótima notícia! Em breve, estaremos fazendo parte da programação da FM Aperipê falando de música popular brasileira e fazendo rolar muitas canções que valem a pena ser conhecidas e/ou relembradas. Quem viver, ouvirá!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor
Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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