Musiqualidade

R E S E N H A

Cantores: VÁRIOS
CD: “COITADINHA, BEM FEITO” – AS CANÇÕES DE ÂNGELA RO RO
Gravadora: JOIA MODERNA

Ângela Ro Ro já marcou seu nome na história da nossa música popular. Figura controversa desde quando surgiu no mercado fonográfico em 1979, ela vem acumulando sucessos e escândalos na mesma proporção. Sempre sincera em suas opiniões, possui diversos e inquestionáveis talentos: ótima cantora (dona de voz grave potente e timbre peculiar), inspirada compositora (que alterna mergulhos em decantados desencontros amorosos com generosas doses de bom humor) e boa pianista (é com esse instrumento que costuma criar suas melodias). E se, nos últimos anos, vem sendo difícil para ela (como, aliás, para qualquer grande artista) competir com marionetes fabricadas que, na carona de modismos tolos, dominam as vendas de discos e os programas de TV, nunca se fez tão apropriado como agora um movimento de revisita à sua obra.
Por isso, torna-se realmente obrigatório, tanto para os que a curtem há tempos como para os mais jovens que têm como lição de casa conhecê-la, ouvir (e divulgar) o CD “Coitadinha, Bem Feito”, um projeto capitaneado pelo jornalista e produtor Marcus Preto, o qual chegou recentemente às lojas através da gravadora Joia Moderna, de propriedade do DJ Zé Pedro, e que resgata dezessete músicas de Ro Ro interpretadas por cantores da chamada nova geração. Conveniente se faz aqui destacar que a aludida gravadora foi inicialmente criada para viabilizar somente álbuns de intérpretes femininas e que essa é a primeira vez que lança um produto com vozes masculinas.
É claro que, num projeto desse tipo (em que foi permitido a cada um dos cantores participantes revestir a canção selecionada como melhor lhes aprouvesse, de modo a conferir tintas bastante pessoais) nem todos conseguem se safar da tentação de reconstruir uma canção conhecida e trazê-la para o seu universo sem descaracterizá-la. Alguns cometem esse pecado e terminam merecendo um puxão de orelhas por chegarem a alterar, ainda que em parte, as melodias originais (caso do rapper Rael em “Perdoai-os, Pai” e de Tatá Aeroplano em “Balada da Arrasada”). Outros terminam se utilizando de uma quantidade desnecessária de efeitos e programações, o que resulta por quebrar o clima da música (dá para citar como exemplos Lucas Santanna em “Amor, meu Grande Amor” e Otto na faixa-título). Em sentido contrário, há quem se utilize dessa parafernália moderna para descobrir novas e insuspeitas nuances, mostrando-se antenado e inteligente, como ocorre com Adriano Cintra (dono do dorso que ilustra a capa do disco) em “Gota de Sangue”. E existem também aqueles que acham que o menos é mais (e, em muitos casos, é mesmo), como Dani Black faz em “Tola Foi Você” e Romulo Fróes em “Só nos Resta Viver”. Ponto pra eles! Há, por fim, quem parece achar que, para se destacar em meio a tantos, há que enfear a canção: é o que acontece com Rodrigo Campos em “Fogueira”.
No entanto, o saldo geral é positivo. E muito – é bom que se reconheça – porque as músicas de Ro Ro são, de fato, muito bem construídas e, em geral, possuem uma beleza acima da média. Assim, não há como passar imune à entrega de Léo Cavalcanti em “Came e Case”, à delicadeza com que Gui Amabis impregna “Abra o Coração”, à amargura lírica que Helio Flanders empresta a “Me Acalmo Danado” e ao clima soturno que Lira confere a “Renúncia”, os melhores momentos do CD.
Completam o time em interpretações que não comprometem: Thiago Pethit (em “Mares da Espanha”), Pélico (em “Não Há Cabeça”), Kiko Dinucci (em “Tango da Bronquite”), Gustavo Galo (em “Fraca e Abusada”) e Juliano Gauche (em “A Mim e a Mais Ninguém”).
Uma homenagem muito merecida a Ângela Ro Ro, uma artista ímpar que – graças a Deus! – continua produzindo e que merece ser redescoberta com a mesma força arrebatadora de suas canções. Corra e ouça!

N O V I D A D E S

* Do alto de mais de oito décadas de vida, a cantora Lana Bittencourt, ainda dona de surpreendente potência vocal, pôs recentemente nas lojas “A Diva Passional”, produto disponibilizado nos formatos CD duplo e DVD através do Canal Brasil. Ela, que, desde o começo da carreira (iniciada em 1954), sempre gravou em vários idiomas (motivo pelo qual recebeu a alcunha de “A Internacional”), é tida como um dos grandes nomes da era do rádio nacional e tem, entre os maiores sucessos, “Se Alguém Telefonar" (de Alcyr Pires Vermelho e Jair Amorim), “Little Darlin’” (de Maurice Wiliams), "Os Quindins de Iaiá" (de Ary Barroso), “Alone” (de Selma Craft e Morty Craft) e "Castigo" (de Dolores Duran). O recém-lançado projeto é fruto de registros ao vivo colhidos durante shows realizados no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, em novembro de 2010 e março de 2011, e foi idealizado e também roteirizado pelo produtor Rodrigo Faour (não sem razão um dos maiores admiradores de Lana), tendo à frente dos arranjos o violonista Mirabeaux Pinheiro, marido da artista. O eclético repertório se apresenta disposto em vinte e oito faixas e vai de “Ave Maria” (de Vicente Paiva e Jayme Redondo) a “Vá, Mas Volte” (de Wando), passando por “Malagueña” (de Ernesto Lecuona) e “Dio Como Ti Amo” (de Domenico Madugno). Lana se mostra arrebatadora tanto em temas mais antigos (a exemplo de “Na Baixa do Sapateiro”, do já citado Ary Barroso, e “Se Todos Fossem Iguais a Você”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes) quanto em outros originados em um passado mais próximo (caso de “Bilhete”, de Ivan Lins e Vitor Martins, e “Sangrando”, de Gonzaguinha). Há as participações especiais de Ney Matogrosso (em “Da Cor do Pecado”, de Bororó, e “Hino ao Amor”, tema propagado mundialmente na voz de Edith Piaf), Alcione (em “O meu Amor”, de Chico Buarque), Rogéria (em “Haja o que Houver”, de Fernando César e Nazareno de Brito) e da neta Mariana Braga (no samba “É”, outra de Gonzaguinha). Trata-se do retrato de uma grande intérprete, eternizado em muito boa hora. Bem legal!

* Além da sobrinha Lu Carvalho, a sambista Beth Carvalho (atualmente internada para tratamento de sérios problemas de saúde) terá outro membro de sua família se lançando no mercado fonográfico: trata-se de sua filha, Luana Carvalho, que estará lançando o seu primeiro CD ainda este ano, mas que já pode ser ouvida no Youtube através da regravação com roupagem pop de “Sintonia”, sucesso radiofônico de Moraes Moreira, originalmente lançado em 1987.

* Ex integrante do grupo de rock Los Hermanos, o cantor e compositor Marcelo Camelo já angariou um considerável séquito de fãs por todo o Brasil. Prova disso é a participação ativa do público no coro de quase todas as canções do recém-lançado CD “Ao Vivo no Theatro São Pedro” (também disponível em DVD). Gravado durante apresentação do artista em Porto Alegre (RS), o álbum apresenta vinte canções (a ótima inédita “Luzes da Cidade” aparece em dois registros: abrindo e fechando o disco), dezenove delas do próprio Camelo (a exceção é a divertida “Porta de Cinema”, de autoria de seu avô, Luiz Souza). Tendo composições gravadas por nomes como Roberta Sá, Maria Rita, Ney Matogrosso e Virgínia Rosa, ele já comprovou possuir talento de sobra e, embora o canto definitivamente não seja o seu forte, a voz de contornos soturnos se torna apropriada em várias passagens. O resultado é um trabalho eminentemente acústico no qual Camelo se faz acompanhado apenas por seu violão e pela rabeca de Thomas Rohrer. O roteiro, composto por canções que geralmente resvalam para temas amorosos (mas com abordagem sempre criativa), prioriza os temas mais conhecidos, o que torna o projeto praticamente um “the best of”. Entre os destaques estão ”Menina Bordada”, “Samba a Dois”, “Dois em Um”, “Saudades” e “Dois Barcos”.  

* Em julho próximo, a cantora Zizi Possi, após ultrapassar várias cirurgias resultantes de problemas de saúde, estará lançando um novo CD que se intitulará “Tudo se Transformou” e trará composições de Paulinho da Viola, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Guilherme Arantes e Necka Ayala. Quem viver, ouvirá!

* Embalado por uma caixinha dourada tipo presente e com um luxuoso livreto em papel transparente do qual constam as letras das canções, chegou recentemente à loja “Floresta”, o segundo CD da cantora e compositora paulista Ligiana Costa. Composto por onze faixas, sete delas criadas pela própria artista solitariamente ou ao lado de parceiros tais como Chico César, Juliana Kehl e Letieres Leite (este o responsável pela direção musical e arranjos), o álbum possui uma sonoridade orgânica e, embora não se trate de um trabalho de cunho regionalista, tal influência aflora em várias passagens. Ligiana, que desde criança, além de cantar (chegou a estudar canto lírico em Brasília), também dança e atua, é boa intérprete que sabe o que está dizendo. Apaixonada em especial por música barroca, ela passou praticamente uma década de sua vida entre a Holanda, a Itália e a França, especializando-se em música. No repertório do recém-lançado disco há desde canção composta em língua francesa (“Rouge”, parceria da artista com Lucas Paes) até tema tradicional do Haiti (“La Mizè Pa Dous”). Alguns dos melhores momentos ficam por conta das autorais “Desperta”, “Um Pássaro” e principalmente “Esmeralda” (bela canção revestida por adorno flamenco), além de “Boi de Catirina”, de Ronaldo Mota. Vale a pena conhecer!

* A excelente sambista paulista Fabiana Cozza também eternizará sua homenagem a Clara Nunes através do registro do show “Canto Sagrado” no qual mergulha no repertório da saudosa mineira. O registro dar-se-á em agosto próximo durante apresentações no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, e chegará às lojas ainda este ano nos formatos CD e DVD. Imperdível!

* O saxofonista Marcelo Martins acaba de lançar o seu primeiro CD solo. Voltado para o jazz, o álbum “Do Outro Lado” conta com dez faixas, nove delas autorais. A exceção é “Guanabara” (de Fred Martins).

* A música escolhida para ser o tema de abertura do sitcom “Vai que Cola” que estreará em julho no canal Multishow é o samba “Reunião de Bacana”, sucesso do grupo Exporta Samba desde quando foi lançada com estardalhaço no Festival MPB-80, levado ao ar pela Rede Globo. A nova versão da sempre atual canção ficou a cargo de Diogo Nogueira.

* E relembrando: todas as sextas-feiras, estou apresentando, mais ou menos às 10 horas, o quadro “Musiqualidade”, dentro do programa “Canta Brasil”, o qual é veiculado através da Aperipê FM (104.9) das 9 às 11:30 horas. Como já de costume, aguardo vocês por lá!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor
Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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